Capítulo V
Considerações finais
"O homem não vê o universo a partir do universo,
o homem vê o universo desde um lugar."
Milton Santos (1926-2001)
Cubatão é, atualmente, um centro industrial em
crescimento. A desindustrialização, fenômeno trágico de várias cidades da Grande São Paulo, não ocorreu no município. A resposta para este
bom resultado é uma só: Cubatão continua sendo um lugar econômico e barato para se produzir, que, dada sua localização privilegiada, propicia uma
logística eficiente de recebimento de matérias-primas e escoamento da produção.
A abertura econômica dos anos 90, que exigiu a modernização das indústrias ali
instaladas, tornaram o pólo cubatense ainda mais produtivo. O alto capital investido em grandes complexos industriais, aliado à força financeira de
grandes grupos nacionais (Petrobras, Vorotantim, Unigel e Unipar) e transnacionais (Bunge, Cargill, Dow Química, Algo-American, entre outros),
explicam o triunfo do Pólo durante essa década.
O crescimento industrial de Cubatão não foi maior em razão das rígidas exigências
ambientais requeridas para instalação de novas empresas, o que desmotivou vários grupos industriais de se instalarem no município nos últimos anos.
Ou seja, Cubatão ainda é uma região de atração ao capital industrial.
No entanto, o processo de privatização das empresas estatais e a crise econômica dos
anos 90 levaram muitas unidades produtivas para o controle do capital estrangeiro. Houve uma desnacionalização do parque industrial de Cubatão,
principalmente no seu complexo de fertilizantes, outrora dominado pelo capital nacional privado.
Caracterizado, até o final dos anos oitenta, como região industrial com predomínio do
capital estatal e estrangeiro, o Pólo Industrial de Cubatão é hoje majoritariamente dominado pelo capital transnacional. As duas únicas forças que
não permitem o seu domínio completo é a Refinaria Presidente Bernardes (Petrobras) e a Companhia Siderúrgica Paulista (pertencente aos grupos
nacionais que controlam a Usiminas).
Quanto à pergunta inicial de nosso trabalho, "Por que Cubatão?", verificamos que a
presença da outrora maior usina hidrelétrica do país, a Henry Borden, aliada à localização da cidade entre o Porto de Santos e o Planalto Paulista,
são as respostas principais a nossa pergunta. Os outros fatores de atração, embora tenham contribuído para o desempenho econômico das empresas
industriais, não seriam tão fortes para tornar Cubatão um dos maiores parques industriais do país.
A água abundante é o principal bem natural de Cubatão. A grande quantidade de chuvas
na região e a escarpa abrupta da Serra do Mar propiciaram a instalação da Usina Henry Borden. O crescimento industrial subseqüente usou e abusou dos
mananciais hídricos da região.
Porém, a falta de chuvas dos últimos três anos (N.E.:
2000-2003), além da redução da descarga da Henry Borden, diminuiu a quantidade de água nos rios da cidade, levando os
dirigentes industriais a racionalizar melhor o seu consumo e reaproveitar suas águas usadas. Para esses dirigentes, tão importante quanto os custos
de produção é hoje cuidar das nascentes e cachoeiras localizadas dentro de seus terrenos nas encostas da Serra.
De modo geral, as indústrias de Cubatão estão alinhadas ao longo da raiz da Serra do
Mar, ocupando terrenos praticamente contínuos: termina uma indústria começa outra, e assim sucessivamente. A antiga Rodovia Piaçaguera-Guarujá
(atual Rodovia Domênico Rangoni) liga quase todas as indústrias num único corredor.
Do Sul ao Norte estão situadas, entre outras, a Cia. Santista de Papel, Usina Henry
Borden, Refinaria Presidente Bernardes, Ultrafértil-Cubatão, Estireno, Petrocoque, Carbocloro, Hidromar, AGA, Dow Química, Copebrás, Cargill, Bunge,
Ultrafértil-Piaçagüera, Cimento Rio Branco, IFC e Cosipa.
Todas as indústrias instaladas em Cubatão estão a menos de 20 km do Porto de Santos
por via terrestre. Pelo mar, o Porto da Cosipa e da Ultrafértil (localizados numa das entradas do Largo do Caneú) estão a cerca de 8 km do porto
santista. O estuário de Santos foi, definitivamente, prolongado até a Serra do Mar, onde estão a Cosipa e demais empresas. Cubatão, verdadeiro
complexo industrial, criou seu próprio porto industrial.
