Foto feita em 1955, na Iugoslávia, onde viveu
durante 16 anos
Foto: reprodução, publicada com a matéria
LITERATURA
O centenário de nascimento de Ribeiro Couto
O poeta santista levou para seus versos a presença do mar e das praias, e as
ruas da infância em sua terra natal
Narciso de Andrade (*)
Colaborador
Em 20 de janeiro de 1960, na cidade de Belgrado, onde
exercia com marcante brilho as funções de embaixador do Brasil, Ruy Ribeiro Couto escrevia um prefácio para o seu livro de contos Histórias de
Cidade Grande, editado nesse mesmo ano pela Editora Cultrix, de São Paulo.
Nesse texto, o autor explicava naquele seu modo direto e coloquial de expor-se:
"Dando um balanço nos muitos contos que publiquei, vi que poderia reuni-los em dois ou três grupos distintos de acordo com os
assuntos e os ambientes, para não dizer os gêneros. Aqui são histórias passadas no Rio de Janeiro. (...) a divisão não é arbitrária: longe da
metrópole marítima, bem outra é a matéria e o sentido, bem outros são os tipos e episódios de vários contos meus, que poderão construir, pela mesma
preocupação de unidade, um volume que será então de Histórias de Cidade Pequena".
Nesta altura, me perdoem, o corte se impunha. Ribeiro Couto, sente-se, se emociona ao
confessar: "Ainda assim narrativas de outras espécies, talvez as que me são mais caras, não estariam coerentes com
aqueles títulos. Não era grande nem era pequena a cidade da minha infância. Como não dar lugar à parte às histórias em que aparece Ricardinho
quebrando vidraças na vizinhança, ou à turma da Rua D. Luísa Macuco malhando os rivais da Avenida Conselheiro Nébias, ou na Praia do Gonzaga meu
coração juvenil entre as pontas do dilema: Carolina ou Bilu?"
Rua Luísa Macuco, Avenida Conselheiro Nébias, Gonzaga - Santos se encontrava no verbo
e no verso de seu filho sempre a procurar identificar na maresia de outras praias a presença do mar de sua terra natal.
Eu tenho em mim o instinto da partida e da viagem; no entanto, guardou, por
toda a vida, inabalável sentimento de fidelidade pela cidade que não era grande nem pequena, onde nasceu. No dia 12 de março de 1898. Portanto, é o
centenário de seu nascimento que estamos comemorando sob uma triste cortina de silêncio. Afinal, o que está acontecendo nesta terra? A novela das
oito, na redundância inócua de suas tramas, será a responsável pelo esvaziamento dos espaços culturais da cidade? Não sei, realmente não sei, sei
que as coisas nesse terreno vieram piorando muito de uns tempos para cá. Voltarei a abordar este assunto em outra ocasião. Agora, o tema é Ruy
Ribeiro Couto.
Ribeiro Couto e sua mulher Anna (foto de 1926)
Foto: reprodução, publicada com a matéria
A Santos que o poeta viveu não existe mais. Não se sente hoje aquela vibração
constante das ruas do centro. Mudou a paisagem urbana e mais ainda a paisagem humana. Existirá ainda aquela cavalheiresca tradição dos negócios
cafeeiros, quando altas importâncias eram garantidas apenas pela palavra empenhada? Mudou esta nossa querida e desfigurada cidade.
Mas a gente pode senti-la inteira na palavra em prosa e em verso deste poeta maior que
assinava suas cartas para os amigos deste lado do Atlântico como o caranguejeiro Ruy. Desejaria ilustrar este trecho com a reprodução de uma
delas mas, infelizmente, em uma mudança, lá se foram para destino ignorado.
Nasci junto ao porto, ouvindo o barulho dos embarques.
.........
Sou bem teu filho, ó cidade marítima,
Tenho no sangue o instinto da partida,
O amor dos estrangeiros e das nações.
Oh, não me esqueças nunca, ó cidade marítima,
Que eu te trago comigo por todos os climas
E o cheiro do café me dá tua presença.
Estes são os versos iniciais de Santos, poema cíclico em dez estrofes do livro
Noroeste e Outros Poemas do Brasil, publicado pela Companhia Editora Nacional, São Paulo, em 1933.
