Ribeiro Couto
Rui Ribeiro Couto
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Ribeiro
Couto, que se estreou o ano passado com o Jardim das Confidências, é um dos poetas mais lidos hoje em dia em todo o país. O aparecimento do
seu admirável livro valeu-lhe por uma consagração, que não foi outra coisa a maneira entusiástica pela qual o receberam escritores irreprocháveis
como João Ribeiro e Ronald de Carvalho, para citar apenas o mais velho e o mais moço dos nossos críticos.
Pessoal e sincero como todo verdadeiro poeta, poderia gravar ao alto das suas obras estas palavras de Jackson de
Figueiredo: - "Há um tom de confissão em tudo que escrevo". Sim, porque quase todos os seus poemetos são lindos segredos líricos que a sua alma nos
conta. E de que modo o faz! com que fina doçura!
O que caracteriza a sua arte é aquele "certain degré de vague", de que nos fala o grande Anatole. Ele é um
mestre nesse particular. Só um escritor possui a chave do mesmo tesouro no Brasil: Álvaro Moreyra. O vago porém nunca vem só. E é por isso que passa
roçando pelos seus versos, leve e veludosa como uma pluma, a asa suavíssima da melancolia, daquela mesma enternecedora melancolia das obras de
Samain e Francis James. Esta a razão de não ser a sua arte a de um pintor a óleo, mas de um aquarelista delicado, que prefere trabalhar nas horas em
que a natureza está silenciosa, à tarde ou à noite, quando surgem as sombras ou aparecem as estrelas.
Uma coisa importante ninguém disse até hoje: foi, depois de Cepellos, quem cantou com mais verdade e sentimento a
célebre garoa de S. Paulo. Em algumas das suas poesias, ainda inéditas, evoca, com aquela singeleza que lhe é própria, os parques da Paulicéia, sob
a luz do luar e sob o luar da garoa, cheios, às vezes, de vultos abraçados, isto é, de boêmios, estudantes, vadios e costureirinhas românticas,
cenas que muito valem pelo seu pitoresco e autenticidade. E certamente hão de ficar populares, quanto postas em música, honra que já mereceu de
Villa-Lobos a sua emocionante Solidão, que não resistimos ao prazer de citar:
Chove... Uma goteira, fora,
Como alguém que canta de mágoa,
Conta, monótona e sonora,
A balada do pingo d'água.
Chovia, quando foste embora...
Ribeiro Couto é poeta de sugestão. Os seus versos impressionam, não tanto algumas vezes pelo que dizem, mas pelo
que lembram, pelo mundo e coisas que nos fazem entrever. Não é, portanto, um descritivo. O seu forte é a imprecisão musical, que nos acorda um bando
de motivos no espírito, como uma paisagem na névoa.
Há na sua arte também uma face boêmia. Trata-se aqui da boemia espiritual, já se vê. Um quê assim de Marcello
Gama, o espontâneo e grande Marcello, que tão injustamente vai sendo esquecido. Leiamos alguns versos da Noite monótona de um poeta enfermo:
Fuma... Vendo subir o fumo azul, esparso,
O poeta boceja e ergue os braços... Que tédio!
Obrigado a ficar nessa noite de março,
Numa alcova que cheira a doença e remédio.