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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
1975: Bebê-diabo assusta a cidade


Acredite, como acreditaram na época: uma criança diabólica vagava pelas ruas cubatenses, fazendo todo tipo de estripulias. Tanto que virou destaque nas páginas do semanário local Jornal A Imprensa (ortografia atualizada nas transcrições - exemplares no acervo do Arquivo Público Municipal de Cubatão), como ocorreu na edição 81/Ano II, publicada em 8 de junho de 1975:

Imagem: reprodução parcial da primeira página do jornal de 8/6/1975

 

Bebê-diabo bate carteira de operário em Cubatão

O Bebê-diabo, depois de aterrorizar a população do Grande São Paulo, segundo manchetes de jornais, teria aparecido em Cubatão e "batido a carteira" de um operário que mora em alojamentos da Imigrantes. O operário José Celidônio Silva já teria comparecido à Polícia, onde prestou queixa contra o furto de dinheiro de sua carteira, em dias seguidos. O operário afirma que ficou dentro do barraco, à espera dos que ele imagina serem ladrões ou os próprios companheiros de quarto.

Mas qual não foi sua surpresa e espanto ao constatar que quem lhe roubava o dinheiro era o próprio Bebê-diabo. Na página 5, o relato completo sobre a suposta aparição do nenê-monstro em nossa cidade. Para alguns, tudo não passa da imaginação criadora do operário.

Imagem: reprodução parcial da página 5 do jornal de 8/6/1975

Bebê-diabo em Cubatão bate carteira de José

"Foi o Bebê-diabo, doutor. Foi o Bebê-diabo quem bateu a minha carteira".

O ar assustado de José Celidônio Silva, servente de pedreiro na Rodovia dos Imigrantes, deixou não só preocupada a autoridade, como todos os que se encontravam na delegacia.

José tremia sem parar e seus olhos, espantados, davam bem a impressão de que ele tomara contato com algum ente sobrenatural. Em vão as pessoas que se encontravam na sala procuravam acalmá-lo, afirmando que ele estava impressionado pelas recentes notícias em jornais a respeito do fenômeno que estaria ocorrendo no Grande São Paulo.

"Eu juro que foi o Bebê-diabo quem furtou a minha carteira. Ninguém vai me convencer do contrário pois passei alguns dias para comprovar isto e agora tenho certeza. Alguns amigos meus que moram na Cota 200 também podem me apoiar. É só o senhor chamá-los aqui".

A história - Minutos depois, mais calmo, mas lançando olhares desconfiados à porta, como se esperasse a qualquer momento a aparição de alguma alma do outro mundo, o servente iniciou a sua história:

"Eu moro no alojamento de uma firma que faz serviços gerais na Imigrantes. O barraco que eu ocupo é um dos mais afastados, e é ocupado por mim e mais dois colegas, o Adauto e o Nereu. Eles sempre saem à noite, voltando muito tarde, e eu, como costumo ficar sozinho, tranco a porta e a janela do barraco, para evitar perigos.

"No começo da semana passada, eu sofri um acidente no serviço e fiquei no seguro. Certa manhã, acordei (o Adauto e o Nereu já tinham ido trabalhar) e como precisava vir até o INPS, comecei a me arrumar. Quando peguei minha carteira e fui separar o dinheiro da passagem de ônibus, notei que ela estava vazia. Imediatamente, vasculhei os bolsos da calça, mas não encontrei os 123 cruzeiros que eu tinha.

"A minha primeira reação foi achar que tinha perdido tudo. Me conformei. Dois dias depois, novamente fui surpreendido com a falta de 20 cruzeiros na carteira. Aí comecei a ficar desconfiado dos meus dois companheiros de quarto! Eu os conhecia há alguns meses, mas não pra achar que eles não seriam capazes de fazer uma coisa destas.

"Então, pensei: 'Como eles saem quando ainda estou dormindo, é bem provável que se aproveitem disso pra esvaziar minha carteira'. Resolvi, então, vigiar.

"Durante dois dias, eu acordava mais cedo, e ficava deitado fingindo estar dormindo. O Nereu e o Adauto acordavam e iam para o trabalho, sem mexer nas minhas coisas. No entanto, doutor, nos dois dias sumiram 26 cruzeiros da carteira!"

