Nino e Kiara deverão ter
convivência pacífica na ilhota
Foto: José Moraes, publicada com a matéria
Nino, o macaco fujão, dá a volta por
cima
Após ser agredido por antigos companheiros e de ficar de quarentena, ele ganhou
a companhia de uma fêmea
Manuel Alves Fernandes
Da Sucursal
Macacos e humanos se
parecem; ou vice-versa; cada vez mais. O macaco Nino, que aprontou estripulias dignas de filmes de ficção depois de fugir de uma ilhota do
lago do Sítio Cotia-Pará, ser capturado e ficar 40 dias de quarentena numa jaula, foi ontem, finalmente, solto, sob condições especialíssimas: de um
lado, recebeu a ovação de alunos de escolas de Cubatão. De outro, foi repudiado por seis outros macacos - ao que se supõe, inconformados com essas
condições privilegiadas de soltura.
Para quem possa imaginar que as linhas que se seguem são ficção produzida pela
imaginação jornalística, invoque-se o testemunho do secretário municipal de Meio-Ambiente, o respeitável coronel da reserva do Exército, José Perez
Bezzi, que, com alunos, professores, biólogos e veterinários, assistiu aos pungentes e indignados protestos da turma de cinco macacos-prego isolados
na ilhota vizinha àquela onde Nino foi solto, todos liderados pelo novo chefe da tropa, o macaco Negão, que assumiu o seu lugar depois
da fuga.
De físico mais avantajado que Nino, mas, certamente, não tão esperto, Negão
era o sub-chefe nessa ilhota, onde também vivia Nino, o líder do grupo, até junho.
Sem fêmeas - O parque fica na altura do KM 57 da
Via Anchieta, em frente ao Posto da Polícia Rodoviária, onde se destaca a imagem do Cristo Redentor.
As histórias que ali acontecem são motivos de piadas e brincadeiras de funcionários do
horto e tratadores dos animais. Os macacos-prego viviam, antes, em jaulas no Parque Anilinas e foram levados para o Cotia-Pará por recomendação do
Ibama, porque estariam estressados, há cerca de oito anos.
No meio do parque há um lago artificial, com duas ilhotas tomadas até então por sete
macacos e apenas duas macacas, sendo uma filhote, em outra.
A vida na ilhota de Nino tem detalhes confidenciais, murmurados por tratadores
do mini-zoológico do Parque Cotia-Pará, envolvendo um outro macaco-prego, com apelido impublicável em jornais sérios. Muito antes das estripulias de
Nino, esse macaco escapou a nado (literalmente) porque se revoltou com o fato de ter sido transformado em fêmea, tal como o médico Dráusio
Varela retrata em páginas do seu mais recente livro a respeito da vida na prisão do Carandiru (N.E.:
antigo presído da capital paulista, já demolido). O paisagista Miguel Rivau, um dos
funcionários municipais fundadores do parque, disfarça mas não tem como negar essa história do macaco que se cansou de ser macaca.
Ataques - O fato é que Nino reinava nessa mesma ilha, até observar que a
bandeja onde o tratador trazia a comida, de barco, boiava. Um dia, subiu na bandeja e escapou, embrenhando-se na vegetação.
Ele viveu solto na reserva da Mata Atlântica, próximo ao sítio, vários dias, vindo ao
parque apenas para comer. Roubou bananas, comeu as carnes das marmitas dos operários e escapou das tentativas de ser capturado, comendo as bordas de
bananas que tinham sonífero na parte central. O pior, provocado ou não, atacou oito crianças e adultos, provocando-lhes ferimentos com as suas
mordidas e tornando-se uma ameaça aos visitantes do local. Por isso, está respondendo a pelo menos dois inquéritos policiais no 3º Distrito
de Cubatão.
Finalmente, caiu na armadilha do biólogo Guilherme Sechiero ao tentar pegar duas
bananas presas a um pau dentro da gaiola. A partir desse momento, Nino entrou numa espécie de inferno astral.
Imagem: cartum de Bar, publicado com a
matéria
Bando liderado por Negão reage
Recapturado, Nino foi levado de volta à ilha onde liderava os macacos, e
encontrou um novo chefe, o Negão. E, em lugar de boas-vindas, recebeu uma surra dos antigos liderados, sob as ordens de Negão.
Preocupado, o biólogo Guilherme Sechiero retirou da ilha e o colocou de quarentena,
até que uma macaca com uma filhota, que mora na segunda ilhota, pudesse recebê-lo, longe do ambiente onde antes detinha o poder.
Nesse meio-tempo, ganhou a simpatia da população. O prefeito Nei Serra promoveu um
concurso escolar para dar nome à futura companheira de Nino. Venceu a sugestão de dois alunos (Maiara Nunes Freire, da EMEF Bernardo de
Lorena, e Orlando de Oliveira Moreira, da EMEI Estado de Santa Catarina).
A macaca agora é conhecida por Kiara (personagem filha do Rei Leão, de
Walt Disney). Ontem à tarde, José Perez Bezzi entregou os prêmios aos dois alunos, em solenidade realizada na frente da ilhota onde agora vivem
Kiara e Nino.
Porém, a lua-de-mel não está sendo das mais tranqüilas. Mal Guilherme abriu a gaiola
para Nino sair, os macacos da ilhota vizinha promoveram uma verdadeira arruaça, emitindo guinchos contínuos (o biólogo sabe qualificar essa
reação, mas acredita que ela seja uma forma de os macacos se comunicarem e, evidentemente, reclamarem).
Protestos - Os protestos foram liderados por Negão, que se postou na
ponta da ilhota, em pé, gesticulando, enquanto Nino trepava na árvore da ilhota, indiferente à ruidosa manifestação dos antigos liderados que
hoje o desprezam. O coro repetiu-se diversas vezes. Razões para os protestos não faltam, a ponto do secretário, jocosamente, temer algum
abaixo-assinado dos macacos, protestando contra a dolce vita do antigo líder.
Afinal, Nino, o macaco fujão, foi premiado: dispõe agora das duas únicas fêmeas
do minizoológico. Na outra ilhota, continuam vivendo apenas macacos, já que aquele outro da história, que ganhou até um apelido nobre remetendo a um
antigo conde brasileiro, teve que ser levado para outro zoológico, na Capital.
Preocupado com os dois inquéritos na delegacia, sob a acusação de negligência na
guarda do animal, o secretário de Meio-Ambiente, Perez Bezzi, tem atestado dado pela Associação de Zoológicos do Estado de São Paulo garantindo que
Nino estava sendo tratado e guardado dentro de todas as regras recomendadas.
Afeiçoados aos animais, o biólogo Guilherme Secchiero e a veterinária Sueli Passos
Brandão acreditam que Nino e Kiara conviverão pacificamente e deverão começar a namorar em breve. Suplantada essa fase, a
filhota de Kiara também será incorporada à família. Guilherme acha compreensíveis os protestos de Negão e dos outros cinco macacos.
Afinal, Nino merecia castigo.
"Quem não chora, não mama", observa Sueli. Guilherme filosofa com o final das
estripulias de Nino: "A moral da história é que, quem apronta, ganha prêmio". |