Capítulo I Indústrias pioneiras no mundo das bananeiras
1.1 – Caminhos do inferno: os primórdios de Cubatão
"Todo dia chove em Cubatão". Era desta forma que os viajantes estrangeiros e antigos
habitantes do pequeno povoado de Cubatão caracterizavam a região onde moravam, no início do século XIX [1]. Essa característica de alta pluviosidade,
indicada pela enorme precipitação de água durante o ano todo, seria um dos principais fatores de atração das futuras indústrias do século XX [2].
A planície de Cubatão, atravessada por dezenas de rios e braços de mar, com suas numerosas curvas, que desafiam nossa compreensão, é um espetáculo portentoso da
natureza. Observada do alto da Serra do Mar, a planície de Cubatão é um mundo de água: "Deslumbramento e mais deslumbramento", dizia Afonso Schmidt em seu poema intitulado Cubatão
[3].
A razão da existência de um pequeno aglomerado humano naquele local, afastado de tudo, era o obstáculo natural representado pela escarpa da Serra do Mar: uma ladeira íngreme
de difícil acesso, com cerca de 800 metros de altura, que separa o Planalto Paulista da cidade portuária de Santos [4].
Serra do Mar, vista desde Cubatão
Foto: Cesar Cunha Ferreira, 14/5/2004
O povoado de Cubatão era uma parada para descanso dos viajantes que desciam a Serra como também daqueles que estavam se preparando para subir o penoso caminho. A Serra
parecia uma montanha negra, que assustava os viajantes quando observada a certa distância; somente quando o viajante se aproximava de seu sopé é que vislumbrava o seu verde: escuro e infinito. A Serra do Mar, neste trecho da Baixada
Santista, era denominada pelos índios tupiniquins de Paranapiacaba, enquanto os colonizadores portugueses a designaram Serra do Cubatão[5].
Segundo a geógrafa Léa Goldenstein (1965:13), "Desde a origem, Cubatão acha-se estreitamente ligado à presença do obstáculo representado
pela escarpa da Serra do Mar". Apesar da dificuldade de subir a Serra, a presença de vales que dissecam a sua escarpa, facilitou, em termos, a ligação entre o Planalto e o litoral. Outro ponto favorável à subida ao
Planalto, pela Serra do Cubatão, era a presença dos índios Tupis, gentios amigáveis ao alienígena português, em contraste às tribos hostis dos Tamoios ao norte e Carijós ao sul da Serra [6].
Nos três primeiros séculos após o descobrimento do Brasil, não existia ligação por terra entre a cidade de Santos e a raiz da Serra do Mar. Os extensos manguezais e vários
rios impediam a ligação terrestre. O viajante que quisesse alcançar o Planalto necessitava embarcar numa canoa no Porto de Santos e seguir por um braço de mar, conhecido por Largo do Caneú, até chegar a um dos rios que nascia na Serra do
Mar. Subindo o rio, o viajante desembarcava num porto fluvial. Daí seguia por terra até à raiz da Serra para posterior subida ao Planalto. A viagem entre Santos e o Planalto durava, em média, três longos e tenebrosos dias, onde a vida dos viajantes
era constantemente posta em perigo [7].
Houve três portos fluviais ao longo dos séculos em Cubatão. O primeiro deles foi um porto ainda indígena, chamado Piassaguera (que significava Porto Velho, na
língua tupi), situado à margem do Rio Mogi. Era através do vale do Rio Mogi, que os indígenas, antes do descobrimento, já possuíam uma caminho de ligação entre o sopé da Serra e o Planalto, denominado pelos portugueses de trilha tupiniquim.
Foi por esta trilha que os primeiros portugueses subiram ao Planalto Paulista, entre eles João Ramalho e, posteriormente, Martim Afonso de Souza (em outubro de 1532) [8].
Segundo Petrone (1965a:28), os índios tupiniquins iam para o litoral nos meses de inverno, fugindo do frio: "Significativo, a propósito, é
que quando Martim Afonso desembarcou, os indígenas que vieram recebê-lo foram os do planalto". Não se tem notícia da formação de nenhum povoado nesse porto, nem que existisse trapiches para embarque e desembarque.
Possivelmente, as canoas ancoravam nos barrancos do Rio Mogi. E só [9].
Nesses primeiros decênios, após a chegada de Martim Afonso e da instalação dos primeiros engenhos de açúcar, se iniciou a plantação da cana em toda a Baixada Santista,
visando suprir a demanda dos ditos engenhos, localizados nas ilhas de São Vicente e Santo Amaro [10].
Cubatão não ficou fora disso. Mapa do final do século XVI (Madre de Deus, 1953) revela que as terras de Cubatão eram designadas por Fazendas, onde se cultivava a
cana-de-açúcar. Pela posição no mapa, as Fazendas ficavam nas bacias dos rios Mogi e Perequê, e no atual bairro do Casqueiro (bem próximo a Santos) [11].
Dessa forma, a primeira atividade econômica de Cubatão foi a agricultura da cana, e não somente uma rota de passagem entre a Ilha de São Vicente e o Planalto, como afirmam
alguns historiadores (Peralta, 1973; Andrade, 1975). A decadência da Capitania de São Vicente [12], em razão das plantações de Pernambuco, é que faz com que Cubatão se torne, em
algum momento do século XVII, apenas uma rota de passagem, pois suas plantações ou fazendas foram abandonadas.
Pensando em proteger o litoral vicentino contra os ataques de povos estrangeiros, Martim Afonso proibiu os colonos portugueses de subirem a Serra em direção ao Planalto. Mas essa
proibição durou pouco tempo. Em fevereiro de 1544, Ana Pimentel, esposa e procuradora de Martim Afonso, autorizou os colonos a subirem ao Planalto de Piratininga. Iniciou-se, então, uma grande migração aos domínios dos caciques Tibiriça, Caiubi e
Piquerobi, e do próprio João Ramalho (Noronha, 1994:07-11).
A principal causa para essa mudança é associada ao clima mais propício do Planalto à vida dos colonos europeus. A própria Cubatão não era o melhor lugar para se viver na
Capitania de São Vicente. Seu clima sempre foi favorável à vida microbiana e vegetal, mas era insalubre para a vida humana. Os mosquitos infestavam a região [13].
Esses primeiros desbravadores de nosso país, ao se depararem com as perigosas e traiçoeiras trilhas indígenas (que escalavam a Serra do Mar), não tiveram nenhuma visão do Paraíso
Terreal e seus papagaios faladores, mas, sim, a impressão de que estavam num verdadeiro caminho do inferno: um calor sufocante, que parecia brasas no ar, e o céu sempre carregado de nuvens negras. As trovoadas, com suas enxurradas,
relâmpagos e estrondos medonhos, eram uma constante nas tardes cubatenses.
Os índios Tamoios não representavam, para esses pioneiros, os filhos de Adão, mas os soldados do diabo com suas flechas pontiagudas de madeira. A neblina, fria
e translúcida, que caía ao entardecer sobre a Serra do Mar, acrescentava mais terror à atmosfera do perigoso caminho. Sem dúvida nenhuma, transpor a Serra do Cubatão, no caminho para o sertão, foi um dos principais desafios da primeira
empreitada colonizadora portuguesa no Brasil [14].
Em 1553, João Perez, acusado de matar um escravo indígena, construiu um novo caminho entre o Planalto e Cubatão, utilizando seus próprios índios
escravizados, em troca da impunidade pelo seu crime [15]. Com o tempo, a nova trilha recebeu o nome de Caminho do Padre José, por ter sido percorrido pelos jesuítas e pelo mais
simpático deles, José de Anchieta, e que constituiu durante séculos "praticamente, a única forma de subir ao planalto" (Petrone, 1965a:57)
[16].
Segundo Simonsen (1977:245) e Noronha (1994:07), o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, ordenou o fechamento da trilha tupiniquim (perigosa e constantemente assaltada pelos índios
Tamoios), em 1560, passando a ser utilizado somente o Caminho do Padre José.
Esse novo caminho se localizava no vale do Rio Perequê. Nesse rio se situava o Porto das Armadias (ou Almadias) e, depois, Porto de Santa Cruz (nome dado por Martim Afonso, em 1532),
onde João Ramalho, possivelmente, mantinha um entreposto de índios inimigos, que eram comercializados com os europeus (Andrade, 1975:34; Petrone, 1965a:59-60; Aulicino, 1963:57).
Para Petrone (1965b:69-110), o novo caminho não deveria ser muito melhor do que o primeiro, com péssimas condições de trânsito. Em certas passagens tinha que se agarrar às
raízes das árvores para não cair nos precipícios. A utilização do Caminho do Padre José, na segunda metade do século XVI, deve ter propiciado um trânsito modesto: poucos produtos se importavam do litoral e a única mercadoria que se exportava do
planalto eram indígenas escravizados [17].
Durante dois séculos, XVI e XVII, o caminho do mar foi utilizado praticamente por pedestres, onde os índios transportavam as cargas nas costas e levavam em liteiras as
pessoas mais importantes [18]. Do mesmo modo que o porto do Rio Mogi, não existe nenhuma indicação da existência de um povoado nas margens do Rio Perequê, onde ficava o Porto de
Santa Cruz.
Mas, em algum momento do século XVII, o Porto de Santa Cruz é abandonado em prol de um novo porto, situado já no Rio Cubatão. É justamente nesse novo porto que se instala uma
das primeiras alfândegas no Brasil e sua Casa da Guarda, onde se pagavam taxas relativas às mercadorias em trânsito (Petrone, 1965b:118) [19].
Em 1713, os jesuítas da Companhia de Jesus já tinham conseguido, junto à Coroa Portuguesa, o direito de explorar o transporte por barcas no Rio Cubatão e cobrar os impostos
da alfândega. Aos poucos, os jesuítas foram se constituindo os únicos donos das terras nas margens do rio, tornando a navegação no Rio Cubatão um verdadeiro monopólio pertencente à Companhia de Jesus [20]. Embora o porto ficasse na margem esquerda do rio, os jesuítas construíram, na margem direita, um sobrado que ficaria conhecido como a sede da Fazenda Geral do Cubatão. O edifício de três pavimentos seria a construção de maior vulto do
povoado durante dois séculos.
No entanto, a presença dos jesuítas em Cubatão, asfixiou qualquer tentativa de progresso nas terras de Serra abaixo. Seu domínio era absoluto, expulsando quase todos que
queriam prosperar naquela localidade. Por isso, os Jesuítas, com suas posses e monopólio fluvial, ajudaram a manter reduzida a população de Cubatão [21].
Coube ao Marquês de Pombal, que governou Portugal de 1750 a 1777, extinguir a Companhia de Jesus e expulsar os jesuítas de todo o império português, pela lei de 19 de janeiro
de 1759 [22]. A Coroa portuguesa confiscou os seus bens em Cubatão e passou a explorar a alfândega, exigindo o pagamento do direito de carga e passagem. Posteriormente, a
Fazenda Real arrendou a alfândega para particulares: em 1778, era explorada por Joaquim da Silva Castro e, em 1813, estava arrendada à companhia inglesa May Coppendall & Comp. (Peralta, 1973:10-55).
O Porto Geral do Cubatão, como ficou conhecido o lugar (atual Praça Coronel Joaquim Montenegro), caracterizou-se, de início, pela diminuição do transporte de índios
escravizados e o crescente transporte de ouro, principalmente a partir de 1722 (Petrone, 1965b:79) [23].
Entretanto, o trajeto de subida ao Planalto continuava sendo feito pelo precário Caminho do Padre José, como assinala uma carta de 11 de agosto de 1769, do governador
da Capitania de São Paulo, Morgado de Matheus (1765-1775): "(...) são notórias as ruínas, e precipícios com que se acha desbaratado o caminho do Cubatão, sendo tão grandes as dificuldades que nele se experimentam, que
tem afugentado dele os viandantes, transportando o comércio a outras partes, com notável detrimento do bem comum dos Povos, sendo esta uma das maiores causas da decadência e pobreza dessa capitania" (Morgado de Matheus
citado por Petrone, 1965b:82) [24].
Com a retomada da cultura do açúcar na Província de São Paulo (cuja expansão aconteceu por volta de 1765), por iniciativa do próprio Morgado de Mateus, fez-se necessário
melhorar os caminhos para transportar o produto até o Porto de Santos (Petrone, 1968:219) [25].