À noite - "Achando que era à noite que os dois agiam, resolvi observar melhor. Sábado passado, quando Nereu e Adauto saíram para uma farra, eu me escondi dentro do guarda-roupa. Quem sabe eles me roubavam quando chegavam às altas horas da noite?

"Quando deu 11 e meia da noite, ouvi um barulho. Imediatamente comecei a olhar pelo buraco da fechadura do guarda-roupa. Apesar da porta do barraco ter sido aberta, eu notei um vulto se movimentando, aproximou-se de minhas coisas e começou a vasculhar. Eu não pensei em agarrá-lo, pois podia haver outra pessoa com ele e eu, machucado como estou, não iria agüentar uma briga.

"O vulto agarrou a minha calça, enfiou a mão num bolso, tirou a carteira e pegou o dinheiro. Quando ia saindo, um raio de lua o iluminou e eu notei que o sujeito era pequeno. 'Deve ser um moleque sem vergonha'. Imediatamente, abri a porta do guarda-roupa, e me precipitei sobre ele!!".

Aparição - Neste momento da história, João calou. Fitou a sua muda assistência, o olhar assustado, percorrendo todos os cantos da sala, pigarreou, e continuou:

"Doutor, foi o ato mais infeliz da minha vida... Quando eu me aproximei, o vulto virou-se para mim e o raio de lua me mostrou como ele era. Seus olhos brilhavam como holofotes, e me fitavam como se quisessem me hipnotizar! A boca aberta mostrava dois enormes dentes caninos e, no canto dos lábios, corria um líquido verde, gosmento. Tinha o tamanho de uma criança normal de 4 ou 5 anos. O corpo era todo peludo e não possuía uma das mãos.

"Fiquei aterrorizado! Imediatamente, o vulto abriu a porta e sumiu no pé da serra. Descontrolado, acabei desmaiando. No outro dia, bem cedo, meus dois colegas me encontraram. Quando eu lhes contei a história, pensaram que eu tinha bebido. Mas depois, ao verem duas marcas de pés de criança no assoalho, marcadas como se ele tivesse sido queimado, começaram a ficar em dúvida. Como iam trabalhar, mandaram que eu viesse aqui contar toda a história. Eu quero ficar cego agora, se inventei tudo isso".

Dizendo assim, João saiu, deixando a dúvida entre todos os que se encontravam no recinto.

Na edição seguinte, de 15 de junho de 1975, o mesmo Jornal A Imprensa voltava ao assunto:


"BEBÊ-DIABO ARRANCA OPINIÕES - A história que o operário José Celidônio Silva teria contado em uma delegacia de que o bebê-diabo lhe teria batido a carteira, está causando polêmica em Cubatão. Muitos acreditam que o operário deveria no momento do furto estar completamente bêbado e que o álcool fez com que ele visse a imagem do bebê-diabo. Outros poucos acreditam na história do Celidônio. Na página 3, damos a opinião daqueles que não acreditam. Inclusive acusam este jornal por ter dado a notícia na edição anterior. Como não distorcemos os fatos, mostramos na íntegra tudo o que eles pensam sobre o diabo"

Imagem: reprodução da nota na primeira página do jornal de 15/6/1975

 

Cidade reage contra o Bebê-Diabo

"Só mesmo um jornalzinho pode publicar assunto como o do bebê-diabo", disse o padre Baltazar Vicente Benito da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Lapa - Cubatão, ao ser perguntado sobre o assunto. Disse ainda que essa história não passa de fruto da imaginação de determinadas pessoas, e segundo suas palavras: "o Diabo existe, mas não encarna nas pessoas como dizem, isso de pessoas serem tomadas pelo demônio são interpretações distorcidas de algum distúrbio proveniente de problemas psicológicos, fora disso não há outras explicações, sendo que essas notícias, que surgem em jornais, não passam de manchetes para aumentar a venda e chamar atenção".

Já que afirmou que o Diabo não encarna nas pessoas, então porque da prática do exorcismo por padres? Padre Baltazar diz que "As ciências ocultas sempre existiram, e quanto à prática do exorcismo é muito rara, necessitando para isso uma série de provas e autorizações. São realmente muitíssimo raras". continua a dúvida: se o diabo não encarna nas pessoas, então porque o exorcismo?

