Nota à segunda edição
Foi com sincera surpresa que vi esgotar-se a primeira edição
de Cabocla, logo após o seu aparecimento, em fins de 1931. A que devi esse favor do público? Talvez ao fervor pela terra nacional, de que pretende ser um espelho a simples história de Jerónimo.
Cabocla foi um desabafo da saudade e, talvez, da angústia. Escrita em
Marselha, em outubro de 1930, não necessita de explicação. Os telegramas anunciavam a guerra civil. No fundo de mim, havia um Jerónimo que sofria. Oh, quantos tiros de canhão a perturbar a paz das montanhas natais!
Da invenção do romance nasceram equívocos. Por exemplo, seria um episódio pessoal? O perigo de escrever histórias! Sempre é tempo
para dizer que não tive outro intuito senão o de contar uns estados de alma que experimentei no contato quotidiano da vida do interior, entre 1922 e 1928. Não fiz o retrato de ninguém; não transpus nenhuma "real realidade" para o plano da ficção.
Desde os anos de adolescência que eu trazia dentro de mim, reflexo das primeiras viagens pela serra acima, essa "moça da estaçãozinha pobre". A criação literária tem os seus mistérios. Só em Marselha é que eu encontraria o clima de espírito
indispensável à libertação do amoroso recalque. Esse clima foi, como está escrito acima, a saudade: saudade das formas, das cores e do cheiro do nosso sertão.
Estranho sentimento: de volta ao Brasil, em 1932, não me interessou rever o texto do romance, revisão que se me afigura necessária
para uma nova publicação. Foi preciso que me encontrasse mais uma vez no exílio para obter a atmosfera favorável a esse trabalho.
A revisão agora feita não atingiu senão alguns trechos. Pequenos cortes, pequenos acréscimos. Nada que modificou na estrutura da
narrativa.
Certos críticos acharam pueril o fim desta história, com os dois casamentos à maneira, diziam, dos filmes americanos. A isso
responderei humildemente com o protesto de obediência às velhas vozes da sensibilidade. Se eles se lembram de um conto que se chama A casa do gato cinzento, saberão que já ali, há quase vinte anos, uma menina meiga escrevia a um rapaz: "Peço-lhe que me empreste um romance, às escondidas de vovó. Quero um romance que acabe bem". De resto,
para que acabar mal o que tantas vezes na vida acaba tão bem?
Haia, verão de 1937. |