A produção do pólo ainda é constituída, em sua maioria, de matérias-primas
intermediárias para outras indústrias, localizadas principalmente no Planalto Paulista e restante da região sudeste. A maior parte dos escritórios
centrais das indústrias, entretanto, permanecem na cidade de São Paulo.
A extrema concentração física do Pólo Industrial, num espaço diminuto de pouco mais de
seis quilômetros de extensão, relevam Cubatão à primazia de ser a única cidade do Brasil a possuir, dentro de seu território, uma usina siderúrgica,
uma refinaria de petróleo e uma hidrelétrica, todas de grande porte. Por outro lado, a extrema concentração industrial, conjugada ao cerco
geográfico imposto pela Serra do Mar, contribuiu sobremaneira para os altos índices de poluição atmosférica da região.
Esse efeito negativo do crescimento industrial fez com que Cubatão fosse conhecida
internacionalmente como a cidade mais poluída do mundo. No entanto, o pioneiro Plano de Controle da Cetesb para Cubatão, de 1983, conseguiu, de
fato, reduzir os índices de poluição atmosférica, do solo e das águas.
Nesse início de século, após visitar as unidades industriais e as encostas da Serra do
Mar (com sua vegetação estonteante), podemos afirmar, com satisfação, que Cubatão está próxima do chamado crescimento sustentado: produção
industrial em expansão sem agressão ao meio-ambiente. A estimativa é que até 2008 todas as fontes poluidoras do Pólo Industrial estejam controladas,
enterrando definitivamente o estigma Vale da Morte.
Entretanto, um outro agente agressor vem deteriorando o meio-ambiente de Cubatão,
degradando mangues e prejudicando a sustentação das encostas da Serra do Mar. Este agente é a invasão ilegal. O poder público foi capaz de controlar
as agressões industriais ao meio-ambiente, mas vem se mostrando ineficiente no combate a ocupação ilegal de morros, mangues e serras.
Assim, apesar do sucesso expressivo de seu Pólo Industrial, o município de Cubatão não
tem muito o que comemorar neste início do século XXI. Encravado entre a serra e o mar, antigo lugar de grandes plantações de banana, de vida simples
mas sem miséria aparente, com a instalação da Refinaria Presidente Bernardes e a industrialização que a seguiu, Cubatão tornou-se uma terra
miserável e feia, onde metade de sua população vive em áreas impróprias, sofrendo com a fome e as doenças. Mesmo com sua enorme arrecadação
tributária, Cubatão não consegue diminuir a miséria reinante na cidade.
Se é correto afirmar que o Brasil, entre os anos de 1950 e 1980, teve um período de
grande crescimento econômico, esse progresso, entretanto, não permitiu que a miséria e a pobreza deixassem de se expandir. Este é um dos
grandes exemplos de Cubatão. Seu complexo industrial foi positivo para a economia do país (substituiu importações, economizou divisas, proporcionou
matérias-primas para uma infinidade de outras indústrias, gerou renda e empregos), mas excluiu uma parte da população dos frutos do seu progresso.
A esperança de que a chegada da grande indústria traria riquezas para o novo município
e que, portanto, contribuiria para a melhoria de vida de toda a sua população, foi uma ilusão. Os baixos salários pagos pelas empreiteiras, maiores
empregadoras dos trabalhadores residentes em Cubatão, incentivou a invasão de mangues e encostas da Serra do Mar. O antigo mar de bananeiras
deu lugar a um mar de barracos.
Via Bandeirantes/Nove de Abril, cerca de 1950, e em primeiro plano instalações da Cia.
Anilinas
Foto cedida a Novo Milênio por Arlindo Ferreira
Embora para várias das antigas famílias cubatenses, a industrialização foi positiva,
pois representou uma valorização de suas terras e imóveis; para boa parcela da população, que chegou durante a implantação do parque industrial ou
depois dele (anos 80 e 90), Cubatão representou a continuidade da pobreza das regiões de onde migraram. De certa forma, a pobreza de outras regiões
do país foi transposta para Cubatão.
Crescimento industrial e exclusão social, nada mais típico do que Cubatão e o Brasil.
A cidade é um caso que representa bem as diferenças gritantes de nosso país: riqueza industrial em contraste com a pobreza de metade de sua
população. O Brasil industrializou-se, mas não conseguiu diminuir a sua miséria, conforme pensavam os arautos do desenvolvimento industrial (Raúl
Prebisch e Celso Furtado, principalmente).
A política de substituição de importações, implementada conscientemente pelo Governo
brasileiro, a partir da década de 50, tendo como espelho as idéias industrializantes da CEPAL, objetivavam a diminuição da vulnerabilidade externa
do país, de modo a permitir um crescimento interno sem pressão sobre as parcas divisas estrangeiras.