Para o pastor Benedito Bruneli, da Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Cubatão, a existência do diabo é ponto pacífico. "E tanto é verdade, que Jesus se sacrificou para nos salvar das garras demoníacas. E tão real quanto a existência do Sol e da Lua, pois para sabermos que o sol é realmente necessário, precisamos conhecer a lua, e vice-versa, mas esse caso do bebê-diabo que dizem andar apavorando a grande São Paulo não passa de manchete sensacionalista. Acredito mesmo que o diabo possa se apoderar de uma pessoa de idéia fraca, pois essas pessoas são verdadeiras portas abertas aos espíritos das trevas. Somente assim se explica a encarnação do demônio, pois como relatou o apóstolo Paulo, a luta dos crentes em Deus é contra as potestades, contra os príncipes das trevas, contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais".

Interpelada sobre o provável nascimento desse bebê-diabo, dona Sebastiana, do Centro Espírita Santa Bárbara, disse que: "Acredito que tenha nascido uma criança desse jeito sim, pois nesse mundo tudo pode acontecer, o que nos parecia fora do comum há alguns anos, hoje já é encarado normalmente. O Satanás existe, e ele pode fazer muita coisa para provar sua existência, até mesmo dar a entender aos homens da sua inexistência, e ele pode encarnar nas pessoas, nas de espírito fraco, porque naquelas que acreditam realmente em Deus e têm fé, jamais o Satanás chegará perto, pois a força dele não é tão forte quanto a de Deus, mas com relação a esse homem aqui de Cubatão que foi assaltado pelo bebê-diabo, eu não acredito, assim como também não acredito em outras histórias sobre o que essa criança-monstro anda fazendo, tudo isso deve ser uma grande perturbação, ou uma brincadeira de muito mau gosto".

Já o soldado Souza diz que não acredita em hipótese alguma sobre essa criança. Segundo ele: "O que deve ter acontecido foi ter nascido uma criança anormal, mas com aspecto de diabo nunca. Eu não acredito no diabo, muitos acreditam, todo o boato em um fundo de verdade, mas chegar a ser assaltado pelo diabo: Para que ele iria querer dinheiro:"

O pastor José Marques, da Igreja Batista da Vila Nova, diz que há muito mais provas da existência do diabo, provas essas mais concretas, pois presenciamos diariamente as manifestações do demônio, através desse desamor que abala atualmente a humanidade, esses crimes que se cometem, esse desespero em viver tudo de uma só vez, portanto essas manifestações são mais evidentes da existência do mesmo, do que esse bebê-diabo que andam dizendo que nasceu, e isso pode ir longe, pois as coisas ruins se propagam facilmente".

Para dona Nazir, da Vila Parisi, o diabo existe, o bebê não, disse que se um dia vir em sua frente algo parecido com o demônio, morreria só de susto. "Imagine ver um bebê - assim, é claro que o diabo pode tomar conta de uma pessoa".

O Chicão, com mais de 50 anos vividos em Cubatão e com mais de 70 anos de idade, diz não acreditar em nada disso, pois "ainda não se encontrou com o diabo, 'só acredito nessa de bebê-diabo se eu puder ver com os meus próprios olhos, e puder segurar o bicho pelos chifres, caso contrário..., digo isso porque desde antes de Cristo já existiam os espertalhões em matéria de propaganda e que faziam a vida através da credulidade dos outros. Quanto ao que dizem nos jornais, como posso acreditar, está só escrito no papel, isso não prova nada".

"Eu sei que o diabo existe, tem até poderes dados por Deus, mas essa coisinha que dizem que nasceu com chifre, nunca. O que pode ter acontecido foi uma anedota bem inteligente, afinal a Medicina está tão adiantada, não é mesmo?".

Imagem: reprodução parcial da página 3 do jornal de 15/6/1975

O misterioso personagem reapareceria na edição de 27 de julho de 1975 desse jornal, na página 3, coluna Chave de Cadeia:

Imagem: reprodução parcial da página 3 do jornal de 27 de julho de 1975

 

CHAVE DE CADEIA

Outra vez???

De uma maneira ou de outra ele aparece. Seja num papo, seja numa queixa, seja numa notícia, ele está sempre causando suas dúvidas. Estamos falando do Bebê-diabo, aquele sujeitinho que, com apenas 3 anos de idade, já tem 2 chifres e um rabinho com ponta de flecha.