Desde 1750, o caminho do Padre José já vinha passando por melhorias que possibilitaram o tráfego das tropas de mulas pela difícil trilha, transportando mercadorias tanto
oriundas do litoral quanto do Planalto [26]. Surge, assim, no Porto Geral do Cubatão, a necessidade de ranchos, pousadas e pastagens.
Segundo o censo de 1765, residiam em Cubatão, espalhados pelos sítios, apenas 27 pessoas, residentes em cinco casas, cujos chefes das famílias eram Francisco Barbosa, Pedro
Alvares, Maria da Silva (viúva), Bernardo Machado e Salvador Barbosa (Trevisan, 1979:27). Devido a falta de um núcleo urbano, Cubatão ainda não podia ser considerada um povoado [27].
Apesar das melhorias feitas no Caminho do Padre José, a primeira providência séria para melhorar o transporte do açúcar só se deu em maio de 1781: o governador de São Paulo, Martim Lopes
Lobo de Saldanha (1775-1782), iniciou as obras de um novo caminho na Serra do Mar, através do Rio das Pedras, e que foi concluído, possivelmente, em novembro de 1781.
A segunda providência, obra do então governador interino José Raimundo do Chichorro, realizada durante o seu curto mandato (1786 a 1788), foi aterrar o péssimo caminho, constantemente
alagado, entre o Porto Geral do Cubatão e a raiz da Serra do Mar (atual Refinaria Presidente Bernardes), de aproximadamente 2 km de extensão, onde se localizava o início do caminho serrano do Rio das Pedras construído por Lobo de Saldanha (Wendell,
1966:217).
Essas duas providências se mostraram pequenas para o que viria em seguida. Em 1789, o novo governador, Bernardo José de Lorena (1788-1797), obrigou que todas as mercadorias produzidas na
Capitania de São Paulo fossem embarcadas no Porto de Santos, levando à ruína vários outros portos paulistas. Essa medida provocou um aumento considerável no trânsito para Cubatão, fazendo necessário, urgentemente, um melhor caminho entre o Planalto
e o litoral.
A grande obra viária na Serra do Mar seria realizada ainda na gestão de Bernardo de Lorena. O governador incumbiu ao engenheiro militar do Real Corpo de Engenheiros de
Lisboa, o Brigadeiro João da Costa Ferreira, a construção de novo caminho, aproveitando o traçado do caminho aberto pelo antigo governador Lobo de Saldanha, na vertente da margem esquerda do Rio das Pedras (Petrone, 1965b:103/104)
[28].
O novo caminho descia a Serra do Cubatão em zigue-zague, com 180 ângulos, largura de três metros e 9 km de extensão, todo calçado com largas lajes de pedras
e que ficou conhecido pelo nome de Calçada do Lorena [29]. A Calçada deve ter sido ultimada em 1790, de acordo com as pedras recuperadas dos monumentos erguidos na estrada em
homenagem a Lorena e a Rainha Maria Regina, datados desse ano (Wendell,1966: 217/218) [30].
Em carta de 9 de maio de 1791, a Rainha de Portugal, Dona Maria, critica o governador Lorena por ter usado o dinheiro do Cofre dos Ausentes de Santos para construir a
Calçada, haja vista as necessidades de várias famílias portuguesas que precisavam desse dinheiro para sobreviver. Lorena responde, em carta de 14 de junho de 1792, dizendo que o dinheiro já havia sido reposto, bem como a nova estrada iria propiciar
maior arrecadação aos cofres reais [31].
Sobre a Calçada do Lorena, escreveu o viajante inglês John Mawe, em 1808: "Poucas obras públicas, mesmo na Europa, lhes são superiores e se
considerarmos que a região por onde passa é quase desabitada, encarecendo portanto muito mais o trabalho, não encontraremos nenhuma, em país algum, tão perfeita" (Mawe citado por Santos, 1986:118). O sueco Gustavo Beyer,
em sua viagem de 1813, relata: "(...) poucos trabalhos desta natureza na Europa podem ser considerar superiores a este" (Beyer, 1992:47). Com o novo caminho, a subida da Serra passou a ser
feita em duas a três horas, podendo viajar até durante a noite [32].
Além da Calçada, Lorena também ordenou a criação de um pasto no Porto Geral do Cubatão para alimentar os animais das tropas (Andrade, 1975:52). Mesmo assim, com o passar dos
anos e a falta de conservação, a Calçada tornar-se-ia péssima, tanto para o transporte de mercadorias quanto para o tráfego de pessoas [33].
Para se ter uma idéia do movimento do Porto Geral do Cubatão, nessa época, basta verificar a produção de açúcar do Planalto Paulista no ano de 1797. Das 101.795 arrobas produzidas no
quadrilátero do açúcar (Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí), 83.835 passaram por Cubatão em direção ao Porto de Santos (Petrone, 1968:147).
Nesta ilustração estadunidense vê-se a ponte coberta em Cubatão, o caminho em zigue-zague do Lorena e a antiga estrada em ascensão praticamente reta que foi o Caminho do Padre José
Ilustração do livro Brazil and the Brazilians (Kinder e Fletcher, 1866, Philadelphia/EUA)
Apesar do crescimento do movimento de cargas, as terras de Cubatão continuavam pouco habitadas [34]. Em 19 de fevereiro de 1803, o governador Antônio José da Franca e Horta, preocupado com a baixa densidade demográfica de Cubatão, ordenou a edificação de um povoado na extinta Fazenda dos Jesuítas, entre os rios Capivari e Santana
(Costa e Silva Sobrinho, 1957:139) [35]. Essa atitude burocrática, entretanto, não causou nenhuma melhoria no número de moradores de Cubatão.
Uma nova tentativa de povoamento foi feita entre 1816 e 1818, quando chegaram a Cubatão cinco famílias açorianas, vindas da cidade de Casa Branca, para ocupar as terras
virgens da antiga Fazenda Geral do Cubatão, que outrora pertenceu aos jesuítas [36]. Suas cartas de sesmarias, porém, só vieram a ser assinadas em 7 de janeiro de 1819, pelo
triunvirato que comandava a Capitania de São Paulo. Todos esses colonos açorianos se dedicaram inteiramente à lavoura. Enquanto a cultura do trigo e do linho não prosperou nas terras cubatenses, as plantações de café, arroz, cana, mandioca e
árvores de espinho, se desenvolveram plenamente.
Mesmo com esse sucesso inicial, por volta de 1830, essas famílias já viviam numa situação de grande miséria, com exceção de Manuel Espinola, que no recenseamento de Santos de
1838, aparecia como uma das três pessoas de maior renda na localidade de Cubatão (Costa e Silva Sobrinho, 1957:134/135). No censo de 1822, mesmo com as famílias açorianas, Cubatão tinha somente 94 moradores, residentes em 23 casas: 41 homens, 40
mulheres e 13 escravos. Apesar do número reduzido de pessoas, podemos considerar que, nessa época, Cubatão já havia se tornado um povoado [37].
O engenheiro militar português, Luiz D’Alincourt, passou por Cubatão em 1818 e 1823, e pode constatar o crescimento do número de habitantes na região: em 1818, eram
raros os moradores, mas já no princípio de 1823, "encontram-se a cada passo" (D’Alincourt, 1953:33). Imagina-se, então, o que era Cubatão antes da chegada dos colonos açorianos e de mais
algumas famílias portuguesas nesse período: nada mais do que um desabitado lugar na fralda da Serra do Mar [38].
No início da década de 1820, as atividades ligadas ao porto tinham um papel muito maior na economia de Cubatão do que a agricultura que era desenvolvida no povoado, destinada quase toda
à subsistência das famílias. Mesmo com os novos colonos, a função agrícola não prosperou de forma a desbancar a primazia das atividades comercial e portuária. Peralta (1979:21) afirma que a produção dos colonos se caracterizou apenas como de
subsistência. A independência política do Brasil, em 1822, não teve nenhum papel de descontinuidade na economia da região. A vida continuou a mesma.
A Calçada do Lorena solucionou, em parte, o grande problema do trajeto Planalto-Cubatão, mas logo outro se apresentava: o precário transporte entre os
portos de Cubatão e Santos [39]. O açúcar era descarregado das mulas em Cubatão e embarcado nas canoas com destino ao Porto de Santos. Porém, as constantes chuvas e trovoadas,
aliadas à força das marés e dos ventos noroeste, constantemente viravam as barcas, perdendo-se produtos e pessoas [40].
O próprio volume em trânsito tornou o Porto Geral do Cubatão, a partir dos anos de 1820, insuficiente frente à demanda existente [41]. Já em 1817, a Câmara da cidade de Itu, um dos principais centros produtores de açúcar, fez uma representação ao presidente da Província de São Paulo, Francisco de Assis Mascarenhas, propondo a construção de uma estrada entre Cubatão e a
Vila de Santos, alegando que o transporte fluvial era perigoso e insuficiente (Peralta, 1973:59). Não obteve êxito.
No início da década de 1820, as tentativas para a construção da ligação terrestre continuaram. Um ofício da Câmara de Santos, de 5 de junho de 1824, encaminhava pedido dos negociantes de
Santos e região ao presidente da Província, solicitando a abertura de uma estrada entre Santos e Cubatão. Novo fracasso.
Foi somente em 22 de fevereiro de 1825, que teve início as obras de construção do Aterrado entre Santos e Cubatão, no dia em que se fez a medição da estrada. Várias
dificuldades surgiram à construção do Aterrado: falta de material, fuga dos operários (devido a grande quantidade de mosquitos dos manguezais), terreno alagadiço (pois foi construída dentro dos mangues de Cubatão) e calor sufocante
[42].
A maior parte do trabalho foi executado pelos escravos, mesmo com a presença de trabalhadores imigrantes alemães e homens livres. O Aterrado exigiu a construção de quatro pontes: as duas
maiores foram sobre o Rio Cubatão (620 palmos de extensão) e o Rio Casqueiro (700 palmos). Na ponte do Rio Cubatão (a primeira a ser construída sobre o grande rio da Baixada Santista), foram colocados dois portões para evitar o não-pagamento da
passagem (Ibid., p.62/66).
O Aterrado, de cerca de 13 km, foi ultimado em 1826, sendo entregue ao público, com grande festa, no dia 7 de fevereiro de 1827, pelo presidente da Província de São Paulo, Lucas Antônio
Monteiro de Barros: "Embora significasse uma indiscutível melhoria para a circulação, o aterrado do Cubatão, pois que na prática tratou-se de um enorme aterrado, durante muito tempo iria se tornar fonte permanente de
problemas de não fácil solução" (Petrone, 1965b:102).
Aos poucos, depois da inauguração do Aterrado, o movimento de barcas pelo Rio Cubatão vai decaindo, perdendo seu significado econômico para o povoado. Os trabalhadores envolvidos nesse
negócio vão migrando para novas atividades, algumas agrícolas, outras comerciais, ao longo do Aterrado. De certa maneira, o fim do Porto Geral do Cubatão representou um atrativo a menos para o progresso humano na região.
Com o Aterrado, Cubatão modificou sua função secular, deixando de ser um porto fluvial para ficar limitada à condição de Registro (Ibid., p.119). O Registro, por sua vez,
ganharia um novo nome, com o Ato Adicional de 1836: Barreira de Cubatão, criada em função da Lei de 24 de março de 1835, assinada pelo Regente Feijó, e que tinha por objetivo arrecadar recursos para manter e conservar as estradas (Peralta,
1979:33). No Registro, além de pagar uma taxa, cada passageiro tinha por obrigação registrar seu nome e nacionalidade [43].
No ano financeiro de 1836/37, passaram pela Barreira de Cubatão, 433.268 arrobas de açúcar e 87.659 arrobas de café (Petrone, 1968:158). As tentativas dos comerciantes da
Vila de Santos de acabar com a Barreira e o pagamento de taxas por Cubatão foram frustradas [44].
O Aterrado também provocou uma transformação urbana no povoado. Com a perda do dinamismo de seu porto fluvial, parte da população começou a se transferir, lentamente, da margem esquerda
do Rio Cubatão (onde ficava o porto), para a margem direita, ao longo do Aterrado, onde a atividade comercial passou a prevalecer, pois as tropas de mulas continuavam a passar pelo povoado utilizando seus serviços. Dessa forma, é correto afirmar
que no período entre 1830 a 1870, Cubatão transformou-se apenas numa rua: "Minha terra não passa de uma estrada. Um bambual que rumoreja ao vento", escrevia o poeta cubatense Afonso Schmidt.
