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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - Ribeiro Couto - BIBLIOTECA NM
Rui Ribeiro Couto (16-[34])

Clique na imagem para ir ao índice desta obraUma das principais obras de Rui Ribeiro Couto é o romance Cabocla, aqui transcrito em primeira edição digital, a partir do livro publicado em 1945 (terceira edição) pela Livraria Sá da costa Editora, de Lisboa, Portugal, com prefácio de João de Barros, sendo todos os exemplares autenticados com as rubricas do autor e editores. A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio pelo secretário Raul Christiano para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 170 a 173):

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Cabocla

Ribeiro Couto

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XXXIII - Estaçãozinha pobre

Não compreendia bem. A realidade é que eu estava no trem em marcha. A viagem fora confusa como um sonho impossível de contar. Tinha verdadeiramente passado por todas aquelas cidades e povoações cujas casas coloridas, ruas barrentas e plantações distantes se misturavam na minha memória automática?

A realidade é que eu estava no trem em marcha; que desde manhã rolava por planícies, atravessava pontes, acompanhava rios; e que o comboio, escalando agora a serra, estava perto do Pau d'Alho. A noite subira dos morros e cobria os grotões de talagarças úmidas, envolvendo o mato de um repouso frio.

Não compreendia bem. Sentia a cabeça vazia de pensamentos. Passado e futuro estavam abolidos da minha consciência. Apenas o presente existia, aquele trem que me levava pela serra acima e que dentro em pouco me deixaria numa plataforma de estação perdida.

O ar da serra, tão fresco, dava vontade de adormecer. A noite era cada vez mais densa. Nos vales, em baixo, luzes apareciam, solitárias.

O chefe do trem veio me despertar da modorra em que eu caíra, indiferente aos outros passageiros e a tudo que me rodeava.

- O senhor não desce no Pau d'Alho? Estamos chegando.

Despertei, sobressaltado: o coração bateu forte, saudando os casebres miseráveis do povoado, o sobrado do José da Estação, a capelinha colonial.

- Pau d'Alho!

Na treva fechada, a lanterna era como um grosso pingo de sangue, pendente do teto, prestes a rolar para o chão. Através dos vidros do carro olhei com enlevo o escritório do agente, iluminado a querosene, com papeletas dependuradas à parede, junto à mesa do telégrafo. Um alarido de galinhas espantadas enchia a noite: o agente embarcava jacás de criação. Vultos fumavam, parados; a brisa dos cigarros de vez em quando brilhava forte.

- Como é, seu Daniel, não veio ninguém para mim?

Um rumor de botas ferradas anunciou o José da Estação, que vinha a correr, na esperança de algum viajante para o hotel.

- Você está ruim da vida, seu José, precisa fechar a estalagem.

A voz do chefe do trem comentou, sarcástica:

- Também, uma tapera daquelas!

- Deixa de prosa, Francelino! Vamos ver se lá na Vitória você não mora nalgum pardieiro!

Saltei na plataforma e o espanto do chefe da estação foi tão grande quanto o do hoteleiro.

- Olhe quem vem aí, seu José!

- O senhor, doutor, outra vez por aqui?

E José se precipitou nos meus braços, embaraçando os pés nos jacás de galinhas que juncavam o chão.

Por um instante não compreendi a razão de estar ali, de ter à roda de mim o seu Daniel, o José da Estação, os caboclos que fumavam calados olhando o trem. Na praçazinha miserável de Pau d'Alho, que os lampiões, nos casebres silenciosos, marcavam de uma fila de luzes amortecidas, não passava ninguém; mas na venda do hotel moviam-se sombras. A freguesia tomava pinga e discutia política municipal.