Não é que o Bazar, barbeiro do salão Primavera, é capaz de jurar que cortou o cabelo do danadinho a semana passada? "Pergunta aí pro Paraíba se não é verdade!" (Paraíba é um outro barbeiro).

Segundo o Bazar, o sujeitinho apareceu, sentou na cadeira e não falou nada. Como tem uma senhora que sempre leva o filhinho dela no salão, senta o garoto na cadeira e deixa lá para que sejam cortados seus cabelos, a coisa pareceu normal e o Bazar nem pestanejou, quando viu o sujeitinho.

Pegou a máquina elétrica e começou a largar uma brasa. Ele estranhou que o cabelo do fi' da mãe era duro que nem piaçaba, mas não ligou. Passada meia hora, depois que a máquina engripou três vezes e teve quaro lâminas quebradas, o Bazar acabou.

O sujeitinho levantou e foi embora. Enquanto o Bazar estava comentando com o seu Paulo, dono da barbearia, a dureza do cabelo do freguês, apareceu a mulher e disse: "Amanhã eu trago meu filho prá cortar o cabelo". Aí o Bazar perguntou: "Ué! e não era ele que tava aqui ainda agorinha?" A mulher respondeu: "De jeito nenhum! Eu não tive tempo de trazer ele aqui".

Aí o Bazar tremeu da cabeça aos pés. Para acalmá-lo, deram-lhe três copos de Toddy.

Imagem: reprodução parcial da página 3 do jornal de 27 de julho de 1975

E o diabólico bebê ainda aprontaria mais uma em Cubatão, antes de sumir dos noticiários. O fato foi registrado na página 3 da edição de 16 de novembro de 1975 do mesmo Jornal A Imprensa:

Imagem: reprodução parcial da página 3 do jornal de 16 de novembro de 1975

 

CHAVE DE CADEIA

Apenas pra registrar

Aqueles que tinham medo do Bebê-diabo, agora vão ter motivo pra tremer mais ainda. Está aparecendo em São Paulo o "Bebê-atômico" e, logo, logo, a gente vai ouvir dizer que o Bazar, um barbeiro muito popular na cidade, cortou o cabelo da ferinha. Cuidado, heim, rapaz, senão ele acaba batendo sua carteira também.

A história original do bebê-diabo foi publicada no jornal sensacionalista paulistano Notícias Populares, do grupo Folha de São Paulo, que circulou de 15/10/1963 a 20/1/2001. O jornal usava como slogan a expressão "Nada mais que a verdade", mas era conhecido pelo público como "espreme que sai sangue". O desmentido da história do bebê-diabo foi dado pelo próprio autor em 2008, no site JB Wiki, ligado ao Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro (acessado em 17/3/2012):


Cotidiano

A verdadeira história do bebê-diabo

31325 acessos - 55 comentários
Publicado em 27/06/2008 pelo(a) Wiki Repórter DivãdoMasini, Franca - SP

Tempos atrás prometi que nunca mais tocaria nesse assunto. Mas, a bem da verdade e intimado pelo amigo Amalio Damas, vou relatar, com absoluta exclusividade, toda a história sobre o nascimento de um menino com chifres e rabo em São Bernardo do Campo, Região do ABC Paulista, que viraria um marco no jornalismo brasileiro.


O bebê-diabo, assim ficou conhecido, transformou-se em literatura de cordel, filmes, documentários e deu origem a inúmeras publicações fantasiosas que omitiram o nome dos verdadeiros jornalistas do jornal Notícias Populares (NP) que participaram dessa publicação. Por isso, com tantos "pais" para o bebê-diabo, resolvi não mais escrever sobre isso, promessa que quebro agora. Um dia, caso uma editora se interesse conto toda a verdade num livro, para desmascarar as publicações mentirosas que invadiram o País depois que o bebê-diabo se transformou em lenda.