A 17 de abril de 1833, dado o número ainda reduzido de habitantes na região, o Senado aprovou a proposta para a "fundação de uma povoação" em Cubatão. Assim, pela Lei nº. 24, de
12 agosto de 1833, a Regência, em nome do Imperador D. Pedro II, determinou que na "Fazenda Nacional do Cubatão de Santos" fosse separado um terreno de meia légua em quadra para a fundação de uma povoação.
Essa tentativa de aumentar a população, contudo, não obteve sucesso. Como resultado, a Lei Provincial nº.167, de 1 de março de 1841, incorporou a pequena povoação de Cubatão à cidade de
Santos. Para outros, a incorporação se deveu à pressão exercida pelos comerciantes de Santos, que temiam perder parte de sua influência econômica sobre a região (Peralta, 1973), dado que o povoado pertencia à cidade de São Vicente.
No ano de 1842, uma nova atividade econômica chamou a atenção dos moradores de Cubatão: a construção de um engenho de açúcar, situado entre a ponte do Rio Cubatão e a raiz da
Serra, ao longo do Aterrado. Servia-se das águas de uma cachoeira que descia a Serra, destinadas a mover a sua roda d’água. Por volta de 1881, a companhia inglesa City de Santos, encarregada do abastecimento de água da região, retirou a
cachoeira que alimentava o engenho. Foi o seu fim [45].
Durante os anos seguintes, enquanto o açúcar exportado por Santos chegava a 500.000 arrobas por ano, cresciam também as exportações de café. Se em 1828 eram apenas 22.640 arrobas de café
exportados; já em 1839/1840, totalizavam 136.524 arrobas (Petrone, 1968:159). A estrada da Calçada do Lorena, que não permitia o tráfego de carros de boi, mas somente o transporte por mulas, ficou pequena para a grande quantidade de produtos
transportados. Seu estado de conservação também era lastimável, com muitas de suas lajes de pedras soltas, conforme relato de Hércules Florence de 1825.
Assim, uma nova estrada foi então construída para o trânsito de carros, a Estrada da Maioridade, nome dado em homenagem à maioridade do
Imperador D. Pedro II, decretada pela Assembleia Geral, em 1840. Projetada pelo Marechal Daniel Pedro Muller, em 1836, as obras se iniciaram em 1841, e a inauguração, em 25 de fevereiro de 1846, contou com a presença do próprio Imperador do Brasil
e sua esposa. Mesmo nova, os relatos dão conta que a estrada era ruim, e só se tem notícia de carros de boi por volta de 1852 (Petrone, 1965b:129-130) [46].
Nas décadas de 1840 e 1850, as exportações pelo Porto de Santos continuavam a crescer em ritmo acelerado. Em 1850/51, a quantidade de café (470.054 arrobas) registrado na
Barreira do Cubatão ultrapassou, pela primeira vez, a quantidade de açúcar (344.904 arrobas). Em 1854/55, o café exportado chegou a 773.892 arrobas (Peralta, 1973:68). Entre 1854 e 1855, passaram pela Barreira do Cubatão nada menos de que 763
carros de boi e 178.980 animais carregados (PMC, 1974:16). Nesse mesmo ano de 1855, cerca de 40 mil cavaleiros escreveram seu nome na Barreira (Peralta, 1979:50) [47].
Com todo esse movimento, a Estrada da Maioridade, a exemplo da Calçada do Lorena e do Caminho do Padre José, se tornou insuficiente na facilitação do
trânsito entre o Planalto e o Porto de Santos [48]. Fazia-se necessário não mais uma nova estrada, mas, sim, um novo tipo de transporte, mais rápido e econômico: o transporte
ferroviário [49].
Coube a Frederico Fromm, comerciante prussiano, a ideia de construir uma ferrovia que ligasse o Planalto ao litoral de Santos. Fromm contratou o engenheiro Alfred de Mornay
para executar o projeto, mas, por falta de capital, a iniciativa não foi adiante. Passados mais de vinte anos, a esposa de Fromm ofereceu os planos da ferrovia aos marqueses de São Vicente e Monte Alegre. Esses entusiasmaram Irineu Evangelista de
Souza, o Barão de Mauá, a participar da empreitada [50]. Mauá contratou o engenheiro ferroviário inglês, James Brunlees, para saber se era possível uma construção ferroviária
pela Serra do Cubatão. Brunlees veio ao Brasil e, após examinar a Serra, considerou que ela podia ser escalada por uma ferrovia.
Em 20 de abril de 1856, Irineu Evangelista, José da Costa Carvalho e José Antônio Pimenta Bueno conseguiram a licença para construção da ferrovia, pelo Decreto Imperial 1.759, o qual
propiciava o privilégio da construção, uso e gozo por 90 anos. Mauá viajou, então, para Inglaterra, onde formou uma Companhia em sociedade com capitalistas ingleses para a construção da ferrovia. Contratou-se, nessa data, o engenheiro Daniel
Makinson Fox, que havia trabalhado na construção de ferrovias nas montanhas do País de Gales, para realizar o projeto da ferrovia. Visando vencer a difícil Serra do Cubatão, Fox adotou o sistema de cabos de aço.
A construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí teve início efetivo em 15 de maio de 1860, no trecho entre Santos a Piaçaguera (na raiz da Serra), de cerca de 20 km. No entanto,
por motivos financeiros, dado o enorme volume de recursos que se fazia necessário à construção da ferrovia, o grupo brasileiro cedeu todos os direitos da ferrovia ao grupo inglês. Estes, por sua vez, alteram o nome da ferrovia para São Paulo
Railway Company (Lichti, 1996:107).
A construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway foi a maior obra realizada até então na Serra do Mar. A ferrovia aproveitou a passagem natural da vertente esquerda do Rio
Mogi, na Serra do Morrão, mesmo local da antiga Trilha dos Tupininquins. Em Cubatão, a estrada de ferro, depois que desce a Serra pelo vale do Rio Mogi, e cruza o Rio Cubatão, passa a acompanhar o traçado do antigo Aterrado até o Porto de Santos.
Foi aberta ao tráfego em 16 de fevereiro de 1867, com grande festa em São Paulo e Santos [51].
Transportando praticamente todo o café exportado pelo porto santista, a São Paulo Railway tornou-se a mais lucrativa das ferrovias estrangeiras no Brasil (Castro: 1979:50).
Ergueu-se então a primeira Estação de Trem de Cubatão, localizada na beira do Aterrado, pouco abaixo do povoado, em direção a Santos. A Estação de Cubatão fica a 12,3 km da Estação de Santos, 9,7 km da parada da Raiz da Serra, e 66,2 km da Estação
da Luz (São Paulo). O apito do trem, ecoando por todo o povoado, se tornou habitual na vida dos moradores cubatenses, principalmente o das seis da manhã [52].
Em 1866, com a proximidade da inauguração da estrada de ferro, a Barreira do Cubatão, que continuava registrando e recolhendo os impostos dos produtos que
transitavam de São Paulo a Santos, perdeu sua utilidade, sendo extinta [53]. Para Andrade (1975:80), após perder sua função fiscal, Cubatão se torna uma mera parada de trem. No
entanto, mesmo com a inauguração da estrada de ferro, o transporte terrestre continuou por mais alguns anos, pois os tropeiros passaram a cobrar um preço menor pelo transporte do café [54]. Contudo, por volta de 1887, a Estrada do Vergueiro (antiga Estrada da Maioridade) já estava abandonada e esquecida, sendo considerada de segunda classe pela Comissão de Estatística da Província de São Paulo (Santos, 1986:122).
Por essa época, alguns achados arqueológicos chamaram a atenção de vários estudiosos para Cubatão: surgia o Homem Pré-Histórico de Piaçaguera, de quase 5 mil anos de idade.
Em 30 de agosto de 1876, D. Pedro II desembarcou na Estação de Cubatão, e foi examinar, encantado, o Sítio do Casqueirinho e suas sepulturas fósseis, os chamados sambaquis (Andrade, 1975:200). D. Pedro foi conduzido
ao local por homens da terra, que se comprometeram, perante o Imperador, de proteger aquela área da exploração predatória [55].
Com a estrada de ferro São Paulo Railway e a estrada rodoviária do Vergueiro, os penosos caminhos entre o Planalto Paulista e o mar foram sanados. Os caminhos do inferno
que cortavam a Serra do Cubatão se tornaram mansos trajetos, onde as dolorosas subidas e descidas foram substituídas pela contemplação e admiração daquela visão privilegiada do alto da Serra que, ainda hoje, surpreende e fascina os próprios
moradores da Baixada Santista. A necessidade de uma nova estrada só iria surgir a partir da década de 1930 [56].
No final do século XIX, a Estrada do Vergueiro estava reduzida apenas à passagem de gado para o matadouro de Santos e a alguns poucos tropeiros; e, nos anos que antecederam a
Lei Áurea, num caminho de fuga para os escravos que desciam a Serra em direção ao Quilombo do Jabaquara (em Santos) [57]. A estrada de ferro absorveu quase todo o transporte de
mercadorias e pessoas entre o Planalto e a cidade de Santos. Como resultado disso, a ligação rodoviária que passava pelo Aterrado de Cubatão teve seu movimento drasticamente reduzido. Depois da construção da São Paulo Railway, enquanto a Província
de São Paulo crescia vertiginosamente, em função do café, Cubatão tendia a ficar à margem, estagnado.
No entanto, é justamente nesse último quartel do século XIX, com a perda de seu dinamismo comercial e de sua função de Barreira, que alguns empreendedores de Cubatão partiram
para a agricultura da banana e outras frutas (como a laranja e a mexerica), além de café, cana de açúcar e arroz [58]. A região se torna um mar de bananeiras, tanto à
esquerda quanto à direita do Rio Cubatão.
Com as suas plantações de banana, Cubatão prosperou. Deixou de ser uma parada de descanso e de pequeno comércio, para ser um grande produtor agrícola, no final do século XIX,
dando empregos a todos que queriam trabalhar. Não havia desemprego, mas ao contrário, faltavam trabalhadores para atuar nos bananais. A população que, até 1870, era composta basicamente de portugueses e brasileiros, passou a partir desta data, a
ser composta também de espanhóis, alemães, sírios, italianos e, principalmente, novos portugueses [59].
Assim, a São Paulo Railway representou, de fato, uma descontinuidade na vida econômica do povoado. O pequeno núcleo, de economia comercial, tornou-se uma região agrícola. O impulso veio
de fora, mas os empreendedores da mudança estavam em Cubatão. Foram cubatenses, em sua maioria, filhos dos povoadores portugueses do início do século XIX, que partiram para a cultura comercial dessa fruta.
Pode-se dizer, com base no exposto acima, que Cubatão, nos primeiros quatro séculos de sua existência (com exceção do século XVI), foi essencialmente uma rota de passagem
entre Santos e São Paulo, mas que se transformou, no final do século XIX, num imenso bananal. Nada mais do que isso [60].
Aterrado de Cubatão, em foto de meados do século XX
NOTAS:
[1] Existem muitas explicações possíveis ao topônimo Cubatão. A mais aceita é que seja um vocábulo indígena, das tribos
que habitavam a Capitania de São Vicente, e que poderia significar, entre outras coisas, rio de pé de serra, porto de pé de serra, terras situadas na raiz da serra, rios que nascem nas serras. O fato conhecido é que um
dos rios que nasce na raiz da Serra do Mar já era denominado Cubatão, em meados do século XVI. O rio, por sua vez, deu nome ao porto, Porto Geral do Cubatão, e o porto deu nome ao povoado. Sobre o nome Cubatão, ver Peralta
(1973) e Couto (2002).
O atual município de Cubatão tem 148 km² e se localiza na área fisiográfica da Baixada Santista, ao pé da Serra do Mar. Faz limite com os municípios de Santos, São Vicente, São Bernardo
do Campo e Santo André. Fica a 57 km de distância da cidade de São Paulo e 13 km de Santos. Sua altitude máxima, de cerca de 700 metros, é alcançada quase no cume da Serra do Mar (na divisa com São Bernardo do Campo e Santo André) e a mínima, de 3
metros, na Baixada Santista.
