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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - ZANZALÁ
VI - Os Caborés                      (de Afonso Schmidt)
Ilustração: Jean Luciano
Com o desenvolvimento das máquinas, muitos animais que tanto auxiliaram o homem no seu progresso estão destinados a desaparecer. Esta observação que não é nova pode ser comprovada na vida pacata e comum do Zanzalá. Bois e vacas ainda são encontrados em pequeno número nos estábulos do distrito, embora a maior parte do leite consumido seja vegetal. Os cães, empregados em diversos serviços, também aparecem. Pode mesmo dizer-se que, nas noites de lua-cheia, as pessoas insones ainda ouvem pela rua o escandaloso namoro dos gatos. Mas, os eqüinos, os caprinos e os ovinos só podem ser vistos nas páginas da Enciclopédia, ou nas avenidas do Jardim Zoológico.

Este jardim, que fica próximo dos Areais, é muito visitado, principalmente nos dias de festa. Professores param diante daqueles bichos, um tanto ariscos, e explicam coisas interessantes a crianças de olhos arregalados:

- Vocês precisam amar e respeitar os animais. Eles representam importante papel na história do homem, notadamente do homem da América. Nos primeiros séculos da nossa civilização, o transporte terrestre era feito com auxílio dos animais. Ali está aquele cavalinho cor de pinhão...

- O Guaicuru!

- Todas as crianças conhecem o cavalinho do Jardim Zoológico.

E o professor continuava:

- ...sim, o Guaicuru. Ele é descendente de uma nobre estirpe. As estradas eram vencidas nos lombos dos cavalos. Depois, vieram os banguês, os diversos carros urbanos, os veículos de transporte de mercadorias. Houve tempo em que o Brasil produziu dois terços do café consumido no mundo. Esse café era acondicionado em sacos de aniagem e transportado dos armazéns para os navios em carretões puxados por animais desta espécie. Um dia, surgiram carros grandes que trafegavam sobre fitas de aço e aos quais os nossos antepassados chamavam de "bondes". Os primitivos bondes eram também puxados por animais. Os exércitos de todos os países utilizavam milhares e milhares e de cavalos para o transporte dos víveres e para os combates. Mas não devemos esquecer o auxílio grandioso que nos prestaram os bois. O primeiro progresso de São Paulo passou por aqui, pelo Zanzalá, arrastado por parelhas de bovinos; os primeiros engenhos, caldeiras de vapor, dínamos elétricos e outras máquinas subiram a serra em pesados e lentos carros-de-bois, daqueles que ainda se encontram nos museus. Foi só quando a eletricidade, o vapor e o motor de explosão se adaptaram às necessidades do transporte que o animal desapareceu. Imaginem vocês que por aquele tempo já havia cidades, como Londres, com seis milhões de habitantes. Seria curioso saber como viviam e eram tratados os incontáveis cavalos utilizados nos transportes urbanos, públicos ou particulares correspondentes às necessidades dessa formidável população. Felizmente, a máquina substituiu a tração animada. Os carros elétricos libertaram milhões de burros; os automóveis, caminhões e aeroplanos libertaram os restantes. E, com o correr dos anos, os eqüinos foram desaparecendo, a ponto de os governos terem de recolher exemplares nos museus para que a humanidade não perdesse de vista os seus velhos amigos. Com as ovelhas, deu-se quase a mesma coisa. Nossos avós utilizavam a lã dos carneiros para tecer as suas pesadas vestes; utilizavam a sua pele para numerosos artefatos e até mesmo a carne...

-A carne?

- Sim, a carne para alimentação. Nossos antepassados, na sua maioria, alimentavam-se de cadáveres de animais...

- Os índios?

- Os índios e os civilizados.

