Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult002a.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 12/20/04 13:15:29
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - POETIRMÃO
Roldão Mendes Rosa (1)

Leva para a página anterior

O editor de Novo Milênio teve o privilégio de ser colega de redação de Roldão Mendes Rosa - e de ter seus textos jornalísticos revisados por ele -, no mesmo jornal santista A Tribuna em que foi publicada esta matéria, na edição de 26 de janeiro de 1990:


Roldão terá seus versos reunidos em um livro, a ser lançado em pouco tempo
Foto: arquivo, publicada com a matéria

A poesia de Roldão nos dois anos de sua morte

Narciso de Andrade (*)

Ninguém passa pela vida sem deixar marcas - o rosto de um irmão, a voz de um amigo, caneta mordida, cor de um sorriso, uma cadeira do lado da janela e o mar lá longe. Poetas deixam versos.

Deixam versos os poetas; essa a marca maior de sua passagem pelos caminhos do mundo. Pastores de ritmos, rebanhos de ovelhas não deixam como legado; lavradores de palavras, não criaram campos cultivados nem erigiram cidades para as gentes habitarem. Na maioria das vezes, sequer deixam uma casa para seus filhos nela morarem. Poetas deixam versos, sentido pungente de toda uma vida.

Deixam versos os poetas e neles permanecem inteiros e indestrutíveis, violentando o imponderável hiato que separa o estar do partir. Partir não é verbo conjugável neste idioma onde os vocábulos, rimando ou não, se aproximam, se tocam e se unem para compor uma linguagem-linhagem da mais simples e autêntica nobreza - a iniludível nobreza do belo e do verdadeiro, o autêntico real absoluto referido por Novalis.

Roldão Mendes Rosa, nascido numa rua antiga desta Cidade antiga (Rua do Rosário, quando ele nasceu), cumpriu seu destino de poeta de forma absolutamente autêntica, digna, exemplar. Nunca procurou fazer do exercício da poesia um campo de privilégios, um instrumento de projeção, nem jamais se dobrou às injunções do meio social local, tantas vezes mesquinho e reacionário na abordagem e apreciação das obras de criação estética. E poesia é pura estesia, seja qual for o conceito predominante de época e lugar.

Mas, se os versos do poeta são as marcas maiores que ele deixa, devem ser acessíveis a todos e a poesia de Roldão Mendes Rosa, confinada em revistas e jornais e cópias em mãos de alguns amigos privilegiados, não teve a divulgação devida, não importando, neste momento, indagar dos motivos que levaram o poeta a não reunir em livro a sua produção.

Incumbido por Laura Carneiro Mendes Rosa e Carlos da Silveira Mendes Rosa, mulher e filho do poeta, certamente em homenagem à amizade que nos uniu por mais de quarenta anos, procedi a um levantamento de parte da poesia de Roldão, com a carinhosa assistência de Jair de Santos Freitas e Júlio Bittencourt, que cedeu alguns originais, estando o trabalho, a esta altura, em fase adiantada de datilografia e primeira revisão. Se houve demora, explico: o poeta deixou um volume imenso de poemas inéditos, muitos com diversas versões, das quais só ele sabia o texto final. À procura deste texto é que me coloquei diante de cada poema, por uma simples questão de lealdade e fidelidade ética e estética. Futuramente, outros livros deverão surgir.

Hoje, o recado que quero dar é apenas este: logo, logo Roldão Mendes Rosa estará novamente entre nós com poemas como os que ilustram esta página.

Este jornal, onde o poeta militou durante tanto tempo, a Secretaria de Cultura do Município, uma Universidade local já mandaram seu recado quanto à publicação do livro de Roldão. Que tudo se complete em plenitude e as marcas que o poeta deixou - seus versos -, voltem a cantar no tempo e no espaço desta Cidade que ele tanto amou. Na raiz do sonho, a poesia.

(*) Narciso de Andrade é poeta e escritor

A POESIA DE ROLDÃO MENDES ROSA - FRAGMENTOS

Uma porta se abre
no beco só treva
- que vulto é esse vulto
que leva nos ombros
o peso do tempo
carregado às cegas?

           Não fosse eu tão fraco
e tão errante
e não me subiria aos olhos
a eternidade do instante;
           não fosse eu tão raso
e tão disperso
           e não me cresceria no ombro
o peso deste verso

ó guardador de rebanhos
quantas ovelhas guardastes?
quantos sonhos de menino
por montes apascentaste?

ó guardador de rebanhos
quanto choro não choraste
quanta lágrima escondeste
na manga do teu casaco!

ó guardador de meus dias
por que guardaste as palavras
por que silêncio te partes
tu que silêncio não tinhas?

Sentado, absorto,
à mesa nova,
o homem qual morto
prova e reprova
com o olho torto.

PASSAGEM PARA O AMANHÃ

A cidade futura está no tempo
A cidade futura está nos mapas.
Não há caminho secreto,
senha, contra-senha que desvendem seu reino.
É noite e amanhã nela despontam sem mistério.
Não a queiras ouvir sob a relva
Ou a aspereza da pedra.
Não a julgues em ti - atrás dos olhos,
Todo milagre é possível,
Toda cidade, provável.
Não a inventes.
Não é mito que adores.
Não é mulher que desejes um momento nos braços.
Não é sonho que vivas no silêncio dos olhos:
A cidade perfeita, construída em solidão, é inabitável.

Poema de Roldão Mendes Rosa,
enviado por Arsenio Fornaro, dos Estados Unidos, pela Internet, em 2004


Roldão Mendes Rosa, na capa da revista Mirante nº 33/ano 18, de janeiro de 2001

Imagem publicada por Valdir Alvarenga na rede social Facebook (acesso: 19/8/2013)

Leva para a página seguinte da série