[2] A explicação para essa alta pluviosidade é dada por Eliana Santos (1965:114), em sua pesquisa sobre o clima da Baixada
Santista: "A existência desse relevo escarpado [Serra do Mar], paralelo à linha da costa, é de fundamental importância, causa não só da grande umidade relativa ali existente, como também da
elevada nebulosidade e excepcional pluviosidade, superior até à da região equatorial (...)".
A mesma opinião é dada pelo geólogo Miguel Noronha (1994:05): "A escarpa da Serra do Mar funciona como uma barreira para as massas de ar provenientes do
oceano. Essas massas, carregadas de umidade marinha, elevam-se ao longo das encostas e precipitam-se torrencialmente, formando chuvas orogênicas". Não existe estação seca na região.
[3] "A confusão de águas é grande e, às vezes, torna-se difícil
distinguir meandros de braços de rios ou de canais marinhos, que formam dentro desses largos (...) um verdadeiro emaranhado, comumente chamado de Lagamar Santista" (Goldenstein, 1972:28/29).
Em sua viagem de 1860, o português Augusto Emílio Zaluar (1975:190) revela todo o encanto da vista do alto da Serra: "Da Serra do Cubatão descobre-se um dos
panoramas mais soberbos que se podem oferecer aos olhos do viajante! Os planos imensos e azulados do oceano traduzem apenas a sua imobilidade pelas franjas de branca espuma com que as ondas bordam as curvas arenosas das praias. A ilha, os canais,
os aterrados, e lá ao longe as torres das igrejas e as paredes alvas das casas da cidade de Santos, ilha cercada pelo Cubatão e pelo Casqueiro, dois rios que deságuam na barra de São Vicente, compõem uma paisagem admirável, cuja impressão se grava
por muito tempo na memória, como a reminiscência agradável de um sonho de fantasia (...) É um desses painéis sublimes que parece a natureza haver traçado para mostrar ao homem a grandeza de suas criações e amesquinhá-lo em presença deste gigantesco
paralelo".
O sueco Gustavo Beyer, em viagem de 1813, afirmou, no alto da Serra, que aquela era a "mais deslumbrante vista que talvez haja no mundo" (Beyer, 1992:47). Não era sem razão que Cubatão ficaria conhecida como a Rainha das Serras.
[4] A escarpa da Serra do Mar é uma cicatriz do processo de separação dos continentes americano e africano há cerca
de 120/150 milhões de anos (Noronha, 1994:03). Para Branco (1984:15), "(...) trata-se mais de um paredão limitando o planalto de São Paulo do que, propriamente, uma cordilheira, uma vez
que, praticamente, só apresenta encostas de um lado: o lado do mar, a Leste".
Segundo estudo da Dersa (1976:31), a Serra do Cubatão, nome local da Serra do Mar, separa duas das mais importantes províncias geomorfológicas do país: o Planalto Paulista e a Baixada
Litorânea. Trata-se de um maciço metamórfico pré-cambriano, constituído essencialmente por gnaisses e xistos. Sua origem deu-se através de acidentes tectônicos ocorridos mar adentro e distante da posição atual que então vem recuando sob a ação da
erosão (Ibid., p.190). A Serra do Mar é coberta pela chamada Mata Atlântica. Não existia pau-brasil nas matas da Baixada Santista e na Serra do Mar.
[5] "Paranapiacaba: Parte mais alta da cordilheira marítima, que serve
de divisas entre os municípios de Santos e São Paulo. É vulgarmente conhecida com o nome de Serra do Cubatão, e divide entre si outros municípios da província" (Azevedo Marques, 1953:145).
[6] "A penetração do interior não era possível por outro setor da
costa, inçada de inimigos, coisa que só logrou mais tarde, já avançados os trabalhos da colonização, quando foram desbaratando as hordas canibalescas que turvavam a posse mansa e pacífica da terra" (Aulicino, 1963:129).
[7] "Piratininga estava ainda praticamente isolada do acesso ao mar,
difíceis como eram os caminhos, cujo percurso absorvia quatro dias em penosas condições" (Simonsen, 1977:207).
[8] "Não se contentou Martim Affonso com examinar as terras de
beira-mar, quis também o sertão e, guiado por João Ramalho, subiu aos campos de Piratininga pelo caminho de Piaçaguera Velha, de Santos. Para isso entrou pelo rio do cubatão geral e foi desembarcar no pouso das Armadias, a que ele deu o nome de
Porto de Santa Cruz (...) Não há prospecto mais delicioso do que este para quem sobe ou desce, porém raras vezes é apreciável por causa das nuvens (...)
"Este objeto, visto ao longe de cima das serras, representa um jardim ameníssimo, no qual as águas formam as ruas e os mangues os canteiros (...) Atravessando estas serras, muito altas e
sumamente escabrosas, as quase se vão principiar quando as julgam acabadas, por servirem de base de umas os fastígios de outras, e depois de passar um caminho talvez o pior que há em todo mundo, chegou Martim Affonso aos alegres campos de
Piratininga, onde foi hospede de Tebyriçá e bem recebido dos guayanazes. Aqui assinou a sesmaria de Pedro de Góes aos 10 de outubro de 1532" (Madre de Deus, 1915:81/82).
[9] Em 10 de fevereiro de 1533, na sede da Capitania de São Vicente, o Capitão-Mor Martim Afonso de Souza assinou o primeiro
documento em que aparece o nome de Cubatão: era uma carta de sesmaria a Rui Pinto, concedendo as terras do Porto de Apiaçaba, região compreendida entre os rios Mogi e Perequê. Tratava-se da segunda sesmaria brasileira. A primeira tinha sido
concedida a Pero de Góes em 10 de outubro de 1532 (Andrade, 1975:139).
Na verdade, as três primeiras sesmarias dadas no Brasil, em nome do rei de Portugal, se encontravam, em parte, nas terras do atual município de Cubatão. A sesmaria de Pero de Góes ficava
na margem esquerda do Rio Mogi, atual Cosipa. A sesmaria de Rui Pinto ficava entre a margem direita do Rio Mogi e a margem esquerda do Rio Perequê, atual Alba, Union Carbide, Rhodia, Cabocloro, Copebrás, etc. A terceira sesmaria, de Francisco
Pinto, ficava entre a margem esquerda do Rio Perequê e a margem direita do Rio Pilões, área atual das indústrias Petrocoque, Refinaria Presidente Bernardes, Usina Henry Borden, Cia. Santista de Papel e Ultrafértil-Cubatão.
Uma quarta sesmaria seria dada a Antônio Rodrigues de Almeida, localizada na margem esquerda do Rio Pilões até a cachoeira do Rio Cubatão, região ainda hoje cercada de árvores e
plantações de banana, em contraste com as outras áreas, utilizadas como zonas industriais. Pode-se observar a antiga sesmaria de Antônio Rodrigues, ainda de grande beleza vegetal, quando atravessamos o primeiro viaduto da Rodovia dos Imigrantes, na
subida da Serra do Mar: tanto à esquerda como à direita do viaduto, o que vemos são as antigas terras de Rodrigues, e o rio que a ponte da Imigrantes corta é o Cubatão.
[10] O açúcar, naquela época, "(...) era artigo de grande raridade e
muita procura, até nos enxovais de rainhas ele chegou a figurar como dote precioso e altamente prezado" (Prado Júnior, 2000:17).
[11] "Como nos anos mais próximos à fundação daquela Capitania todos
os moradores principais de Santos e S. Vicente se aplicavam à lavoura, grassou a plantação das canas com tanta felicidade, que antes de muito tempo se multiplicaram os Engenhos no distrito de ambas as Vilas" (Madre de
Deus, 1953:86). Frei Gaspar lista 10 engenhos em Santos, S. Vicente e Santo Amaro. As mudas de cana vieram com Martim Afonso da Ilha da Madeira.
Assim, é uma inverdade dizer que na Capitania de São Vicente não prosperou a cana-de-açúcar em razão de seu clima e solo. Ao contrário, ainda no início do século XX, eram grandes as
plantações de cana em Cubatão. Também nas décadas de 1970 e 1980, vários terrenos exibiam verdejantes canaviais, apesar de toda a poluição atmosférica.
A razão do negócio da cana não prosperar na Capitania de São Vicente se deve a outros motivos, entre eles: a maior distância de São Vicente da Europa (em comparação a Pernambuco), ao
negócio da captura dos índios (mais lucrativo) e a mudança dos moradores para a região do Planalto (após a permissão dada por D. Ana Pimentel), pois a Baixada Santista possuía um clima inóspito à vida humana.
O botânico francês Augusto de Saint-Hilaire, que viajou pelo Brasil entre 1816 e 1822, diz que Martim Afonso de Souza "(...) fez transportar da ilha da
Madeira a cana de açúcar, que de São Vicente, se espalhou pelas outras partes do Brasil; e ordenou a montagem do primeiro engenho de açúcar que existiu no Império (...) A agricultura logo prosperou de modo notável e um intenso comércio
estabeleceu-se em Portugal, favorecido pela criação de um outro núcleo de população - Santos -, cujo porto tem capacidade para receber os maiores navios" (Saint-Hilaire, 1953:150). Afirma ainda que a decadência da
Capitania de São Vicente se deveu à suspensão da proibição de entrar o português pela planície de Piratininga, dada por Ana Pimentel.
[12] "Espremido contra o mar pelos contrafortes da Serra, quase
isolado do interior pelo obstáculo daquele forte aclive, o povoamento deste trecho do litoral da colônia estacionou, apesar dos portos numerosos e bem abrigados, como São Sebastião e Santos em São Paulo (...)
"Outra circunstância que desfavorece este setor da colônia é sua posição excêntrica, afastada como está do foco e das fontes da colonização brasileira, bem como dos mercados para os
grandes produtos coloniais, que se acham na Europa. O desenvolvimento da agricultura local foi seriamente desfavorecido por este afastamento; e embora tenha sido São Vicente o primeiro, e durante algum tempo, importante centro açucareiro, ele perde
muito cedo esta posição de destaque em favor de seus concorrentes mais bem situados do Norte; já antes do fim do primeiro século acha-se num plano bem medíocre e secundário" (Prado Júnior, 2000:41).
[13] O clima de Cubatão é tropical constantemente úmido. As altas temperaturas, com média anual superior a 20 graus
centígrados, causam uma sensação de mal-estar tanto de dia como à noite: "O calor excessivo, associado a um teor higrométrico elevado, favorece à vida microbiana e das espécies florestais, ao
mesmo tempo que debilita o organismo humano" (Santos, 1965:143).
As emanações fétidas dos mangues cubatenses, causada pela decomposição de animais ou plantas, eram encaradas como o motivo das várias enfermidades da região, onde o próprio nome de uma
delas, a malária, era proveniente de maus ares (Scliar, 2001:14). O fator climático favoreceu a ocupação do Planalto Paulista: "As condições mais propícias do clima do planalto, para o elemento europeu,
concorreram para a preferência que lhe foi dispensada, aos poucos, a maior parte dos colonos" (Simonsen, 1977:206).
Para o ecólogo Samuel Branco (1984:26), "a sensação que sempre teve o viajante, ao descer do clima ameno do Planalto em demanda das praias, embora quentes,
sempre ventiladas por brisas ocasionais, é a de atravessar o interior de um forno ao cruzar por Cubatão, mesmo antes da implantação do Complexo Industrial. O calor opressivo, associado à elevada umidade provocada pela evaporação dos manguezais do
estuário, ao odor paludoso e à quase total ausência de ventilação, hoje acrescido das fumaças, poeiras e vapores das indústrias, fazem de Cubatão um local pouco aprazível, pesado, sufocante (...) A explicação para essas características surge da
própria observação da sua topografia. Cubatão fica quase que totalmente encerrada em uma caixa, cujas paredes são formadas, ao Norte, a Oeste e a Leste, pela Serra do Mar, e mesmo ao Sul, parcialmente por alguns contrafortes como a Serra do Morrão
e a Serra do Quilombo, e pequenos montes situados na ilha de Santos e São Vicente. O seu único canal de ventilação, assim mesmo apenas parcialmente aberto, é, portanto, para o Sul".
Rodrigues (1965:25) enxerga que "o relevo da Serra apresenta, na região, duas singularidades: excessiva inclinação das escarpas e curiosa forma de ‘pinças de
caranguejo". Também Saint-Hilaire (1953:191) escreveu sobre o clima e a insalubridade de Cubatão: "Relativamente ao clima, como sob outros aspectos, a província de São Paulo é naturalmente dividida, pela cadeia
marítima, em duas regiões - uma, que compreende todo o litoral, é muito mais quente e muito menos salubre do que a outra, formada pelo planalto".