Em 1975 eu trabalhava pela manhã como repórter policial no jornal Correio Metropolitano, em Santo André, no ABC, e à tarde no jornal Notícias Populares, pertencente ao Grupo Folha, como repórter especial. José Lázaro Borges Campos, falecido, amigo inesquecível, era o editor de polícia do NP. Ibrahim Ramadan, nessa época, o diretor de redação. Eu e o "Lazão", assim ele era conhecido, morávamos em Santo André e todos os dias seguíamos juntos para o NP, no 5° andar da Folha de S. Paulo, na Alameda Barão de Limeira. No mês de maio daquele ano corria forte um boato dando conta do nascimento de um bebê que tinha chifres e rabo, num hospital de São Bernardo, ABC, que aterrorizava enfermeiras, médicos, falava grosso e até soltava fogo pela boca.


Com o passar dos dias, o boato se alastrou de tal forma que em todos os cantos das sete cidades do ABC só se falava nessa estranha criatura. Não faltavam padres, médicos, psiquiatras, pessoas do povo e até dados científicos para comentar sobre um possível nascimento de uma criança-monstro nesse hospital de São Bernardo. Com tantos comentários, Lázaro Campos me incumbiu de apurar os fatos e escrever uma nota sobre esse boato para o NP de domingo. Falei com a direção do Hospital São Bernardo, enfermeiras (os) e médicos. O engraçado é que algumas enfermeiras mostravam nervosismo e chegavam até a rezar o Pai Nosso quando eu tocava nesse assunto. Na verdade, garantiram-me os médicos, um bebê nascera com um prolongamento no cóccix e duas pequenas saliências na testa, problemas resolvidos com uma simples cirurgia na própria maternidade.

Escrevi esse relato, sem nenhum sensacionalismo, no dia 10 de maio de 1975, um sábado e deixei o texto, de 30 linhas, sobre a mesa do Lázaro. O jornal estava para ser fechado e eu desci para esperá-lo na padaria da esquina. Fomos embora juntos, sem comentar nada sobre jornal. No domingo pela manhã percebi que a banca de revistas perto de casa estava repleta de pessoas comprando o NP. Curioso, me aproximei e consegui o último exemplar que trazia a seguinte manchete: Bebê-diabo nasce em SBC". Fui à página 5 e gelei. Minha assinatura estava abaixo da manchete forçada. Fiquei apavorado, temendo processo e a demissão do jornal por justa causa.
 
Quando Lázaro Campos passou em casa, me recusei a sair para trabalhar. Mas, com seu jeito "mineiro", me convenceu, afirmando que assumiria a culpa da manchete, caso a direção se manifestasse desfavoravelmente. Entrei cabisbaixo no prédio da Folha. Na verdade, estava apavorado. Fiquei mais ainda quando recebi o aviso para me dirigir, imediatamente, com o Lázaro, à sala de Octávio Frias de Oliveira, dono do Grupo Folha. Entramos assustados na sala de Frias, esperando um sermão, antes da demissão. Pelo contrário. O homem, que eu ainda não conhecia pessoalmente, estava sorrindo e nos estendeu a mão, cumprimentando pela manchete e informando que, pela primeira vez na história, o NP bateu todos os recordes de venda em bancas.


Custei a acreditar que tudo aquilo era verdade. Segurava a xícara com café, oferecida pelo Frias, com dificuldade, tremendo e ouvindo somente elogios. E a ordem era para darmos sequência no assunto. E assim foi feito. A notícia tornara-se uma bola de neve. A tiragem do periódico, que era de 80 mil exemplares, ultrapassara a marca dos 200 mil. O povo acreditou na história e o NP começou a inventar uma saga para o bebê-diabo. O caso permaneceu na primeira página do jornal por inacreditáveis 37 dias.


Nas manchetes que seguiram, o bebê-diabo infernizou pessoas, pulou em telhados, pediu sangue para beber, tocou campainhas, palitou os dentes com um facão e até parou um táxi à noite, deixando o motorista assustado ao falar que o destino da corrida seria o inferno. Amado por uns, odiado por outros e temido por milhares, o bebê-diabo aterrorizou moradores de São Paulo e do Brasil, mesmo sem ter existido.


Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista

Que feio: o bebê-diabo foi uma invencionice jornalística - Foto: Internet

A história da gênese do bebê-diabo também é relatada em meio a uma entrevista do editor-chefe do Notícias Populares, Ebrahim Ramadan, ao blogue Notícias Populares - Dezoito anos por trás das manchetes do NP, do jornalista Antonio Marcos Soldera (acesso em 17/3/2012)

Notícia no Folhão inspira a
saga do bebê-diabo no NP
 
Bebê-diabo saiu primeiro na Folha

A notícia sobre o bebê-diabo saiu primeiro na Folha de S.Paulo. Eles não publicaram nos moldes que nós publicamos, mas a matéria sobre o nascimento de uma criança diferente a gente leu na Folha, inclusive com uma charge de um cara vendendo pipoca ali na frente do hospital. E aí nós ligamos para o Hospital, para confirmar se era verdade. E o hospital ficou empurrando para os médicos, não podemos falar sobre isso e coisa e tal. Daí nós tocamos pra frente.  Mas foi a Folha quem deu a dica para a gente. Claro que eles não deram ‘bebê-diabo’, eles deram de uma forma diferente. Era um domingo (10 de maio de 1975), dia que quase não tem matéria boa para manchete. Ligamos para o hospital lá de São Bernardo, várias vezes, ninguém queria dar informação nenhuma, então fomos na esteira da Folha e publicamos a notícia. No dia seguinte estourou. Às 10 horas da manhã não tinha mais jornal. A partir do terceiro ou quarto dia começaram a aparecer pessoas no jornal que viram o bebê-diabo. Havia uma espécie de cumplicidade entre o leitor e o NP. Um cara disse que viu o bebê-diabo no telhado de uma casa. É claro que nenhum leitor dificilmente acreditaria nisso, mas era um negócio interessante, tinha gente que gostava de ler exatamente por causa dessa cumplicidade. Foram 25 dias de manchetes. Outro dia o meu filho estava no avião e leu numa dessas revistas de bordo uma matéria sobre o NP que trazia uma manchete do bebê-diabo que eu não me lembrava, que me fez dar risada: ‘Bebê-Diabo pega táxi na Rio Branco e manda o motorista seguir para o inferno’.

 
Previsão macabra do bebê na
enchente em Franco da Rocha
'Isso não é nada; o pior virá depois'

Em Franco da Rocha houve uma inundação violenta. Morreu gente até. E o pessoal de lá começou a mudar. Mas não foi por causa da enchente. É que começou a correr um boato, e nós publicamos como boato mesmo, que nasceu um bebê em Franco da Rocha e que teria ele dito a seguinte frase: ‘Isso não é nada; o pior virá depois’. Claro, nós publicamos como boato e muita gente estava mudando de Franco da Rocha. Isso rendeu uma semana de manchete. Aí a gente publicava que isso era um boato e que não tinha nada a ver com a enchente, que o serviço de meteorologia dizia que a chuva estava nas previsões.

Reprodução parcial da página do blogue

A história também foi contada por Fabio Andrighetto, na seção Livraria da Folha, em 11 de maio de 2011 (acesso em 17/3/2012):

11/05/2011 - 17h00

"Nasceu o diabo em São Paulo", noticiava o "NP" há 36 anos

FABIO ANDRIGHETTO
da Livraria da Folha

No dia 11 de maio de 1975, o extinto jornal "Notícias Populares" estampava em sua primeira página: "Nasceu o diabo em São Paulo". Com a manchete, nascia também a saga do Bebê-Diabo, "uma criança peluda que apavorou a cidade nos anos 70", como resumiu Zé do Caixão. Para os autores do livro "Nada Mais que a Verdade", "um romance de folhetim interativo".

O recém-nascido, no início da história, não tinha pelos. Ele os "desenvolveu". O menino cresceu nas conversas de bar e nos comentários da vizinhança. Tornou-se uma lenda do jornalismo.

Em um hospital do ABC paulista, no dia anterior, uma criança havia nascido com um prolongamento no cóccix e duas saliências na testa. A deformidade foi rapidamente corrigida graças a uma simples cirurgia na própria maternidade.

Marco Antônio Montadon, repórter enviado ao local, decidiu escrever, sem maiores pretensões, uma crônica de horror inspirada no evento. O jornalista imaginou que o nascimento era um assunto tão fraco que não valia a reportagem. Por falta de assunto melhor, o texto foi publicado.