Aquele cavalinho chamado Guaicuru era o encanto da molecada do Zanzalá. Na mangedoura, havia sempre milho, mas os seus amiguinhos não deixavam de levar-lhe braçadas de capim cortado na beira dos córregos. O Guaicuru, por seu lado, tinha um fraco pelas crianças e pela erva fresca que elas lhe levavam. Era um animal muito inteligente. Contavam-se anedotas a seu respeito. Uma canção popular, daquelas que nasciam, floresciam e morriam pelas ruas, espontâneas como o lírio do brejo, cantava a doçura melancólica do bicho aposentado.

Imagine-se, pois, o barulho que fez em todo o distrito esta novidade que, certa manhã, andou de boca em boca:

- Raptaram o Guaicuru!

- Foi um sucesso. Grupos de meninos correram logo para o Jardim Zoológico e ficaram pasmados diante do que viram. As cercas de arame haviam sido cortadas com alicate e o animal retirado da cocheira de sapé, onde habitualmente passava horas com o focinho mergulhado na mangedoura, mastigando o penso. Seu rasto podia ser seguido até a avenida Jabaquara, depois desaparecia no asfalto negro e luzente. Aonde teriam levado o pobre bicho e para quê? Quando a notícia chegou à Escola Municipal, foi um corre-corre, um diz-que-diz-que... Naquele dia, todas as tarefas ficaram em meio, por mais que os professores se esforçassem em manter a criançada em ordem.

À tarde, as ruas e praças de Zanzalá regurgitavam.

Não se falava de outra coisa.

Uma mulher subiu numa pedra e gritou:

- Foram os caborés!

Os circunstantes acharam que a mulher tinha razão. E desde aquele momento, quando se falava no Guaicuru, havia sempre alguém que ficava indignado e repetia a terrível frase: - Foram os caborés!

Caboré quer dizer homem do mato. Mas, no Zanzalá, ali pelo ano de 2029, quando se falava em caboré, toda gente emprestava a essa palavra um significado particular. Aqui há lugar para uma explicação. No século anterior, antes de ser suspensa a migração de europeus, tinha-se registrado um fenômeno interessante. Alguns desses povos, nascidos e educados num ambiente de inquietações políticas e guerras, orientados por uma filosofia desumana, se haviam tornado inadaptáveis à vida de trabalho e de concórdia que é tão própria da América. Onde eles estavam surgia logo uma questão, muitas vezes um conflito.

A Europa - embora hoje não pareça - já foi um continente civilizado. As ruínas que ainda lá podem ser vistas dão idéia do seu antigo esplendor. Como se sabe, a rápida decadência começou em 1914 e acentou-se com as guerras que se sucederam. Em 1950, era um montão de ruínas fumegantes. Daí para cá, ficou sendo uma espécie de museu em ponto grande, onde os estudantes de outros continentes vão veranear todos os anos e consultar os arquivos. Hoje, a Europa vive das glórias do passado. Nas conversas, os europeus falam com voz tremida de descobridores, de poetas e de filósofos. Mas tudo isso passou, está perdido na distância. Só resta um povo envenenado, inadaptável, que a América e a África recebem com justificada reserva...

Essa gente era encontrada em grande número no litoral, mas a sua atitude tornou-a há muitos anos mal vista nos centros populosos. Por isso, ela isolava-se em povoações perdidas nas dobras da Serra do Mar. Homem civilizado não tinha comércio com europeu. No entanto - e isso era muito da sua conduta - alguns caborés arriscavam-se em freqüentes incursões nos distritos mais próximos, fazendo valer armas que ainda eram a sua preocupação, apesar de a humanidade ter evoluído muito no cumprimento do Sermão da Montanha.

O núcleo de caborés mais próximo do Zanzalá chama-se Assunguí e fica entre Piassagüera e o braço do mar, num recanto inutilmente defendido por poderosas máquinas de matar gente. A aldeia está situada à margem de um desses riachos de água vermelha que cortam as praias e se lançam no mar. Daí, talvez, o seu nome, que significa rio do sangue

No Assunguí, vive uma tribo de homens que, depois de alcançarem a civilização, regrediram à barbárie. Moram em sobrados de pedra ou cimento armado, numas gavetas a que se chamam de apartamentos. Governam-se por uma rígida hierarquia, cheia de complicações e mesuras. Exercitam-se no tiro-ao-alvo e dedicam-se ao jogo de paciência de amealhar rodelinhas de ouro, como os seus ancestrais. São, portanto, anticristãos. O motivo do seu afastamento da vida comum é o apego que têm pelas formas arcaicas, a intolerância, o desejo sempre presente de dar à vida americana formas antiquadas, numa clamorosa incompreensão das belezas da simplicidade.

