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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
As travessuras do fujão Nino


Aconteceu, realmente, em Cubatão, esta história do arco-da-velha, com um macaco fugindo de uma ilhota num bote improvisado. Uma das primeiras notícias foi dada pelo jornal O Estado de São Paulo, em 3 de julho de 1999:

A ilhota dos macacos, no lago artificial, na época dos acontecimentos

Foto: Arquivo/Departamento de Imprensa/Prefeitura de Cubatão

 

Captura de macaco intriga tratadores

Nino usou bandeja como prancha para escapar de ilha, desarmou armadilha e rejeitou banana com droga

José Rodrigues

CUBATÃO - Os visitantes do Parque Ecológico do Sítio Cotia-Pará podem ser surpreendidos a qualquer momento por Nino, um macaco-prego fugitivo, considerado muito esperto. Quando provocado, pode atacar e já fez isso com dez pessoas, mas o que chama mais atenção é sua inteligência.

Para fugir da Ilha dos Macacos, aproveitou há 15 dias uma bandeja usada para pôr a comida, transformando-a numa prancha para atingir a cobiçada e densa mata atlântica das vizinhanças.

Em liberdade, já surpreendeu os operários de uma empreiteira ao abrir as marmitas e comer carne e macarrão. Gosta também de açúcar e já invadiu uma cantina, comendo todos os doces.

Nino dribla também os tratadores, que tentam recapturá-lo para levá-lo de volta à ilha. Os técnicos puseram sonífero numa banana, mas o animal percebeu e só comeu as partes sem a droga. Novo teste foi feito com duas frutas e ele rejeito a que tinha remédio.

Armadilhas estão montadas em todo o parque ecológico, mas ontem os tratadores foram surpreendidos mais uma vez: Nino desarmou o equipamento e deixou as cascas de banana sobre ele.

 

Dez pessoas foram atacadas

 

Cuidados - O secretário do Meio-Ambiente de Cubatão, José Perez Bezzi, defende cuidados especiais nessa operação para não pôr em risco o animal. É contra até a utilização de dardos tranqüilizantes. Ele receia que, uma vez atingido, o macaco possa refugiar-se na mata sem suas condições normais de defesa.

Conforme Bezzi, é "um fugitivo contumaz", que cada vez fica mais arisco. Para evitar novos ataques, destacou um funcionário só para vigiar os moleques que costumam perturbar o animal. "Um foi mordido no pé e outro na mão, mas Nino só ataca quando muito provocado".

Quando o bicho for recapturado, deverá voltar para a Ilha dos Macacos, mas serão tomadas medidas de segurança para impedir que ele fuja de novo. Enquanto as buscas prosseguem, as estripulias do animal podem acabar sendo transformadas em processo judicial e tema de discussões políticas. É que a polícia tem registrado boletins de ocorrência de "omissão de cautela na guarda de animal", nos casos em que pessoas são atacadas.

No dia 8 de julho de 1999, foi a vez do jornal santista A Tribuna registrar:

Imagem: cartum de DaCosta, publicado com a matéria

 

Companheira de Nino é lembrada

Prefeitura prepara normas do concurso para a escolha de seu nome

Manuel Alves Fernandes

Da Sucursal

Amargando o exílio forçado dentro de uma gaiola na área de quarentena do minizoológico do Parque Ecológico Cotia Pará, o macaco Nino pode sair do esquecimento para a glória.

O prefeito Nei Serra mandou ontem a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Educacional preparar as normas do concurso que será realizado entre as crianças do ensino fundamental da Cidade para escolher o nome da futura companheira de Nino, na ilhota A do lago de onde o macaco-prego escapou "remando" em uma bandeja de plástico, há 22 dias.

Depois da fuga, Nino virou uma atração que para muitos foi negativa para o parque: solto, foi viver entre as árvores, próximo à área de alimentação, sem que ninguém o conseguisse agarrar. Passou a roubar comida dos tratadores e jardineiros do parque; mordeu crianças que lhe jogaram pedras (a administração do parque responde a três inquéritos policiais no 3º Distrito) e depois de resistir a três tentativas de aprisionamento (duas delas com bananas recheadas com Diazepan, que ele matreiramente cheirou e não mordeu), caiu finalmente na armadilha do biólogo Guilherme Secchiero.

Concurso - Quando vivia na ilhota com outros seis macacos, Nino era o chefe. Porém, mal os tratadores o levaram de volta ao antigo lar, foi recebido com hostilidade pelos antigos liderados que, além de o maltratarem e lhe comerem as bananas do dia, mudaram de chefe. Quem manda agora é outro macaco-prego, mais conhecido por Negão pelos tratadores.