O apelo do poeta - não me esqueças nunca, ó cidade
marítima - acabou tombando no vazio. Não fora a dedicação e a fidelidade de Milton Teixeira com os dois livros
fundamentais - Ribeiro Couto Ainda Ausente e Ribeiro Couto, 30 Anos de Saudade -, o nome do santista que carregava a cidade em suas
andanças de diplomata pelo mundo teria sido esquecido. Este terá sido, quero crer, um dos maiores serviços prestados por Milton à cultura santista.
O famoso Lamentação do Caiçara é outro canto de amor
à cidade natal, naquele modo direto e sereno, sem arestas, típico do seu estilo:
Minha infância é um porto, navios e bandeiras.
Diante de um cais comercial foi que nasci.
A gesticulação dos mastros que partiam
Dava-me o ensejo das travessias aventureiras.
E o monótono adeus que as sereias mugiam
Fazia-me sonhar com terras estrangeiras.
O tom confessional adquire a maior autenticidade e força dramática em Invocação do
Porto Natal:
O porto em que nasci! Era eu menino
Quando uma vez me viste, olhos no mar,
Pedir ao mar incerto o meu destino.
O mar ouviu-me. Meu destino é errar,
Por onde eu vá, seguindo esse destino,
Entre eu e minha mãe existe o mar.
Enfim, se o barco em que eu voltar um dia
Deva ir ao fundo, que suceda tal
Em frente ao porto a que eu tão bem queria.
E que meu corpo inerte, no balanço
Da onda encontrando embalo maternal,
Possa no mesmo porto achar descanso.
Este poema se encontra em Cancioneiro do Ausente.
Em 1960, a Editora José Olympio publica as Poesias Reunidas contando O
Jardim das Confidências, Poemetos de Ternura e de Melancolia, Um Homem na Multidão, O Chalé na Montanha, Canções de Amor, Província, Noroeste e
Outros Poemas do Brasil, Correspondência de Família, Cancioneiro de Dom Afonso, Cancioneiro do Ausente, Entre Mar e Rio.
Em edição da Civilização Brasileira de 1961, Longe. E não posso deixar de citar
o livro no idioma francês, que Ruy dominava com perfeição entre outras línguas, Le Jour Est Long, que o grande poeta me enviou de Belgrado,
em 1958, com amável dedicatória me mandando o abraço do caranguejeiro Ruy Ribeiro Couto. Eu tinha escrito uma matéria para este jornal sobre
Ruy, e seu amigo Francisco Azevedo, sem que eu soubesse, remeteu-a ao embaixador do Brasil na Iugoslávia. Nada mais, nada menos que o próprio: Ruy
Ribeiro Couto. Valeu, gente, nos tornamos amigos sem nunca termos nos encontrado.
Mas eu conhecia muito bem o poeta e o homem pela voz de seus amigos locais,
principalmente o escritor Albertino Moreira, outra destacada figura da literatura santista, igualmente esquecido. Albertino, quando estudante da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fora companheiro de pensão do jovem estudante do mesmo curso de Direito e futuro embaixador. A
amizade prosseguiu vida afora.
Procurei destacar neste texto evocativo alguns aspectos da poesia de Ruy Ribeiro Couto
diretamente ligados à nossa cidade. Mas é evidente que a obra desse mestre tem outras dimensões de igual relevância. Nos contos - Baianinha e
Outras Mulheres, Clube das Esposas Enganadas, O Crime do Estudante Batista. Nos romances Cabocla e Prima Belinha.
Nas crônicas evocativas de Chão de França e Barro do Município.
A vida dele também é um amplo repositório de sonhos e realizações, embora tenha tido
certas atitudes políticas mal compreendidas. Mas é preciso não esquecer que foi ele quem colaborou decisivamente para a libertação do escritor Paulo
Ronai de um campo de concentração nazista.
Aposentado, se preparava para voltar ao Brasil, quando a morte o surpreendeu em 30 de
maio de 1963.
A minha coleção de selos, à luz da lâmpada, fazia sonhar com ilhas e naufrágios...
O menino se encantou no seu sonho e assim permanece para sempre.
(*) Narciso de Andrade é
poeta e escritor
Uma das últimas fotos do poeta, tirada em Belgrado (1962)
Foto: reprodução, publicada com a matéria
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