Tinha a intenção, teórica, de aumentar a renda interna e assim melhorar o nível de
vida da população. Seu desfecho, infelizmente, não foi o planejado. O que deu errado? A resposta, embora complexa, é simples: o capitalismo, deixado
à sua própria sorte, é um sistema excludente, onde a industrialização brasileira serviu apenas a uma parcela da população.
Não podemos esquecer, contudo, que o desenvolvimento urbano de Cubatão deveu-se à
constituição do Pólo Industrial. Sem as indústrias, Cubatão possivelmente continuaria sendo uma cidade rural, com suas plantações comerciais de
banana, completada por uma agricultura familiar de subsistência, a exemplo dos municípios situados no Vale do Ribeira. Enfim, seria uma cidade
pequena e de pouca infra-estrutura física e de serviços.
A chegada das indústrias, em contrapartida, possibilitou uma série de melhorias na
infra-estrutura da cidade, mas a enorme migração deixou metade da população excluída desses benefícios.
Além disso, grande parte dos empregados diretos das grandes indústrias, de melhores
salários, residem em outras cidades da Baixada Santista, enquanto Cubatão abriga, em sua maioria, os trabalhadores de baixos salários, contribuindo
para manter reduzido o padrão de vida na cidade. Santos e São Vicente, por outro lado, tornaram-se cidades-dormitórios dos trabalhadores do parque
industrial cubatense.
Quanto à evolução histórica da cidade, a primeira vocação econômica de Cubatão, que
durou quase 300 anos (1532-1827), foi a de porto fluvial e seus serviços anexos (estalagens e ranchos). Ainda no século XVI, Cubatão foi palco das
plantações de cana para os engenhos de Santos e São Vicente.
Com o aterrado de 1827, que ligou a raiz da Serra ao Porto de Santos, Cubatão virou
apenas uma estrada de passagem por exatos 40 anos (1827-1867), mantendo ainda os serviços prestados aos viajantes. A inauguração da Estrada de
Ferro São Paulo Railway, em 1867, enquanto determinou o fim do transporte por dentro do povoado e a queda de seu comércio e serviços,
possibilitou, entretanto, o surgimento de uma nova vocação, a de produtora comercial de banana, que durante 80 anos conduziu a vida econômica da
região (1870-1950), mesmo depois da instalação das três indústrias pioneiras.
Nunca a produção destas empresas, em conjunto, superou a produção dos bananais. A
própria ferrovia facilitou sobremaneira o escoamento da produção cubatense ao Porto de Santos, ganhando a preferência na exportação. A maior parte
da banana exportada pelo Brasil, na primeira metade do século XX, saiu de Cubatão.
De 1955 em diante, com a inauguração da Refinaria Presidente Bernardes e seu complexo
petroquímico, Cubatão tornou-se uma cidade industrial. Essa é a sua vocação atual, e que dificilmente será alterada a curto e médio prazos, dada a
magnitude do capital ali investido.
O cenário observado em Cubatão, neste início de século XXI, é emblemático: de um lado,
o moderno sistema capitalista de produção, com suas empresas de milhões de dólares e tecnologia de ponta, enfim, o mundo desenvolvido; de outro
lado, as construções populares se expandindo nos mangues e encostas da Serra do Mar, ou seja, o subdesenvolvimento, o Terceiro Mundo.
Numa mesma visão temos o avanço e o atraso, o moderno e o obsoleto, a opulência e a
miséria. Cubatão foi um dos nichos onde se desenvolveu a chamada indústria de base brasileira, no seu áureo período de 1950 a 1980. Foi
beneficiada pelo seu sucesso e, ao mesmo tempo, prejudicada pelos seus efeitos maléficos.
Cubatão é, assim, uma cidade-espelho do Brasil. Do Brasil industrial, forjado durante
as décadas de 50 e 70. É o retrato do bom e do ruim que a industrialização tardia trouxe para a periferia do capitalismo mundial. Riqueza industrial
e degradação social (e outrora ambiental) são os frutos mais visíveis do caso cubatense.
Passagem sobre o Córrego das Corujas,
na época da abertura da Rua Armando Salles de Oliveira, na década de 1960
Foto reproduzida da compilação Avenida de Todos Nós – Desenvolvimento Histórico da
Avenida Nove de Abril (produção da Sociedade Amigos da Biblioteca e Arquivo Histórico, Cubatão-SP, 8/2003)
Acervo: Arquivo Histórico de Cubatão
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