"Durante um parto incrivelmente fantástico e cheio de mistérios, correria e pânico por parte de enfermeiros e médicos, uma senhora deu a luz num hospital de São Bernardo do Campo a uma estranha criatura, com aparência sobrenaturais, que tem todas as características do Diabo, em carne e osso. O bebêzinho, que já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, tem o corpo totalmente cheio de pelos, dois chifres na cabeça e um rabo de aproximadamente cinco centímetros, além de um olhar feroz, que causa medo e arrepios."

O caso foi esquecido pela redação do periódico. No dia seguinte, o jornal chegou às bancas e a criança infernal ganhou às ruas. A tiragem esgotou rapidamente, causando furor na população e nos jornaleiros. A multidão queria saber mais. "Bebê-Diabo desaparece", foi publicado no dia seguinte. O "monstrinho" continuou a aparecer por quase um mês.

Antes do diabinho, uma loira fantasma e o Vampiro de Osasco passaram pelas páginas do "NP". O sobrenatural era tema recorrente. Entretanto, nenhum dos precedente alcançou a fama como o Bebê-Diabo. Hoje adulto, ninguém sabe por onde anda o "filho do capeta". Abaixo, veja a primeira página --imagem cedida pelo Banco de Dados da Folha de S.Paulo-- e a cronologia das manchetes extraída de "Nada Mais que a Verdade".

Visite a estante dedicada ao jornalismo

Capa do dia 11 de maio de 1975, nascia o mito do Bebê-Diabo nas páginas do "Notícias Populares"

A SAGA DO BEBÊ-DIABO NAS MANCHETES

11/5 Nasceu o diabo em São Paulo

12/5 Bebê-Diabo desaparece

13/5 Feiticeiro irá ao ABC expulsar o Bebê-Diabo

14/5 Bebê-Diabo do ABC pesa 5 quilos

15/5 Bebê-Diabo inferniza o padre do ABC

16/5 Nós vimos o Bebê-Diabo

17/5 Povo vai ver o Bebê-Diabo

18/5 Procissão expulsará Bebê-Diabo

19/5 Viu Bebê-Diabo e ficou louca

20/5 Santo previu o Bebê-Diabo

21/5 Bebê-Diabo nos telhados das casas do ABC

22/5 Médico afirma: o Bebê-Diabo nasceu no ABC

23/5 Diabo explode mundo em 1981

24/5 Bebê-Diabo parou táxi na avenida

25/5 Fazendeiro é o pai do Bebê-Diabo

26/5 Bebê-Diabo viaja para ver o pai

27/5 Bebê-Diabo aparece no lugar do eclipse

28/5 Mais 7 viram o Bebê-Diabo

29/5 Bispo morre de medo

30/5 Bebê-Diabo arrasa com ritual umbandista

31/5 Fanáticos ameaçam Bebê-Diabo no ABC

1/6 Sequestrado Bebê-Diabo

2/6 Bebê-Diabo à morte

3/6 Bebê-Diabo foge para o Nordeste

4/6 Padre de Marília: "Eu acredito no Bebê-Diabo do ABC"

5/6 Zé do Caixão vai caçar Bebê-Diabo no Nordeste

8/6 Povo vê novo Bebê-Diabo do ABC

Manchete do jornal Notícias Populares em 21 de maio de 1975

Imagem: blogue Panis cum Ovum (acesso em 17/3/2012)

O blogue Futepoca - Futebol, Política e Cachaça incluiu outros detalhes, em notas publicadas em 1 de fevereiro de 2011 (acesso em 17/3/2012):

Terça-feira, Fevereiro 01, 2011

Bebê atômico mandava todo mundo tomar pinga

No meio jornalístico brasileiro, um dos fatos mais bizarros foi a inacreditável série de 27 manchetes que o extinto jornal paulista Notícias Populares deu entre maio e junho de 1975, sobre um suposto "bebê diabo" que teria nascido em São Bernardo do Campo (curiosamente, no mesmo ano em que Luís Inácio Lula da Silva assumia a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, na mesma cidade). Fruto da audácia do secretário de redação, José Luiz Proença, e do editor de polícia, Lázaro Campos Borges, em um plantão de sábado em que não havia uma pauta sequer para salvar a edição do dia seguinte, a inacreditável matéria "Nasceu o diabo em São Paulo", que iniciou a série e triplicou as vendas do jornal, surgiu a partir de uma notinha da Folha de S.Paulo sobre um bebê que havia nascido com prolongamento do cóccix e duas pequenas saliências na testa em um hospital do ABC paulista.