Freqüentemente, os caborés apresentam-se em grupos de três ou quatro no vale do Zanzalá. Quando aparecem mais numerosos, os homens são prevenidos, deixam o trabalho e vão obrigá-los a se dispersarem pelo distrito. Sua presença é sempre recebida com certo receio. É que alardeiam idéias e vícios que a América já deixou muito para trás, no seu progresso. São altos, escarlates, e usam na cabeça umas cápsulas de feltro a que chamam de chapéu, e que muito divertem as crianças. Os cabelos são compridos e a longa barba ruiva chega à altura do umbigo. Usam também roupas grossas e coloridas, de difícil higiene. Quase todos calçam uns canudos de couro para proteger-lhes as pernas, sobre sapatos igualmente de couro. Fumam cachimbo, desmandam-se em bebidas feitas com cereais apodrecidos e muitos deles são carnívoros. Há até no seu meio, segundo se afirma em voz baixa, os antropófagos. Mas, isso deve ser lenda. Em todo caso, aí fica a versão...

Não fazem camaradagem com os habitantes do Zanzalá. Chegam, passeiam, escarnecem das mulheres e crianças que encontram no caminho e, em caindo a tarde, quando os homens voltam do trabalho, tomam cautamente a estrada do Assunguí. São assim os caborés.

Levantada a suspeita de que o Guaicuru fora raptado pelos caborés, alguns homens lembraram-se de que, na véspera, um grupo deles andara pelo vale e ninguém os vira tomar a estrada do reduto. Havia, pois, motivos para atribuir-lhes o fato que alarmava a população do distrito. Discutiu-se muito a tal respeito. E, depois de ouvidos os habitantes de Piassagüera, que não tinham visto os caborés regressarem ao Assunguí, ficou estabelecido com segurança que eles, depois de haverem arrombado o jardim e raptado o cavalo, ter-se-iam escondido em alguma dobra da serra, com sinistros intuitos. Tal convicção generalizou-se. Então, grupos de rapazes e moças tomaram a si a incumbência de procurar os bárbaros e - se ainda fosse tempo - retirar-lhes das garras o pobrezinho do Guaicuru. O rádio botou a boca no mundo. Um apelo insistente convidava a população de todos os recantos a denunciar a passagem dos raptores e de sua presa. Até ao anoitecer, os alto-falantes atroaram os costões azulados da serra. Nada de novo, porém.

Tuca e Zéfiro corriam de um lado para outro, verdadeiramente interessados na sorte do animal. Só conseguiram jantar muito tarde e, assim mesmo, a moça permaneceu abstrata durante a refeição. De quando em quando, sem conformar-se, exclamava:

- Estou com pena do Guaicuru!

Veio a noite. Pelas ruas e praças, ajuntou-se muita gente. De quando em quando, uma voz elevava-se e malsinava os caborés. Sentia-se em toda a população um agudo nervosismo.

Lá pela terceira hora da noite, um moleque qualquer, brincando na avenida que contorna o lago, apontou de repente as bandas do Monge e mostrou aos cirunstantes um fio de fumo que subia da parte negra da serra e se perdia no ar parado da noite de luar, clara como o dia. Todos tiveram a mesma idéia:

- Lá estão os caborés!