Para a bióloga Gutberlet (1996:68), a região de Cubatão com "extensas áreas cobertas por mangues e escarpas muito íngremes e o clima chuvoso e de alta umidade do ar não favoreceram a
ocupação humana e as atividades agrícolas".
[14] Neste ponto, não há como não fazer referência ao clássico Visão do Paraíso, do historiador Sérgio Buarque de
Holanda, que inspirou a passagem acima: "São trópicos brutos e indevassados que se apresentam, uma natureza hostil e amesquinhadora do Homem, semeada de obstáculos imprevisíveis sem conta
para que o colono europeu não estava preparado e contra que não contava com nenhuma defesa" (Prado Júnior, 2000:16).
Antes de ser América ou Brasil, éramos o Oriente, a sede do Paraíso Terrestre, preservado do dilúvio, de temperatura amena e primavera eterna (Chaui, 2000:09). Esses desbravadores que
chegaram em Cubatão e subiram suas encostas perceberam, rapidamente, que não tinham chegado ao paraíso.
Afonso Schmidt (1963:44), num de seus famosos romances, procura descrever a chegada dos primeiros portugueses à raiz da Serra do Mar: "Viram-se entre os
contrafortes da serra de Paranapiacaba. Diante deles, erguia-se enorme muralha escura, toldada de névoas nos cimos, com lanhos vermelhos de desmoronamento e, lá longe, aquela pincelada de prata – a cachoeira que se atirava aos precipícios - o
Itutinga".
A subida também é descrita pelo autor: "As pernas tinham de escarranchar-se, a fim de saltar uma beiradinha de barranco que, muitas vezes, se desmoronava. A
subida, então, era feita à custa de braços. As mãos largavam um cipó, que rebentava, ou um galho, que lascava com o peso, para se agarrarem a uma touceira de capim, pronta a desprender-se, ou uma touceira de gravatás, onde muito bem podia estar
enroscada, de tocaia, uma jararaca" (Ibid., p.45). O Brasil nunca foi o paraíso procurado pelos conquistadores europeus.
[15] Com base numa carta de 3 de abril de 1555, de autoria de D. Duarte da Costa, Santos (1986:115) acredita firmemente que
quem construiu esse caminho foi João Perez (ou Pires), discordando que tenha sido obra do Padre José de Anchieta, que havia chegado a São Vicente no mesmo ano da construção do caminho (1553), e que, portanto, não tinha ainda nenhuma autoridade para
empreender tamanha obra.
[16] "Há poucas indicações do traçado exato da trilha utilizada pelo Padre José de
Anchieta, praticamente ligação única, por séculos, com o planalto. Sabe-se que se desenvolveria pelo Vale do Perequê. Um documento de 1775, todavia, menciona uma segunda trilha pelo Vale do Rio das Pedras. Parece que em fins do século XVIII essas
duas trilhas foram usadas simultaneamente até a construção da Calçada do Lorena, que se desenvolve precisamente no divisor de águas dos rios das Pedras e Perequê" (Toledo, 1975:35).
[17] O grande incremento no tráfico de índios parece ter se verificado a partir de 1628, sendo as peças vendidas em
Santos, Rio de Janeiro e até em Lisboa (Simonsen, 1977:218). Pelo Porto de Santos, "levas e levas de escravos desciam a serra para serem despachados para os engenhos do Norte" (Aulicino, 1963:109). Segundo Holanda (2000:61), "nas terras vicentinas, por outro lado, mais do que em qualquer outro lugar do Brasil, era viva e bem arraigada a tradição da caça ao gentio (...)".
Dada o sentido da colonização portuguesa "voltada para o comércio europeu", segundo Prado Júnior (2000:20), os caminhos da Serra
ficaram por muito tempo pouco utilizados, pois nada se produzia no Planalto Paulista para a exportação pelo Porto de Santos. Somente com as plantações de cana no Planalto, no final do século XVIII, é que os caminhos da Serra justificaram uma
melhoria.
[18] Sobre este caminho, em 1585, escreveu o próprio Padre Anchieta: "A quarta vila da Capitania de São Vicente é Piratininga, que está dez ou doze léguas pelo sertão e terra a dentro. Vão por lá umas serras tão altas que dificultosamente pode subir nenhum animal, e os homens sobem com trabalho e às
vezes de gatinhas por não se despenharem, e por ser o caminho tão mal e ter ruim serventia padecem os moradores e os nossos grandes trabalhos" (Anchieta citado por Santos, 1986:116).
Também a este respeito, Daniel Kidder faz uma citação do padre jesuíta Simão de Vasconcelos, contida na Chronica da Companhia de Jesus, escrita por volta de 1640: "Não se pode viajar, durante a maioria do percurso; vai-se locomovendo aos poucos, com as mãos e os pés, pelas raízes das árvores e por entre rochas e precipícios tamanhos que, confesso, todo o meu corpo tremia quando olhava para
baixo. É espantosa a profundidade dos vales e a série enorme de montanhas, umas sobre as outras tiram-nos a esperança de chegar ao fim da subida. Quando se imagina ter-se atingido o topo de uma delas, está-se apenas ao pé de outra de não menor
tamanho. É verdade que o sacrifício da subida é compensado de quando em vez, pois quando me assentei a uma rocha do caminho e olhei para baixo tive a impressão de que estava na Lua e que todo o globo terrestre jazia a meus pés. Panorama de rara
beleza, pela variedade que apresenta: mar, terra, planícies, florestas, montanhas e estradas e, além, o infinito maravilhoso" (Vasconcelos citado por Kidder: 2001:183).
[19] "A alfândega de Cubatão, por outro lado, parece ter iniciado
suas funções em fins do século XVI ou início do século XVII, sendo, portanto, anterior à de Santos. As mercadorias européias, que já chegavam caras em Santos, eram acrescidas de nova taxa do porto de Cubatão onde estacionava um oficial com uma
guarda de soldados para receber os impostos do Rei" (Peralta, 1973:58).
[20] Em 1643, foi feita a primeira doação à Companhia de Jesus. Tratava-se da sesmaria do Rio Pilões pertencente a Lobo
Ribeiro Pacheco e Maria de Almeida Paes. Em 07/08/1664, foi a vez da doação da sesmaria de Francisco Pinto; em 03/09/1689, foram as terras de Domingos Leite de Carvalho; em 05/08/1689, se deu o arrendamento da antiga sesmaria de Rui Pinto,
pertencente ao Capitão Agostinho Rodrigues da Guerra; em 28/12/1743, foram as terras do Coronel Manoel Antunes Belém de Andrade; e mais tarde a antiga sesmaria de Pedro de Góes (Pinto & Torres, 1992:07/08).
[21] "Os jesuítas, ao receberem a doação da Sesmaria dos Pilões,
principiaram um negócio rentável; com uma visão futurista, iniciaram a cobrança de pedágios sobre pessoas, mercadorias e embarcações que passavam pelos rios ao longo de suas propriedades. Entretanto, por não atentarem, os padres jesuítas, em um dos
mandamentos do cânon cristão - Não cobiçarás - procederam, como vimos, de forma paulatina, a aquisição de terrenos com frente, principalmente, para o rio Cubatão" (Pinto & Torres, 1992:10).
[22] "Um alvará real de 3 de setembro de 1759 declarou estarem os
jesuítas em rebelião contra a coroa, ratificando o decreto real de 21 de julho do mesmo ano, que ordenava o encarceramento e prisão dos jesuítas no Brasil (...) As vastas propriedades da ordem no Brasil, em Portugal e no remanescente do antes vasto
império português na Ásia foram expropriadas" (Maxwell, 2001:17).
[23] "O tráfico vermelho (...) terminou, de fato, com as descobertas
das minas, as quais proporcionaram aos paulistas recursos para a importação do elemento africano" (Simonsen, 1977:228).
[24] A decadência da Capitania de São Paulo, em razão do ouro mineiro, não incentivou a melhoria do Caminho do Padre
José: "A descoberta das minas de ouro noutras capitanias, além de arrastar para fora de São Paulo toda a mão-de-obra, provocando o despovoamento da região e a decadência da lavoura, causou, ainda,
o abandono do Porto de Santos em favor do Rio de Janeiro, dada a menor distância para transporte dos minerais de Minas e Goiás, através do Vale do Paraíba. O auge dessa decadência foi atingido em 1748, quando São Paulo passou a constituir uma
Comarca do Rio de Janeiro, situação da qual só se recobrou em 1763, quando o Governo da Capitania foi entregue a D. Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus, grande responsável pelo reerguimento econômico da região" (Branco, 1984:36).
[25] "É só em fins do séc. XVIII que São Paulo começa a recuperar as
forças exauridas em dois séculos de aventuras, e inaugura, na fase mais estável da agricultura, um período de expansão e prosperidade que dura até hoje" (Prado Júnior, 2000:60). Afirma Arruda (1980:268) que a impressão
que emana das fontes era que a Capitania de São Paulo, em 1780, estava estagnada, em que predominava a economia de subsistência. A exportação dos produtos da Capitania eram feitas pelo Porto do Rio de Janeiro, em detrimento do Porto de Santos.
[26] "O tropeiro foi nessa época um dos mais fortes elementos de
vida e de progresso de todos quantos trabalharam para a grandeza e pela unidade do Brasil. Eram eles que recebiam mercadorias em pontos diversos e que as traziam para o comércio (...) Partiam de todos os pontos de produção, choutando a sua tropa,
que cadenciava o passo pelo retinir dos guizos da besta dianteira e, atravessando os desolados chapadões do planalto, em demanda do porto de Santos, encordoavam os lotes por esta estrada, descendo e subindo as asperezas desta serra, como formigas
em carregação, parecendo desaparecer ao volume e ao peso das cargas, que, em movimento, davam a impressão de ir arrastando as alimárias" (Prestes, 1922:30/31).
[27] O movimento no Porto de Santos era ainda muito modesto nessa época: "Segundo a Representação de Diogo de Toledo Lara, foi durante o governo de Francisco da Cunha Menezes (1782-1786) que começaram a carregar alguns navios no porto de Santos com destino a Lisboa. Anteriormente, o anil e o açúcar eram
levados para o Rio de Janeiro e de lá reexportados para Portugal" (Petrone, 1968:143).
Mesmo com a Lei de 10/09/1765, que permitiu a livre navegação para todos os portos, e não apenas Rio de Janeiro e Bahia, "(...) a vinda de navios para a
Capitania de São Paulo, principalmente o porto de Santos, não foi nada fácil" (Ibid., p.145). Segundo os fatos levantados por Petrone (Ibid, p.145) somente seis a doze navios carregaram no Porto de Santos no ano de
1797.
[28] "Ao assumir o governo, em 1788, Lorena compreendeu que, dadas
as condições climáticas reinantes na região, o problema maior seriam as enxurradas, a lama e os atoleiros, tendo qualquer técnica que pressupor a solução desse problema. Daí o emprego da pedra, técnica capaz de enfrentar o elevado índice
pluviométrico da Serra de Paranapiacaba, e com a qual estavam familiarizados os engenheiros militares, alguns deles vindos das obras de reconstrução de Lisboa e cercanias" (Toledo, 1975:36).
[29] "A Calçada do Lorena abre uma nova fase na história dos
caminhos da Capitania de São Paulo. Na verdade, sucede a caminhos que pouco mais eram do que as primitivas trilhas indígenas. Essa ligação, vital para a economia da Capitania, já é uma estrada cuja execução foi procedida por levantamentos
topográficos, hidrográficos e observações registradas pelos oficiais do Real Corpo de Engenheiros. Representa, por tudo isso, um verdadeiro marco, dos mais significativos, na história da evolução da tecnologia no Brasil"
(Toledo, 1975:36).