Segundo o livro "Nada mais que a verdade", de autoria de Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima, o repórter Waldemar de Paula, do NP, telefonou para alguns hospitais da região e, como não obteve informação, partiu para a imaginação e a cara de pau. No domingo, 11 de maio de 1975, a "reportagem" dizia que "o bebezinho (...) já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, tem o corpo totalmente cheio de pelos, dois chifres pontiagudos na cabeça e um rabo de aproximadamente cinco centímetros". Mais à frente, o texto explicava: "parece que tudo começou na Semana Santa, quando o marido da mulher, que é muito religioso, convidou-a para ir à igreja, ver a procissão. A mulher grávida bateu com as mãos na barriga e respondeu, indignada: - Não vou, enquanto este diabo aqui não nascer".

A lorota vendeu horrores e só restou ao jornal prosseguir com a farsa. Por quase um mês, publicou em manchete principal a saga do "bebê diabo", que mobilizou a população em São Paulo e em outros estados (minha sogra, que estava grávida na época, disse que no Rio de Janeiro também só se falava sobre isso). A série espetacular do NP teve capítulos esdrúxulos como "Bebê-diabo inferniza o padre do ABC", "Viu bebê-diabo e ficou louca", "Bebê-diabo nos telhados das casas do ABC", "Diabo explode o mundo em 1981", "Fazendeiro é pai do bebê-diabo", "Bebê-diabo foge para o Nordeste" e "Zé do Caixão vai caçar bebê-diabo no Nordeste", entre outros. Em 24 de maio, por exemplo, o jornal noticiava que "Bebê-diabo parou táxi na avenida" e, respondendo ao taxista qual seria o destino, teria dito: "Toca para o inferno".

Depois de tanto absurdo (e de milhões de exemplares vendidos), o NP resolveu encerrar o assunto quando o "bebê-diabo" havia se perdido nos sertões da Bahia e Pernambuco.

Guta, o "bebê atômico"

Porém, o departamento comercial pressionou e, pouco depois, o jornal apelaria novamente com a notícia de nascimento de um "bebê peixe" na floresta amazônica, com "pele escamosa e cauda de peixe nos membros inferiores". A segunda manchete foi: "Boto é pai do bebê-peixe", em que um médico explicava que a mãe tivera relações sexuais com um "cetáceo fluvial". Saturado pelo "bebê diabo", o público não deu bola e as edições encalharam. Aí, o NP decidiu esculhambar de vez. Em 11 de novembro de 1975, lia-se que "Bebê atômico nasceu em SP". A criança, chamada Guta, tinha o poder de controlar raios e relâmpagos, além de ficar invisível e transformar seu corpo em substância líquida e gasosa. Pior: ela morava no esgoto e passeava por bairros distantes porque, no Centro de São Paulo, as ondas de rádio e TV lhe faziam cócegas.

Segundo o jornal, o pai do bebê, um pedreiro, tivera contato com uma pistola de raios alimentada por urânio enriquecido, "a mesma fonte de energia dos submarinos nucleares". Assim, no dia 14 de novembro, a notícia era a de que a médica Vânia teria recebido uma visita de Guta, que saíra junto com o vapor do chuveiro e, sorridente, se materializara em sua frente (!). Em seguida, a garotinha nuclear parou em uma oficina para recarregar as energias com a bateria de um carro Galaxie azul. Mas a loucura chegou ao ápice quando a garota entrou em uma bar da Vila Prudente para beber todo o leite gelado do local (sua bebida preferida) e, ao mesmo tempo, ordenar: "Quando eu bebo, todo mundo bebe também. Aqui não vai ficar ninguém sem tomar pelo menos uma garrafa de pinga". O livro "Nada mais que a verdade" observa que, talvez, esse fosse o desejo inconsciente do repórter que escreveu essa pérola...

Sem o mesmo sucesso do "bebê diabo", a nova série acabou quando Guta levou um tiro de chumbinho do proprietário da lancha Tiririca, às margens da represa de Guarapiranga. [...]

Manchete do jornal Notícias Populares em 12 de maio de 1975

Imagem: blogue Futepoca - Futebol, política e cachaça (acesso em 17/3/2012)

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