A descoberta circulou rapidamente pela povoação e, dentro de pouco, uma gente alegre dirigiu-se para as bandas de cima, em busca do lugar assinalado pelo fio de fumaça. A avenida Jabaquara encheu-se logo de homens, mulheres e crianças e todos se puseram a correr com o mesmo destino. Queriam saber o que os caborés estavam fazendo do cavalo. Mas o sítio em que eles se encontravam, se de fato eram eles, devia ser muito distante. Já no fim da avenida Jabaquara, escalaram as escarpas e tomaram por estradas, depois por caminhos, por trilhos, por picadas E chegaram ao mato. Talvez o último reduto de floresta da serra de Paranapiacaba. O luar prateava as copas, mas não descia até ao chão. Por isso, aquela gente, ansiosa e disposta a ir até ao fim, aceitou como guias os que naturalmente já haviam passado por ali mais de uma vez. Entre esses homens estava Zéfiro. Seguia na frente, abrindo caminho com os braços; atrás dele, enroscando-se nos cipós, tropeçando nas pedras soltas, escorregando no limo dos desfiladeiros, caminhavam homens e mulheres. Ouviam-se gritos, pragas e, de quando em quando, cristalinas risadas.

Entraram num caminho velho entre barrancos altos.

Zéfiro parou e sisse:

- Estamos na estrada das Caveiras.

Uma mulher das que o acompanhavam exaltou-se.

- Por que tem ela esse nome?

Destacou-se da treva um homem grave que conhecia a história da região e falou:

- Eu sei porque. Vou contar-lhe. Ali por mil oitocentos e trinta e tantos existia lá longe, no chamado Cubatão-de-Cima, um engenho de cana pertencente a dona Josefa Ferreira Bueno que ali vivia, em companhia de duas filhas moças e alguns escravos. Essa senhora de engenho parece que não poupava os seus pretos. E tanto fez que, uma tarde, eles se revoltaram. Cheios de cólera, abandonaram a senzala e entraram de roldão pela casa grande, prenderam dona Josefa e começaram a torturá-la. Uma das filhas, meio enlouquecida, tomou o caminho de São Vicente, distante algumas léguas, e saiu a correr em busca de auxílio. A outra trepou no fogão e com grande esforço conseguiu esconder-se entre os jacás de toucinho atravessados no fumeiro, onde ficou muito tempo, escapando da cólera dos negros. Quem mais sofreu foi a fazendeira.

- "Prá qui é que sinhá tem este tronco?"

Ela não respondeu; eles amarraram-na no tronco.

- "Prá qui é que sinhá tem este bacaiau?"

Ela continuou muda; eles vergastaram-na.

Isso durou parte do dia e a noite inteira. Pela madrugada, a filha voltou de Sâo Vicente acompanhada de soldados e capitães-de-mato. Deram o cerco à fazenda, prenderam os escravos e levaram-nos para a cidade. No entanto, durante a viagem, muitos deles foram degolados. As cabeças foram espetadas em estacas e estas fincadas ao longo do caminho, onde ficaram por muito tempo. Daí, o nome de estrada das Caveiras...

Quando o homem terminou, lançou a vista em redor e viu que estava só; a mulher que o interrogara caminhava adiante, seguindo as pegadas de Zéfiro.

Estavam agora num encontro de morros, coberto de mato, onde se ouvia o ruído alegre de uma cachoeira branca. Mas, a floresta apresentava-se escura e eles não quiseram aventurar-se mais longe sem estudar melhor o terreno. Corria, como foi dito, muita lenda a respeito daqueles europeus. Eles eram capazes de recebê-los com o fogo sinistro de suas máquinas de morte. Foram então determinadas algumas providências. Nada de gritos. O menor ruído possível. 

Então, Zéfiro e os mais afoitos tomaram a incumbência de caminhar à frente, passo a passo, por entre as árvores unidas, seguidos pela multidão. Assim se fez. Os pioneiros paravam a cada instante, comunicando as suas impressões aos que os seguiam. Em certo ponto, Zéfiro parou com os braços abertos a fim de impedir a marcha dos demais. Esse gesto só poderia ocorrer a um bailarino. Todos pararam. Então ele, afastando com as mãos um galho de aleluia, mostrou qualquer coisa à distância...