Em carta a Martinho de Melo e Castro, de 15 de fevereiro de 1792, o governador Lorena dá conta do final da obra na Serra: "Está finalmente concluído o
Caminho desta Cidade até o Cubatão da Vila de Santos, de sorte que até de noite se segue viagem por ele. A serra é toda calçada, e com largura para poderem passar tropas de bestas encontradas sem pararem; o péssimo caminho antigo, e os precipícios
da Serra bem conhecidos, eram o mais forte obstáculo contra o comércio, como agora se venceu, tudo fica fácil (...) A importância da obra, e o dinheiro que tem sido restituído ao cofre dos Ausentes se vê na Certidão n.2., onde igualmente se mostra
o que falta para satisfazer o empréstimo. Foi-me igualmente preciso cuidar na conservação do mesmo Caminho para sempre, e tendo persuadido primeiro as Câmaras das Vilas a quem pelo seguirem continuadamente devia pertencer o conserto, obrigou-se a
Câmara desta Cidade, com as outras de Serra acima, a conservarem bom o Caminho até ao Pico da Serra, como consta do Termo de Vereança, copia n.3, e a da Vila de Santos a cuidar na Serra desde o Cubatão até o Pico, copia.4. No Pico colocou-se uma
pedra na figura de um paralelogramo retângulo, em uma face da qual se lê o Reinado, e Era em que se concluiu a Obra, e por baixo Omnia Vincit Amor Subditorum (...)" (Lorena, 1924a:70/71).
Em visita à Calçada do Lorena, em dezembro de 2001, constatamos que a estrada se encontra em boas condições de uso no trecho situado entre o alto e o meio da Serra, mais precisamente até
o Padrão do Lorena (monumento que marca o cruzamento da Calçada com a Estrada da Maioridade). Ou seja, metade da Calçada encontra-se conservada por iniciativa da EMAE (Empresa Metropolitana de Água e Energia, responsável pela Usina Henry Borden).
No entanto, a outra metade da Calçada, trecho do meio da Serra até a raiz dessa, se encontra encoberta pelo mato e destruída pelos desmoronamentos.
Sabe-se que o início da Calçada, na raiz da Serra, situa-se embaixo do flare (tocha) da Refinaria Presidente Bernardes. O trecho conservado da Calçada do Lorena é ainda o mesmo
descrito pelos viajantes do século XIX e sua configuração é igual ao do desenho feito pelo botânico William John Burchell (Ferrez, 1981:91), em janeiro de 1827. Possui, realmente, três metros de largura, é calçada com pedras de formato quase
redondo (muito difíceis de serem arrancadas do chão), e, nas curvas, a Calçada se inclina para facilitar a descida. Do mesmo modo descrito pelos antigos viajantes, pode-se escutar as conversas acima de nossas cabeças, sem que se veja as pessoas.
Ainda hoje a Calçada nos surpreende pela beleza de suas formas e pela natureza que a cerca: "Com o traçado da Calçada do Lorena, os Oficiais do Real Corpo de
Engenheiros realizaram uma façanha surpreendente: construíram uma estrada que vence a serra de Paranapiacaba sem cruzar, uma vez sequer, um curso d’água. Nessa região o índice pluviométrico é dos mais elevados do país. Em consequência, a serra é
cortada por inúmeros riachos, alguns dos quais dão origem a belíssimas cascatas de pequeno volume (...) Para tanto, elegeram um contraforte, divisor natural de águas, cujo único inconveniente era sua forma abrupta, problema solucionado com o
engenhoso recurso do desenvolvimento em zigue-zague, com o que lograram atingir uma declividade aceitável para o trânsito de mulas" (Toledo, 1975:39).
[30] Em carta endereçada a Martinho de Mello, de 20 de maio de 1790, o governador Lorena afirmava que o engenheiro João
da Costa Ferreira e o ajudante-engenheiro Antônio Roiz Montezinhos "andam concluindo o Caminho da Serra do Cubatão, obra da maior importância para o comércio, e para aumento da Real Fazenda pela
maior frequência de passagens a bem do Contracto do Cubatão de Santos. Sobre esta obra tão necessária e com que meios se tem feito falarei quando estiver concluída em ofício próprio" (Lorena, 1924a:49).
Na carta ao Juiz de Fora de Santos, Sebastião Luis Tinoco da Silva, de 12 de agosto de 1791, o governador Lorena confirmava a conclusão da Calçada: "A obra
da Serra do Cubatão está completamente acabada, e se já está consertado o pequeno espaço do aterrado embaixo em que vmce. me falou não lhe resta mais do que fazer entrega de tudo isto a Câmara dessa Vila pelo melhor modo, e mais público, que
parecer, na inteligência que fica com a obrigação de o conservar, sempre assim, sendo-me vmce. mesmo responsável" (Lorena, 1924a:127/128).
[31] "Recebi a Real Ordem de V. Majestade de nove de maio do ano
passado, em março do corrente, pela certidão inclusa do Escrivão da Junta da Fazenda, faço presente a V. Majestade a despesa, que se fez, na Serra do Cubatão, e no mais Caminho do Pico da mesma, até esta cidade, tendo sido logo restituído ao Cofre
dos Ausentes o resto do dinheiro, que se tinha tomado por empréstimo do referido cofre, para aquele fim; no mesmo documento se vê o dinheiro que tem entrado naquele, até o ultimo de maio, resultante da pequena imposição de quarenta reis por cada um
animal cavalar, e cento e vinte reis posta aos viandantes para total satisfação do empréstimo (...) A utilidade que resulta a Capitania de um caminho fácil para o Porto de Santos, o qual pela sua antiga aspereza era uma barreira contra o comércio,
não é só para os habitantes em particular, mas principalmente para a Fazenda de V. Majestade, como se prova do comércio aqui estabelecido em direitura para Lisboa, pelos direitos que dele resultam, mas assim mesmo os povos interessados são os que
unicamente concorrem" (Lorena, 1924a:75/76).
Em carta ao Tesoureiro dos Ausentes da Praça de Santos, João Manuel Pereira, de 7 de maio de 1792, percebeu que o governador Lorena havia conseguido recuperar os recursos para pagar o
Cofre dos Ausentes: "Logo que vmce. receber esta virá a esta Cidade, e logo requererá no tribunal da Junta da Fazenda a entrega do dinheiro que a mesma Real Junta, fez extrair do Cofre dos Ausentes, por empréstimo, para
os Caminhos da Serra do Cubatão" (Lorena, 1924b:164).
[32] Foi pela Calçada do Lorena que D. Pedro subiu à Serra do Cubatão na manhã de 7 de setembro de 1822 para, poucas horas
depois, proclamar a Independência do Brasil no Riacho do Ipiranga.
[33] Em janeiro de 1839, o pastor americano Daniel Parish Kidder (1815-1891), vindo de Santos, subiu a Serra pela
Calçada do Lorena: "Galga a Serra do Cubatão uma das maiores e mais caras estradas que já se construiu no Brasil. Entretanto, devido a sua enorme declividade não pode ser transitada por veículos.
Compreende cerca de quatro milhas de sólida pavimentação e mais de cento e oitenta curvas em todo o seu sinuoso percurso. A conclusão dessa importante obra mereceu ser comemorada como acontecimento notável na história colonial portuguesa (...)
'O contínuo perpassar dos animais e das enxurradas que de todas as direções se precipitam sobre a estrada, por ocasião das grandes chuvas, tornaram imprescindível a pavimentação dessa
passagem da serra. A despeito da perfeição original do trabalho, continuamente conservado e reparado, encontramos diversas valetas cavadas pela erosão e barreiras que se poderiam chamar colossais, não fossem as suas proporções consideravelmente
reduzidas relativamente à altura das montanhas e aos enormes precipícios que escancaram suas fauces à beira da estrada. Nesses pontos, um único passo em falso precipitaria no vácuo a montaria e o cavaleiro, sem a menor probabilidade de salvação.
"Nossa viagem serra cima fora mais interessante por termos cruzado com numerosas tropas. Primeiramente ouvíamos a voz áspera dos tropeiros, incitando os muares, ressoar muito acima de
nós como se os brados proviessem das nuvens. Logo mais começávamos a distinguir o tropel das alimárias e, finalmente, as avistávamos erectis auribus, quais rodando serra abaixo sob o enorme peso da carga. Enquanto passavam as diversas seções
da tropa era necessário descobrir lugar para ficarmos à espera. O tropel dos animais e a gritaria dos tropeiros perdia-se logo dentro da mataria compacta, lá embaixo. De vez em quando descortinávamos, por entre a folhagem, o panorama da planura ao
pé da serra, limitado ao fundo pelo mar. Contudo, depois de percorrida metade do caminho, tivemos a visão barrada por espessa neblina" (Kidder, 2001:181/183).
O pastor também descreve sua viagem de volta à Santos: "Chegando ao topo da serra demoramo-nos um pouco apreciando a vista magnífica que de lá se descortina,
abrangendo terra e mar. Depois apeamos e fomos descendo a pé, para coligir espécimes botânicas e examinar vários exemplares interessantes que encontramos em diferentes altitudes. Foi ao pé dessa montanha que Burchell, o botânico inglês residiu por
muito tempo numa cabana solitária da qual partia para suas excursões à procura do que havia de belo e raro no mundo vegetal. Grandes grupos de imigrantes alemães trabalhavam no aterrado que vai de Cubatão a Santos"
(Ibid., p.255/256).
[34] "É que, na prática, a área entre São Paulo e Santos continuava
sendo apenas utilizada a serviço de todo um sistema de circulação, dentro do qual os elementos fundamentais eram o porto marítimo (Santos), o pouso de pé-de-serra (Cubatão), o porto seco (São Paulo), e o elo de relação entre eles (o caminho do mar)" (Petrone, 1965b:109).
[35] O historiador Costa e Silva Sobrinho (1957:141) explica que Cubatão, nessa época, pertencia à cidade de São Vicente,
pois, em 22 de agosto de 1803, a Câmara de São Vicente publicou um edital convidando famílias de Iguape a povoar Cubatão, por ordem do governador Franca e Horta.
[36] Eram as famílias de Manuel Antônio Machado, Manuel do Conde Paes, Manuel Espínola Bitencourt, Manuel Corrêa de Melo e
Manuel Raposo (que na verdade chamava-se Antônio Raposo, pois teve o seu nome grafado erroneamente pelo escrivão que registrou a sua carta de sesmaria). Eram no total, entre esposas e filhos, 33 pessoas (Trevisan, 1979:100).
Para justificar a posse das terras (dos antigos jesuítas) pelos colonos açorianos, assim escreveu o Conde de Palma no projeto apresentado na sessão da Junta da Real Fazenda, em 5 de
julho de 1816: "De mais as terras que se pedem não tem benefício algum, são terras brutas sem cultura; a Fazenda Real nenhum interesse tem tirado delas até agora; os terrenos pedidos não obstam a pastagem dos animais
que conduzem os gêneros do nosso Comércio para Santos, antes o aumento de População naquele ponto é de suma utilidade para o mesmo Comércio por muitas, e mais claras razões, que a todos são bem manifestas" (Conde de
Palma citado por Trevisan, 1979:94).
[37] Cubatão era um lugar eternamente provisório, em razão de seu clima quente e úmido, que dificultava as condições de vida
dos seres humanos. A permanência efetiva de uma população em suas terras data apenas do início do século XIX, no Porto Geral do Cubatão, graças, principalmente, à chegada das cinco famílias de colonos açorianos. Ali começa, realmente, a se formar
uma comunidade, um povoado, com tradições e cultura próprios.
[38] Sobre sua viagem de 1818, escreve D’Alincourt (1953:30/32): "Para
montar a grande serra de Paranapiacaba ou do Cubatão, navega-se pelo rio acima, e a pouca distância da Vila [de Santos] entra-se no espaçoso golfo de Caneú (...) Passado o golfo, navega-se por um dos muitos canais, que formam as Ilhas, e entra-se
no Cubatão-Guaçú, que é estreito, e suas margens cobertas de mangues, e no fim de quase quatro léguas de viagem, a contar da Vila, chega-se ao porto, e Registro do Cubatão (...)
"Aqui se pagam direitos de passagem de todos os gêneros, que sobem, e descem a serra: há armazéns, onde os depositam, até que sejam despachados, para serem depois conduzidos aos lugares
de seu destino. Os donos sofrem não pequeno detrimento, por causa da morosa navegação do rio, que muitas vezes é arriscada no trânsito de golfo, e sendo os efeitos, pela maior parte, carregados em saveiros, conduzidos, e governados por negros
naturalmente preguiçosos, gastam em subir quarenta e oito e mais horas fundeando logo que vasa a maré (...) o que bem mostra a utilidade da projetada estrada, cuja abertura principia algum tanto acima do porto do Cubatão, perto da serra, e que fará
necessariamente poupar muito aos comerciantes, em tempo, trabalho, risco, e despesa, pois que, em poucas horas se acham em Santos (...)
