XXXIII - Estaçãozinha pobre
Não compreendia bem. A realidade é que eu estava no trem em
marcha. A viagem fora confusa como um sonho impossível de contar. Tinha verdadeiramente passado por todas aquelas cidades e povoações cujas casas coloridas, ruas barrentas e plantações distantes se misturavam na minha memória automática?
A realidade é que eu estava no trem em marcha; que desde manhã rolava por planícies, atravessava pontes, acompanhava rios; e que o comboio, escalando
agora a serra, estava perto do Pau d'Alho. A noite subira dos morros e cobria os grotões de talagarças úmidas, envolvendo o mato de um repouso frio.
Não compreendia bem. Sentia a cabeça vazia de pensamentos. Passado e futuro estavam abolidos da minha consciência. Apenas o presente existia, aquele
trem que me levava pela serra acima e que dentro em pouco me deixaria numa plataforma de estação perdida.
O ar da serra, tão fresco, dava vontade de adormecer. A noite era cada vez mais densa. Nos vales, em baixo, luzes apareciam, solitárias.
O chefe do trem veio me despertar da modorra em que eu caíra, indiferente aos outros passageiros e a tudo que me rodeava.
- O senhor não desce no Pau d'Alho? Estamos chegando.
Despertei, sobressaltado: o coração bateu forte, saudando os casebres miseráveis do povoado, o sobrado do José da Estação, a capelinha colonial.
- Pau d'Alho!
Na treva fechada, a lanterna era como um grosso pingo de sangue, pendente do teto, prestes a rolar para o chão. Através dos vidros do carro olhei com
enlevo o escritório do agente, iluminado a querosene, com papeletas dependuradas à parede, junto à mesa do telégrafo. Um alarido de galinhas espantadas enchia a noite: o agente embarcava jacás de criação. Vultos fumavam, parados; a brisa dos
cigarros de vez em quando brilhava forte.
- Como é, seu Daniel, não veio ninguém para mim?
Um rumor de botas ferradas anunciou o José da Estação, que vinha a correr, na esperança de algum viajante para o hotel.
- Você está ruim da vida, seu José, precisa fechar a estalagem.
A voz do chefe do trem comentou, sarcástica:
- Também, uma tapera daquelas!
- Deixa de prosa, Francelino! Vamos ver se lá na Vitória você não mora nalgum pardieiro!
Saltei na plataforma e o espanto do chefe da estação foi tão grande quanto o do hoteleiro.
- Olhe quem vem aí, seu José!
- O senhor, doutor, outra vez por aqui?
E José se precipitou nos meus braços, embaraçando os pés nos jacás de galinhas que juncavam o chão.
Por um instante não compreendi a razão de estar ali, de ter à roda de mim o seu Daniel, o José da Estação, os caboclos que fumavam calados olhando o
trem. Na praçazinha miserável de Pau d'Alho, que os lampiões, nos casebres silenciosos, marcavam de uma fila de luzes amortecidas, não passava ninguém; mas na venda do hotel moviam-se sombras. A freguesia tomava pinga e discutia política municipal. |