NOITE
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo
Cada sono em ensaio de morte.
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
BANZO
E por que deixou na areia do Congo
a aldeia de palmas;
e porque seus ídolos negros
não fazem mais feitiços;
e porque o homem branco o enganou com miçangas
e atulhou o porão do navio negreiro
com seu desespero covarde;
e porque não vê mais de ânfora ao ombro
a imagem do conga nas águas do Kuango,
ele fica na porta da senzala
de mão no queixo e cachimbo na boca,
varado de angústia,
olhando o horizonte,
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.
BELEZA
A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contundo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.
E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.
A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção (sempre a primeira e nunca
repetida) que conduz
o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.
DESTINO
Amanhã eu vou pescar
Há um peixe vitalizado
que a Ritinha vai guisar
na panela de alumínio
que brilha mais que o luar.
Hoje ele esta no seu líquido
e opaco mundo lunar.
Pequena seta de prata
furando a carne do mar.
Qual será? O bagre flácido
de cabeça triangular?
O lambari que faísca
como uma mola a vibrar?
O feio e molengo polvo
monstruoso, tentacular?
O peixe-espada de níquel,
a viva espada do mar?
SONETO
Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta dentro de ti a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.
Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça
de um povo que viveu fazendo versos.
Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu
a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...
VELHA CANÇÃO
Não penses que não te espero
na aparente indiferença.
Esta fingida descrença
só disfarça desespero.
Se a falsa máscara fria
pudesse quebrar esta ânsia
saberias que a constância
é meu pão de cada dia.
Um pudor duro e severo
esperar desesperado
é o que nutre este pecado
de querer como te quero.
Destarte - tímido louco -
não ouso sondar tua alma
e nesta insofrida calma
dia a dia morro um pouco.
PIEDOSA MENTIRA
Ontem na tarde loura e de aquarela,
alguém me perguntou: "Como vai ela?
Como vai teu amor?" - Eu respondi:
" Não sei. Uma mulher passou na minha vida,
mas não lembro... " E, nessa hora comovida,
como nunca lembrava-me de ti!
E menti por pudor... A mágoa que alvoroça
nosso peito é tão santa, tão pura, tão nossa
que se esconde aos demais.
E se uma voz indaga contristada:
" Estás sofrendo?" - "Não, não tenho nada..."
E é quando a gente sofre mais...
SONETO
Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta dentro de ti a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.
Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça
de um povo que viveu fazendo versos.
Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu
a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...
POEMAS DO VENTO
Gastar-se no tempo
diluir-se no vento
evolar-se no sonho
deixando
- haverá quem o colha? -
um resíduo...
Memória.
Levarei por onde ande
uma inquietação mais nada
impulso vital que extingo
dentro de um pouco de lama.
Tal que o vento que baila
fazendo seu corpo efêmero
com a poeira das estradas...
O VÔO
Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento,
desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o
de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre
para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens
na garganta.
Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e
de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desce que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.
A PAZ
A alva pomba da paz voou aos céus serenos.
Embaixo homens se agitavam
entre gritos e tiros.
Paquidermes mecânicos
sulcavam fossos
rasgando trincheiras.
Cansada de librar-se nas alturas
a pomba da paz
buscou na terra um pouso
e flechou
num vôo reto
rumo a uma coisa imóvel
hirta e muda no raso campo verde.
E pousou
calma e triste
sobre as mãos cruzadas de um cadáver.
ITAPIRA
Ó noites de luar da minha terra... Agora,
eu me lembro de cor desses ermos lugares...
A alma se me abria à noite cismadora,
voava ébria da luz nos célicos luares...
Que mágico lugar! Voava e eu não sabia...
Não sabia dizer nos seus longos cismares
se era melhor viver no céu, que tudo encerra,
ou se é melhor sonhar no chão da minha terra!...
Sonhar! Sonhar ali... Sob um céu tão puro
como é puro um olhar duma casta criança...
Sonhar! Mas ali só, sob esse céu, sob esse
cristalino luzir de estrelas...
Sobre a terra em que a flor naturalmente cresce,
como era a paixão em duas almas belas...
ITAPIRA 2
Itapira é sempre aquela moça jovial e faceira
que se veste à maneira de princesa,
trescalando a cravo,
alvejando nas rendas de nuvens brancas
dum céu azul,
azul como devera ter sido o olhar de Eva,
se é que nossa primeira mãe foi loura...
O parque está uma delícia...
O éden está aqui.
Se eu fosse sábio,
argumentaria nesse sentido,
para oferecer ao número das verdades positivas mais uma:
"Adão devera ter sido itapirense..."
Hão de me chamar inovador,
taxar-me-ão de fantasista,
porém a beleza natural desta graciosa terra
fez-me cair em pecado,
fazendo-me disputar verdades à própria Bíblia...
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