"Seguindo-se por terra firme um espaço de quase meia légua do porto, principia-se a subir a formosa e alcantilada serra de Paranapiacaba, ou Cubatão (nome que tem só nestes lugares), a
qual faz parte dessa extensa muralha (...) A subida da serra é assaz íngreme, e em zigue-zague; o terreno é todo coberto de alto e espesso arvoredo. Em alguns pontos passa a estrada junto a medonhos precipícios que se abrem entre monte e monte, e
horrorizam a vista. Tem este caminho a grande vantagem de ser todo calçado, obra utilíssima, e que saneou a dificuldade do trânsito principalmente em tempo chuvoso.
"Chegando-se ao ponto mais alto do caminho, chamado o Pico, e volvendo os olhos ao Oriente, se lhes apresenta um dos mais encantadores, e variados quadros, em que parece se esmerou a Mão
Onipotente, dali se descobrem muitas léguas de mar, até representar confundir-se com a Celeste abóbada. A Costa Atlântica, as diferentes Ilhas que a ornam, os montes, e colinas próximas à barra de Santos, e as praias são os mais remotos pontos, que
enriquecem tão interessante quadro.
"Nota-se depois a Vila de Santos, os rios e ribeiros que serpenteando, cortam o terreno por diversas e agradáveis maneiras; um lindo verde de copadas árvores, já frutíferas, já
silvestres, matiza a superfície de tão delicioso painel; mais próximos se avistam os multiplicados canais do grande lagamar, que parecem espaçosas ruas, dividindo formosos canteiros de um elegante jardim, desta forma se finaliza o país, na
concavidade que faz a serra para o nascente".
José Bonifácio de Andrada e Silva e seu irmão, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, nem notaram o povoado de Cubatão quando desembarcaram no Porto Geral do Cubatão, em sua viagem
mineralógica de 1820: "A 23 de maio de 1820 partimos da Vila de Santos, situada na Ilha de S. Vicente (...) Embarcando-nos numa canoa, chegamos ao porto ou cais do Cubatão, dirigindo-nos para o Sudoeste, primeiramente
por uma corrente de água doce que atravessa pelo mato virgem. Do Cubatão, que se deixa à direita do rio d’água doce, vai-se até ao pé da grande serra de Paranapiacaba ou de S. Paulo, por uma planície que corta a ribeira chamada das pedras, a qual
se precipita dos mesmos montes, por uma grande quebrada" (Silva & Andrada, 1965:503/504).
[39] Em carta ao Sargento Mor Comandante da Praça de Santos, Manoel José da Graça, de 11 de março de 1797, o governador
Lorena se diz satisfeito com a intenção dos moradores de Santos de construir uma picada por terra até Cubatão: "Recebi a carta de vmce. de 3 do corrente mês, em que me participa quererem alguns
moradores dessa Vila fazer um caminho, que venha por terra ao Cubatão, pedindo-me licença para abrir uma picada logo. Vmce, louvará da minha parte os referidos moradores o desejo, que tem de adiantarem os interesses de Sua Majestade, e seus
próprios; e eu me lisonjeio muito de vmce. me ter desempenhado nesse Comando; logo que a picada esteja aberta me participará o resultado" (Lorena, 1924b:355). Apesar do desejo dos comerciantes santistas, o caminho entre
Santos e Cubatão não se concretizou nessa época.
[40] "Este percurso, feito por barcas, era difícil e perigoso.
Muitas vezes o açúcar se molhava; outras, até mesmo se perdia" (Peralta, 1973:51).
[41] "Em outubro de 1826, o porto de Cubatão entrou em crise, devido
à escassez de transporte" (Peralta, 1973:60). Cerca de 19.227 arrobas de açúcar aguardavam embarque no Porto de Cubatão. O aumento de barcas para transportar era insuficiente perto da enorme demanda. Os tropeiros
aguardavam de 10 a 12 dias para embarcar o açúcar para Santos.
O jovem viajante francês, Hércules Florence, esteve no rancho de tropeiros do Cubatão, em 1825, e assim relata sua estada: "(...) presenciando a atividade
que reinava em Cubatão, conheci quanto é ponto frequentado, bem que não seja mais que um núcleo de 20 a 30 casas, mal construídas. É entreposto entre São Paulo e Santos. Durante os oito dias que lá fiquei, vi diariamente chegar três ou quatro
tropas de animais e outras tantas partirem. Cada tropa compõem-se, em geral, de 40 a 80 bestas de carga, guiadas por um tropeiro e divididas em lotes de oito animais que caminham sob direção de um camarada (...) A quantidade de açúcar que
anualmente transita pelo Cubatão é avaliada em 500 a 550 mil arrobas" (Florence citado por PMC, 1974:14/15).
Notou ainda Florence que os tropeiros traziam do Planalto açúcar bruto, toucinho e aguardente, e voltavam com sal, vinho português, fardos de mercadorias, vidros e ferramentas.
[42] "O costume de aterrar manguezais iniciou-se no começo do século
passado, com a finalidade de construir a estrada que possibilitasse o transporte até o porto de Santos, do açúcar e, posteriormente, do café proveniente do Planalto, sem os inconvenientes da condução por embarcações através do rio Cubatão e
estuário. Aquela obra, literalmente faraônica, pelo emprego desumano que fez do braço escravo, pelas epidemias de malária, pela inclemência do clima e pelo ritmo acelerado que lhe foi imposto teve, entretanto, amplitude insignificante em
relação aos aterros praticados recentemente, e ainda em processamento, para instalação e ampliação do parque industrial" (Branco, 1984:87).
[43] Daniel Kidder, em sua viagem de 1839, relata sua passagem pelo Aterrado e pela Barreira: "A estrada era plana até o Cubatão, ora ladeando o rio ora cortando-o sobre pontes. A casa principal dessa vila denominava-se Registro e era onde, além de pagar uma pequena taxa, cada passageiro tinha por obrigação
registrar seu nome e nacionalidade. Logo depois do Cubatão começamos a galgar a Serra do Mar" (Kidder, 2001:180).
[44] "A construção do Aterrado de Cubatão pôs fim ao transporte por
canoas entre Cubatão e Santos. Nem por isso cessou a função fiscal do Registro; a arrecadação de impostos continuou sendo feita durante muito tempo, na margem do rio Cubatão" (Peralta, 1973:75).
[45] Esse engenho, situado na Fazenda de Cubatão de Cima, pertencia ao avô materno de Afonso Schmidt, Sr. Henrique
Brunckenn. Conta Schmidt (1945:204): "A paisagem me é familiar. Nasci na casa grande daquele engenho, paralisado por lhe haverem arrebatado as cachoeiras que moviam sua roda d’água e davam vida à
fazenda Cubatão de Cima".
O poeta cubatense descreve o engenho: "Em frente à casa velha, ficava o engenho, construído em 1842. Era todo de pedra, como se fora casca de tartaruga. Os
beirais largos mostravam cabeças de vigotas, grades de caibros e ripas. Estava parado. Tinham-lhe tirado os mananciais. A porta, muito larga, dava acesso, outrora, aos carros de cana. E na direção da porta aparecia a moenda onde em dias idos a cana
entrava aos feixes, jorrando garapa nos cochos, que se alinhavam na outra banda do edifício. Ao fundo, ficava a roda d'água, há muito paralisada. Entre a casa e o engenho, via-se o rancho dos tropeiros" (Ibid.,
p.163/164).
[46] Em 28 de dezembro de 1847, às 13 horas, o jovem americano de 25 anos, Samuel Greene Arnold, partiu de Santos em
direção a São Paulo, montado numa mula. Às 16 horas chegou ao povoado de Cubatão: "Até aqui gastamos três horas, por um caminho largo, de linhas retas e muito plano, através de uma planície
pantanosa, com espessas moitas e uma vegetação que aumentava a sua exuberância à proporção que nos aproximávamos das montanhas. A povoação é pequena e muito insalubre por causa do calor e dos pântanos" (Arnold citado
por Costa e Silva Sobrinho, 1957:43).
Sobre o caminho que subia a Serra, escreveu: "O caminho, que estava desfeito, sobe pela serra geralmente entre uma margem alta e um valezinho coberto de
árvores, com algumas lindas cascatas. Fora antes terraplanado, mas agora está destruído. As árvores caíram sobre ele, a terra desmoronada impede o trânsito, ou profundas escavações produzidas pelas enxurradas o atravessam tornando a passagem
difícil e até mesmo perigosa. Ficamos logo ensopados, e por isso já não nos interessava que a chuva dure duas ou três horas. As seis horas da tarde atingimos o alto da serra, a uns 2.600 pés de altura" (Ibid., p.43/44).
Pesquisas feitas por Toledo (1975:05) comprovam que a Estrada da Maioridade, ao chegar na raiz da Serra, se fundia com a Calçada do Lorena, nas proximidades do pontilhão, situado,
atualmente, dentro da Refinaria Presidente Bernardes. Mesmo após a construção da Estrada da Maioridade, a Calçada do Lorena continuava sendo utilizada, principalmente nos dias chuvosos, por causa de seu piso de pedras.
[47] O pastor norte-americano, J. C. Fletcher, chegou a Santos no dia 14 de junho de 1855. No mesmo dia, as cinco horas da
tarde, partiu a cavalo em direção a Cubatão. Chegando a Cubatão, já noite, dormiu numa estalagem e, pela manhã, subiu a Serra do Cubatão.
O viajante fez o percurso de Santos a Cubatão considerando-o agradável, talvez em função da hora e do inverno do mês de junho, pois chegando a São Paulo reclamou do rigoroso frio da
capital da província: "Nunca travara conhecimento com um [cavalo] pente de crina, mas percorreu a bela estrada que conduz a Cubatão com uma ligeireza digna de um animal de melhor aparência. Estava escuro quando cheguei
à ponte que atravessa o Rio do Cubatão; e, não tendo certeza de encontrar uma hospedaria, fui à cavalo até uma pequena venda à beira da estrada e minhas perguntas foram respondidas muito satisfatoriamente em francês (...) Ele me dirigiu para uma
estalagem mantida por um alemão, além da ponte. Tendo escrito meu nome no Registro, e tendo pago uma pequena quantia, reclamei pressa e vi-me logo em casa do alemão (...) A estrada que atravessa esta cadeia de montanhas é provavelmente a mais bela
do Brasil, com exceção da estrada Real Imperial para Petrópolis" (Kidder & Fletcher, 1941:59/60).
[48] Em sua viagem de 1860, Zaluar (1975:191/192) descreveu o caminho da Serra e o Aterrado de Cubatão a Santos: "A descida da serra é por um declive bastante rápido, e os caminhos mal conservados ainda mais dificultam a jornada. O trânsito dos passageiros e das tropas é aqui continuado e incessante. Tudo concorre para tornar
muitas vezes até perigosa a estrada, ou antes, os trilhos medonhos desta serra (...) Chegando à base da serra, onde existem uma barreira e se cobra um imposto por animal, para conservação do caminho, entra-se em um pequeno arraial, e depois nesse
imenso aterrado que prende os últimos limites do grande chapeirão da cordilheira do mar aos terrenos baixos do litoral, atravessando um caminho desabrigado e ingrato, exposto aos rigores do sol, e onde se observam apenas dignas de atenção as duas
grandes pontes do Cubatão e do Casqueiro. Depois de duas horas e meia de marcha por esta monótona estrada, entra-se finalmente na cidade de Santos".
O zoólogo suíço, Barão Von Tschudi, embarcou no vapor Piratininga, num sábado, dia 21 de julho de 1860, as duas horas da tarde, em direção a Santos: "Depois
de uma viagem de 28 horas, entramos, domingo às 5 da tarde, no porto de Santos. No dia seguinte, comprei uma boa mula de sela, aluguei as bestas de carga que me eram necessárias, e deixei, terça-feira, dia 24 de julho [de 1860] a cidade portuária,
em companhia do major Von Sukow. Adiante terei oportunidade de falar da estrada que liga Santos a São Paulo, limitando-me aqui a observar apenas que encontrei a estrada que passa pela serra de Cubatão em melhor estado que dois anos antes, mas, em
conjunto, apesar das avultadas somas distendidas na sua construção, quase nada melhor que naquela época. Vencida a serra, descansamos um pouco em Cavieiras" (Tschudi, 1953:121).
