VIII - De Pequetita Novais, na Capital Federal, a Jerónimo Vieira Pires, na fazenda do Córrego Fundo
Cher Ami,
Bonjour!
Afinal eu devia me limitar a este bonjour. Você não merecia mais. Também, um homem que tem um nome tão vulgar, Jerónimo! Eu não me resignaria jamais a ser mulher de um cavalheiro chamado Jerónimo.
Sans blague, você não merece senão alfinetadas, mas das boas, com alfinetes
assassinos, daqueles antigos, que nossas mamãs usavam para prender os chapéus de plumas aos topetes armados. Pois você, Jerónimo, parte para o Espírito Santo - aqui todos nós dizemos: Jerónimo foi tomar posse da capitania do Espírito Santo, mas
será comido pelos aimorés! - e me deixa um simples cartão pour prende congé? Uma pessoa que parte para tão longe, para
desconhecidas regiões do país, deve fazer despedidas copiosas - e inclusive deixar testamento. Você não fez as despedidas, nem talvez o testamento. Jerónimo, Deus permita que você seja tão feliz quanto Jean de Lery, e escape aos bugres!
C'est vrai, fui eu mesma quem telefonou para a firma. A firma me informou que
você não voltaria dessa capitania tão cedo porque ia ser fazendeiro, mas não quis fornecer o seu endereço. Afinal, dei uma gargalhada, de que a firma não gostou, decidindo-se pelo gesto expressivo de desligar o aparelho.
Hoje, ao receber o seu postal, fiquei sabendo que a firma lhe comunicou a minha telefonada, assim como a suspeita de que eu fosse
uma pessoa de má companhia. C'est charmant, ça!
Afinal de contas, continuo na ignorância das razões da sua partida. Todos os nossos amigos estão no mesmo caso. A ninguém você
escreveu desde que aí chegou e ninguém sabia para onde mandar-lhe perguntas urgentes.
Seu postal diz apenas: "Estou já quase bom". Doente? Nunca me constou que você estivesse doente. Deve ser um pretexto. Ardo de
curiosidade. Confesse, Jeroniminho, que você foi curar aí nessas solidões da capitania alguma paixão. Permita-me a franqueza de dizer que tenho disso um certo despeito. Apesar das conhecidas incompatibilidades do meu temperamento de romântica com
os seus instintos de homem prático, futuro engenheiro de pontes e calçadas, sempre alimentei o desejo de ver você aderir ao Estado Maior dos meus suspirantes. Vá a gente sonhar!
Tiens, esqueci-me de dizer-lhe: fui pedida em casamento por um
norte-americano. Depois daquele adido à legação da Bulgária - potência insignificante - surge um representante da maior nação da terra. All right! Como estou disposta a me sacrificar pelo Brasil e compreendo as vantagens de uma aliança com os Estados Unidos, é provável que eu me decida pelo sim.
Tomo parte, no dia 18, em Petrópolis, numa festa de caridade. Gostaria de vê-lo na assistência, principalmente porque tenho três
poemas novos, um de Olegário Mariano, outro de Guilherme de Almeida (êxitos garantidos) e outro de Pedro Miguel Obligado, poeta argentino, autor deste diamante:
Todo es vago en este dia,
Parece que cuanto existe
Respira una poesia
Deliciosamente triste.
Se eu der o sim aos Estados Unidos, conto com você no cortejo. Ainda na hipótese do referido sim, a boda será para logo. Buffalo
me espera! Ou Cincinnati, não sei bem. Pois o yankee em questão é gerente de um banco e está esperando a sua remoção para
uma cidade da república estrelada.
Mande-me dizer como é a sua vida por aí.
Shake hands da sua amiga esquecida
Pequetita.
Encore un mot: faça favor de escrever à firma dando ordem para que o telefone
não seja desligado quando eu pedir notícias suas. Se não quer me mandar notícias frequentes, deixe ao menos que eu telefone para lá, até ter a certeza de que, nessa misteriosa Vila da Mata onde se encontra, você não corre o perigo de ser jantado
pelos ditos aimorés, num festim antropofágico.
Finalmente: tem moça bonita aí? Hum! Vá arranjar um flirt com alguma bugra e aparecer aqui de orelha mordida...
Ciao!
P. |