XV - Moça da roça
Dias depois prima Emerenciana aproveitou um momento em que
estávamos sós, na cozinha, para me dizer:
- Que é isso, primo, você, Deus me perdoe, parece que anda gostando da minha afilhada... (Eu creio que corei, fiquei confuso, olhei-a com reprovação.
Ela continuou): Veja lá, heim? Ela é moça boa.. Não vá perder a cabeça com ela.. Não se esqueça que Zuca está noiva, que vai casar direitinho...
Ergui os braços ao céu, teatralmente, mas Emerenciana impediu-me de pronunciar a frase de protesto que ia irromper da minha boca:
- Eu sei quem você é, Jerónimo, tenho confiança... Em todo caso, estou lhe avisando...
Da sala de jantar veio a voz de Zuca:
- Você me pega aquele novelo que caiu, Mariazinha?
O Robertinho gritou:
- Eu pego! eu pego!
Os dois deviam ter se precipitado, porque houve um choque, uma queda, e o riso triunfante de Mariazinha zombou de RObertinho que se pôs a chorar.
- Ooooora! para que é que vocês hão de brigar por uma coisa à toa? - ralhou Zuca.
Prima Emerenciana passou o café no coador e continuou baixinho, em confidência:
- Você ficou triste, primo? Não se aborreça, não... Se eu falei isso, é porque notei que você anda meio caído por ela... Afilhada é como filha, meu
dever é chamar sua atenção...
Pôs na xícara uma colherada de açúcar, serviu-me de café:
- Depois, eu também notei que ela não desgosta... Mas porém, Zuca é pobre e da roça, você é moço da cidade, arranjado, de bonito futuro... Não vai
agora se engraçar por uma mocinha do mato...
Segurei prima Emerenciana pelo braço, nervosamente:
- Você fez alguma observação a ela, prima?
- Não fiz, mas meu dever é fazer...
- Então não faça, peço-lhe.
- Por que não?
- Prima, se você falar alguma coisa a Zuca, eu vou-me embora.
Soltou um riso bondoso, como que querendo desmanchar a minha má impressão:
- Não falo nada, fique sossegado... Mas prometa que não vira a cabeça da minha afilhada... Moça da roça... Deixe ela seguir o destino dela...
Sacudi-me num riso forçado:
- Ora, ora! Que fantasia a sua!
De repente, tomado de um ímpeto, levantei-me, cruzei os braços e perguntei:
- Que é que você diz de eu pedir a Zuca em casamento?
Prima Emerenciana pareceu cair das nuvens. Esqueceu-se de que estava com o coador de café na mão, deixou tombar a borra no vestido, quis dizer não sei
quê, mas a cozinheira vinha entrando de lá de baixo com um braçado de lenha; então mudou de assunto:
- Está bom o café?
E pôs-se a resmungar, dando de ombros, como se dissesse: este primo Jerónimo perdeu o juízo. |