Sem saber o que fazer com Nino, o secretário municipal de Meio-Ambiente, José Perez Bezzi, sugeriu ao prefeito que ele fosse isolado numa ilhota, até que voltasse a ser aceito pelos demais macacos. Nino, que por essa situação de ex-chefe ilhado está começando a ser chamado de Ninochet, (N.E.: alusão - evidente na época da matéria - ao ex-presidente chileno Augusto Pinochet), vai ser levado em breve para a ilhota A, onde vive uma macaca com seu filhote.

Como o biólogo está esperando que o macaquinho seja desmamado, Nino ainda ficará na gaiola de quarentena por algum tempo. Será exatamente nesse período que a secretaria educacional do Município vai promover o concurso para a escolha do nome da companheira do macaco que caiu em desgraça no seu meio.

O prefeito Nei Serra quer transformar as estripulias de Nino num fato positivo para chamar a atenção para o Parque Ecológico do Sítio Cotia-Pará.

Símbolo - Mesmo perdendo o poder, Nino vai virar um símbolo da preservação ecológica da Cidade (dividirá a função com os guarás vermelhos). "Vamos apoiar o Nino e envolver toda a Cidade nesse processo de reabilitação, pois ele de uma forma ou de outra proporcionou uma história emocionante e cheia de lições", disse o prefeito.

O castigo do macaco rebelde de Cubatão pode virar um prêmio digno de uma dolce vita, pois vai morar com uma macaca, sozinha, numa ilhota deserta. Os riscos dessa situação, de qualquer forma, serão analisados pelos biólogos e veterinários da Prefeitura. Afinal, teme-se que Nino fique estressado, diante das várias hipóteses que os piadistas de plantão já atentam na Cidade: ele terá que morar com a macaca, sem nome, pelo resto da vida, "casado" com ela, embora, com sua invulgar inteligência, não se duvide que venha a aprender a ler e escrever para procurar um advogado e pedir "divórcio".

O capítulo seguinte dessa história foi relatado pelo jornal santista A Tribuna em 20 de julho de 1999:

Nino e Kiara deverão ter convivência pacífica na ilhota

Foto: José Moraes, publicada com a matéria

 

Nino, o macaco fujão, dá a volta por cima

Após ser agredido por antigos companheiros e de ficar de quarentena, ele ganhou a companhia de uma fêmea

Manuel Alves Fernandes

Da Sucursal

Macacos e humanos se parecem; ou vice-versa; cada vez mais. O macaco Nino, que aprontou estripulias dignas de filmes de ficção depois de fugir de uma ilhota do lago do Sítio Cotia-Pará, ser capturado e ficar 40 dias de quarentena numa jaula, foi ontem, finalmente, solto, sob condições especialíssimas: de um lado, recebeu a ovação de alunos de escolas de Cubatão. De outro, foi repudiado por seis outros macacos - ao que se supõe, inconformados com essas condições privilegiadas de soltura.

Para quem possa imaginar que as linhas que se seguem são ficção produzida pela imaginação jornalística, invoque-se o testemunho do secretário municipal de Meio-Ambiente, o respeitável coronel da reserva do Exército, José Perez Bezzi, que, com alunos, professores, biólogos e veterinários, assistiu aos pungentes e indignados protestos da turma de cinco macacos-prego isolados na ilhota vizinha àquela onde Nino foi solto, todos liderados pelo novo chefe da tropa, o macaco Negão, que assumiu o seu lugar depois da fuga.

De físico mais avantajado que Nino, mas, certamente, não tão esperto, Negão era o sub-chefe nessa ilhota, onde também vivia Nino, o líder do grupo, até junho.

Sem fêmeas - O parque fica na altura do KM 57 da Via Anchieta, em frente ao Posto da Polícia Rodoviária, onde se destaca a imagem do Cristo Redentor.

As histórias que ali acontecem são motivos de piadas e brincadeiras de funcionários do horto e tratadores dos animais. Os macacos-prego viviam, antes, em jaulas no Parque Anilinas e foram levados para o Cotia-Pará por recomendação do Ibama, porque estariam estressados, há cerca de oito anos.

No meio do parque há um lago artificial, com duas ilhotas tomadas até então por sete macacos e apenas duas macacas, sendo uma filhote, em outra.

A vida na ilhota de Nino tem detalhes confidenciais, murmurados por tratadores do mini-zoológico do Parque Cotia-Pará, envolvendo um outro macaco-prego, com apelido impublicável em jornais sérios. Muito antes das estripulias de Nino, esse macaco escapou a nado (literalmente) porque se revoltou com o fato de ter sido transformado em fêmea, tal como o médico Dráusio Varela retrata em páginas do seu mais recente livro a respeito da vida na prisão do Carandiru (N.E.: antigo presído da capital paulista, já demolido). O paisagista Miguel Rivau, um dos funcionários municipais fundadores do parque, disfarça mas não tem como negar essa história do macaco que se cansou de ser macaca.