A mata terminava bruscamente, seguindo-se pequeno vale de ervas rasteiras com o seu regato, as suas árvores esparsas. No centro dessa larga clareira, intensamente banhada pelo luar, ardia um fogo alegre. Via-se o quadro com todos os pormenores. À beira do fogo estavam sentados dois caborés. Muito próximo, junto a um jacatirão, via-se o cavalo. Dois outros caborés agitavam-se diante dele. Zéfiro estendeu o braço mostrando aquela cena e certamente ia dizer muita coisa, mas só pôde articular estas palavras:

- Chegamos tarde demais!

E era verdade. Um dos caborés que estavam diante do cavalo meteu-lhe uma faca comprida no sangradouro. O animal nem se agitou. Ficou ali parado como bêbado, a inclinar-se para a direita e para a esquerda; depois, abriu as pernas, como se lhe faltasse o equilíbrio. O sangue jorrava. Vendo aquilo, o outro caboré, que devia estar muito embriagado, aproximou-se da fonte improvisada e, fazendo concha das mãos, começou a beber avidamente o sangue. Nessa operação lambuzou a cara. O matador, ainda com a faca na mão, começou a rir. Ele, como satisfeito, pos-se a dar grandes cambalhotas na relva, de modo que a comprida barba quase tocava nas compridas botas. Nesse ponto, os dois outros caborés que se mantinham mais afastados aproximaram-se. Um deles, vendo o cavalo cair morto, atirou-se sobre o animal e colou a boca peluda na chaga do sangradouro. Os demais torceram-se de tanto rir.

Foi nesse ponto que prorromperam gritos e assobios na mata, pondo os caborés em fuga. As suas botas escorregavam no limo dos barrancos. E como estivessem mais ou menos cercados, a fuga se lhes tornou difícil; dentro de pouco, eram presos pela gola e arrastados pelo meio do mato. Ainda assim, fizeram uso das armas explosivas, mas os tiros perderam-se na noite como estalidos de galhos que se partem. Isso, porém, não amedrontou ninguém e a massa humana levou-os consigo, entre gritos e apupos.

Com as mãos amarradas nas costas, seguiram para o distrito.

Já muito tarde, aquela gente desembocou na avenida Jabaquara. A notícia da morte do cavalo e da prisão dos caborés havia-se espalhado. Apesar de muito tarde, via-se a população ainda acordada.

As casas estavam abertas e claras. Nas portas, as famílias saudavam com gritos e risadas os excursionistas noturnos. Os caborés iam à frente, fazendo barulho com as botas, as barbas ruivas emaranhadas, enroscadas de folhas e gravetos. Alguns haviam perdido na fuga as cápsulas de feltro a que chamavam de chapéu.

Ninguém perguntou pela sorte que esperava aqueles seres atrasados. Mas, como se o povo tivesse tomado previamente uma resolução os que os haviam prendido prosseguiram no caminho até alcançarem as imediações de Piassagüera, de onde se ia para o Assunguí. Aí chegando, desamarraram as mãos dos presos. Estes ficaram silenciosos, à espera do castigo que esperavam receber. Mas o povo de Zanzalá não tinha (era uma tradição) a idéia de castigar ninguém. Depois de soltá-los, mandou-os para o seu núcleo perdido nas dobras da serra, convidando-os a não voltarem mais ao vale, sob pena de serem novamente expulsos. Os caborés não esperaram por mais e puseram-se a correr pelo caminho do Assunguí, quanto lhes permitiam as suas compridas e ridículas botas.

Mas aconteceu que era um sábado, véspera do segundo dia de descanso da semana. Por isso, voltando de tão acidentada excursão, os habitantes do vale reuniram-se na avenida que contornava o lago, a fim de melhor discutirem a aventura. Dentro de pouco, não se sabe como, apareceu uma orquestra e quando o relógio do distrito bateu as três badaladas da meia-noite, já se dançava animadamente. As danças prolongaram-se pela noite, até que a luz mortiça da pirâmide se apagou no azul pálido do céu.