Ataques - O fato é que Nino reinava nessa mesma ilha, até observar que a bandeja onde o tratador trazia a comida, de barco, boiava. Um dia, subiu na bandeja e escapou, embrenhando-se na vegetação.

Ele viveu solto na reserva da Mata Atlântica, próximo ao sítio, vários dias, vindo ao parque apenas para comer. Roubou bananas, comeu as carnes das marmitas dos operários e escapou das tentativas de ser capturado, comendo as bordas de bananas que tinham sonífero na parte central. O pior, provocado ou não, atacou oito crianças e adultos, provocando-lhes ferimentos com as suas mordidas e tornando-se uma ameaça aos visitantes do local. Por isso, está respondendo a pelo menos dois inquéritos policiais no 3º Distrito de Cubatão.

Finalmente, caiu na armadilha do biólogo Guilherme Sechiero ao tentar pegar duas bananas presas a um pau dentro da gaiola. A partir desse momento, Nino entrou numa espécie de inferno astral.

Imagem: cartum de Bar, publicado com a matéria

Bando liderado por Negão reage

Recapturado, Nino foi levado de volta à ilha onde liderava os macacos, e encontrou um novo chefe, o Negão. E, em lugar de boas-vindas, recebeu uma surra dos antigos liderados, sob as ordens de Negão.

Preocupado, o biólogo Guilherme Sechiero retirou da ilha e o colocou de quarentena, até que uma macaca com uma filhota, que mora na segunda ilhota, pudesse recebê-lo, longe do ambiente onde antes detinha o poder.

Nesse meio-tempo, ganhou a simpatia da população. O prefeito Nei Serra promoveu um concurso escolar para dar nome à futura companheira de Nino. Venceu a sugestão de dois alunos (Maiara Nunes Freire, da EMEF Bernardo de Lorena, e Orlando de Oliveira Moreira, da EMEI Estado de Santa Catarina).

A macaca agora é conhecida por Kiara (personagem filha do Rei Leão, de Walt Disney). Ontem à tarde, José Perez Bezzi entregou os prêmios aos dois alunos, em solenidade realizada na frente da ilhota onde agora vivem Kiara e Nino.

Porém, a lua-de-mel não está sendo das mais tranqüilas. Mal Guilherme abriu a gaiola para Nino sair, os macacos da ilhota vizinha promoveram uma verdadeira arruaça, emitindo guinchos contínuos (o biólogo sabe qualificar essa reação, mas acredita que ela seja uma forma de os macacos se comunicarem e, evidentemente, reclamarem).

Protestos - Os protestos foram liderados por Negão, que se postou na ponta da ilhota, em pé, gesticulando, enquanto Nino trepava na árvore da ilhota, indiferente à ruidosa manifestação dos antigos liderados que hoje o desprezam. O coro repetiu-se diversas vezes. Razões para os protestos não faltam, a ponto do secretário, jocosamente, temer algum abaixo-assinado dos macacos, protestando contra a dolce vita do antigo líder.

Afinal, Nino, o macaco fujão, foi premiado: dispõe agora das duas únicas fêmeas do minizoológico. Na outra ilhota, continuam vivendo apenas macacos, já que aquele outro da história, que ganhou até um apelido nobre remetendo a um antigo conde brasileiro, teve que ser levado para outro zoológico, na Capital.

Preocupado com os dois inquéritos na delegacia, sob a acusação de negligência na guarda do animal, o secretário de Meio-Ambiente, Perez Bezzi, tem atestado dado pela Associação de Zoológicos do Estado de São Paulo garantindo que Nino estava sendo tratado e guardado dentro de todas as regras recomendadas.

Afeiçoados aos animais, o biólogo Guilherme Secchiero e a veterinária Sueli Passos Brandão acreditam que Nino e Kiara conviverão pacificamente e deverão começar a namorar em breve. Suplantada essa fase, a filhota de Kiara também será incorporada à família. Guilherme acha compreensíveis os protestos de Negão e dos outros cinco macacos. Afinal, Nino merecia castigo.

"Quem não chora, não mama", observa Sueli. Guilherme filosofa com o final das estripulias de Nino: "A moral da história é que, quem apronta, ganha prêmio".

Novo Milênio apurou em janeiro de 2007, junto aos responsáveis pelo Parque Cotia-Pará, que Nino não "pediu o divórcio", como se profetizava então, permanecendo com a companheira Kiara até a morte natural de ambos, ocorrida alguns anos depois. Para os biólogos que ali trabalham, a causa da fuga de Nino, afinal, foi mesmo a solidão em que esse macaco vivia, sem companhia feminina...

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