Posteriormente Tschudi narra sua viagem de volta a Santos: "No dia 2 de setembro [de 1860], sai bastante tarde de São Paulo, visitei o engenheiro Wieland em
São Bernardo, que trabalhava na construção da linha férrea e cheguei ao alto da serra de Cubatão, no albergue Sansalá, debaixo de nevoeiro denso e forte chuva (...) Na manhã seguinte, fui obrigado a esperar até as 10 horas pela minha bagagem, dado
o mau tempo e as chuvas da véspera. A estrada serra abaixo era um mar de lama (...) Sob uma chuva torrencial, cheguei a Santos, à uma hora, nadando, antes que cavalgando" (Ibid., p.209).
[49] Mesmo na iminência da construção de uma estrada de ferro, a Estrada da Maioridade foi toda remodelada por José Vergueiro,
entre 1862 a 1864, sendo denominada Estrada do Vergueiro.
Em carta à Henrique Feiuss, Visconde de Taunay descreveu sua viagem pela Estrada do Vergueiro, em abril de 1865: "A estrada do Cubatão pareceu-nos o caminho
do paraíso, como o descrevem as velhas crônicas da Idade Média. Caro amigo, desejamos aos nossos inimigos o trânsito continuo por ele, em carroças sem molas e com maus animais. Não há suplício comparável. Ora o carro, com dolorosos gemidos,
elevar-se às nuvens e galga alturas imensas, ora submerge-se e parece entranhar-se nas profundezas da terra, sempre tangenciando precipícios insondáveis e sempre sujeito a inclinações vagarosas (...) Embora melhorado pela empresa Vergueiro, está a
estrada bastante má, pelo que é possível o seu completo abandono, depois que a estrada de ferro tiver funcionando alguns anos mais" (Taunay citado por Netto, 1950:07).
Paulo Prado em seu livro Paulistica, de 1934, comete uma série de erros sobre a história dos caminhos da Serra do Cubatão, fruto, talvez, de uma leitura breve dos acontecimentos.
[50] Sobre as conversas que teve com o Marquês de Monte Alegre e o Marquês de S. Vicente, escreveu Mauá (1996:104): "Foi objeto frequente de nossas conversas durante o ano de 1855 a construção de uma estrada de ferro que, partindo de Santos, galgasse a serra do Cubatão, e pela linha mais reta se dirigisse aos distritos mais
produtivos da província de S. Paulo, onde a cultura do café começava a desenvolver-se em condições tão favoráveis, que prometia à província um futuro dos mais esperançosos".
[51] A ferrovia é assim descrita, de forma entusiasmada, por Castro (1979:49): "Das ferrovias do café, coube aos ingleses a construção da mais importante e lucrativa de todas – a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, construída pela São Paulo Railway Company, na década de 1860. Para ela, convergem várias ferrovias
do interior do Estado, e é ela que leva o café ao Porto de Santos, tornando seus 139 km decisivos, desde 1868, para a cafeicultura paulista (...) Durante os oito anos de construção, a ferrovia enfrentou vários problemas de ordem financeira e
técnica (...) Para executar a obra foi necessário contornar inúmeros problemas técnicos tais, como: escalar 2.530 pés em 5 milhas, o que se conseguiu construindo uma série de planos inclinados, lutar contra as chuvas torrenciais, o caráter
escorregadio do solo, e os desabamentos".
Para Fernando de Azevedo, a estrada de ferro "(...) é uma obra admirável de engenharia, quer pelo seu traçado, quer por suas obras de arte, por seus túneis,
viadutos e muros de arrimo através da Serra do Mar que teve de galgar, com o sistema funicular em planos inclinados, e escalando em 10 km a garganta na altitude de 800 metros, que dá acesso ao planalto" (Azevedo citado
por Castro, 1979:50).
No mesmo ano de sua inauguração, Visconde de Taunay desceu a Serra do Mar pela São Paulo Railway: "Esses trabalhos são admiráveis e as perspectivas
gigantescas: obras monumentais, que vencem o dorso arqueado da serraria e cujo maior inconveniente para o viajante é prenderem de tal modo a atenção que o maravilhoso panorama do Cubatão fica-lhe completamente perdido"
(Taunay citado por Netto, 1950:07).
[52] "Pela estrada de ferro, a viagem entre Santos e São
Paulo era feita em duas horas e meia (...) A estrada de ferro a que nós referimos escalava a serra mediante cabos de aço que, puxados por grandes máquinas estabelecidas em cinco planos, arrastavam os trens pela encosta acima" (Schmidt, 1949:32).
Dado o enorme movimento, entre 1896 a 1901, a estrada de ferro é duplicada e se constrói um novo plano inclinado na Serra, com sistema de cabo sem fim, em oposição ao sistema
de tração funicular. Ambos os sistemas de tração passam a coexistir. O novo sistema tem 10 km de extensão, 13 túneis e mais uma estação (Piassaguera), próxima ao Rio Mogi. A nova linha na Serra passou a ser conhecida como Serra Nova, e a
antiga, de Serra Velha (Peralta, 1979:52).
A São Paulo Railway, velha e desgastada, e em situação financeira gravíssima, foi encampada pelo Governo Federal, em 13 de outubro de 1946, retomando seu nome originário: Estrada de
Ferro Santos-Jundiaí. A partir de 1957, a ferrovia passou a fazer parte da Rede Ferroviária Federal S/A.
[53] "Dado o volume de produção e exportação da Província de São
Paulo, essa Barreira, na época de sua extinção, era uma das mais rendosas do país" (Peralta, 1973:77).
Podemos ter uma ideia do que era Cubatão, após a inauguração da Estrada de Ferro, através de Azevedo Marques, cuja obra foi concluída em 1872: "Pequena
população existente na fralda da serra de Paranapiacaba, na antiga estrada entre Santos e a capital da qual fica ao sul, à margem do rio que lhe dá o nome, em terrenos concedidos a Pedro de Góes e Francisco Pinto, por Martim Afonso de Souza, quando
esteve em São Vicente (...) Posteriormente os jesuítas o foram obtendo parcialmente, já por doações, já por compra, já finalmente por demandas, até que se acharam exclusivos possuidores. De então em diante fizeram por muitos anos monopólio das
passagens de pessoas e cargas, que transitavam de Santos a São Paulo e vice-versa. Com a extinção da Companhia de Jesus e incorporação de seus bens ao Estado, foram estas terras invadidas por intrusos e alguns foreiros (...) Neste lugar acha-se
estabelecida uma barreira para cobrança de taxas de passagens pertencente à Fazenda Provincial (...) A população orça por 2.000 almas. Tem duas escolas públicas de primeiras letras para ambos os sexos" (Azevedo Marques,
1953:208).
Em sua dissertação de mestrado de 1985, intitulada "Abastecimento em São Paulo: 1835-1877 (Estudo histórico do aprovisionamento da Província via Barreira de Cubatão", FFLCH/USP,
Francisco Alves da Silva desenvolve melhor o que representou a Barreira do Cubatão para a Província de São Paulo no século XIX.
[54] "Como observou Almeida Nogueira, os fazendeiros e tropeiros,
não podendo desfazer-se, de um momento para outro, de suas tropas cargueiras – que representavam capitais consideráveis -, continuaram com seus serviços de transporte de mercadorias, a preços mais baixos, fazendo, nos primeiros anos, bastante
concorrência à Estrada de Ferro Inglesa. E ainda em 1870, o Presidente da Província, Antônio Cândido da Rocha, afirmava que o Caminho do Mar não devia ser abandonado, apesar da existência da via férrea, não só porque representava um grande capital,
como porque também podia servir nos casos, então, frequentes, de acidentes no trafego ferroviário" (Santos, 1986:122). Toledo (1975:37) diz que o golpe final na antiga Calçada do Lorena só veio mesmo com a construção da
estrada de ferro, de 1867.
[55] Entende-se por sambaquis os depósitos de conchas de moluscos, ostras e berbigões, entulhados pelo homem
pré-histórico como um lixão. Possivelmente esses homens primitivos foram esmagados por grupos de cultura superior, ascendentes de nossos índios. Os primeiros habitantes portugueses de nosso litoral já faziam referência aos sambaquis
de Cubatão: Anchieta, Nobrega, Gabriel Soares e Madre de Deus.
Em 1928, o americanista francês Paul Rivet visitou os sambaquis de Cubatão: "A exploração científica dos sambaquis do litoral brasileiro apresenta enorme
interesse, como verifiquei pessoalmente, visitando os sambaquis de Cubatão, perto de Santos (...) Um estudo sistemático desses depósitos forneceria seguramente dados capitais para a solução das origens do homem americano" (Rivet citado por Andrade, 1975:12).
A partir de 1963, o sambaqui de Piaçaguera começou a ser pesquisado. Trata-se de várias camadas de conchas de ostras que atinge a altura de mais de 3 metros. A datação radiocarbônica
constatou a idade do sambaqui de 2.980 a 2.940 a.C., entre a primeira e a última camada. Ou seja, esses homens pré-históricos viveram neste local por apenas 40 anos. Além de conchas foram encontrados martelos, machados e facas de pedra (Andrade,
1975:11/26). O sítio arqueológico do Casqueirinho se situa na atual área pertencente à siderúrgica Cosipa. Um outro sítio arqueológico de Cubatão, o chamado morro da Casqueira, situado na reserva de Cutiapará, já havia sido visitado pelo
historiador Francisco Adolfo Varnhagen, em outubro de 1840 (Costa e Silva Sobrinho, 1957:56).
As escavações dos sambaquis de Piaçaguera duraram cinco anos (1964-1969). Foi descoberto acidentalmente quando um trator da Cosipa escavou uma parte de terra, de onde afloraram vários
esqueletos humanos. No total foram encontrados 87 esqueletos: 31 crianças, 2 jovens e 54 adultos (Branco, 1984:30/31). "A expectativa de vida era de, aproximadamente, 21 anos, e apenas 8,7% atingiram a idade de 55 anos,
considerada uma população original de 100 indivíduos" (Uchôa et al., 1987:.82).
Foi encontrado também no sambaqui do Casqueirinho as ruínas de um forno de cal: "A presença de sambaquis na Ilha do Casqueirinho, propiciou a utilização da
matéria-prima, as conchas, para a fabricação de cal, pelos portugueses, provavelmente nos séculos XVII e XVIII. A primeira etapa de pesquisa arqueológica, realizada em março de 1987, evidenciou no interior e no exterior do Forno e no seu
entorno, o seguinte: estruturas e divisórias de pedras (blocos e gnaisse), presença de conchas moídas e calcinadas, paredes de pedras com argamassa conchífera, e a presença de material cerâmico (telhas) em abundância"
(Andreatta, 1987:53).
Para Uchôa (1987:35), a caieira "(...) é o remanescente da ocupação da época colonial, representado pela consolidação das ruínas de um forno de cal e anexos,
construídos pelos portugueses no século XVII ou XVIII, junto aos sambaquis". A presença da caieira confirma a existência da primeira indústria de Cubatão: "A Ilha apresenta o
testemunho de duas fases de ocupação humana: os sítios do tipo sambaqui revelam a presença de grupos pré-históricos, e as ruínas de um forno de cal (caieira) localizados junto ao sambaqui Cosipa-1, a presença dos portugueses, que utilizaram como
matéria-prima as conchas dos sambaquis, implantando nos séculos XVII ou XVIII a primeira indústria da ilha" (Uchôa & Garcia, 1986:43).
Frei Gaspar da Madre de Deus, nascido em Santos no início do século XVIII, escreveu sobre os sambaquis da região: "Tanta é a antigüidade destas Ostreiras,
que a umidade pelo decurso dos tempos veio dissolver as conchas de algumas delas, reduzindo-as a uma branda massa, a qual, petrificando-se pouco a pouco com o calor, formou pedras tão sólidas que é necessário quebrá-las com marrões ou alavancas,
antes de as conduzirem para os fornos onde as resolvem em cal. Destas conchas dos mariscos que comeram os índios, se tem feito toda a cal dos edifícios desta Capitania, desde o tempo da fundação até agora, e tarde se acabaram as Ostreiras de
Santos, S. Vicente, Conceição, Iguape, Cananéia, etc. Na maior parte delas ainda se conservam inteiras as conchas, e em algumas delas acharam-se machados, pedaços de panelas quebradas e ossos de defuntos; pois que, se algum índio morria ao tempo da
pescaria, servia-lhe de cemitério a Ostreira, na qual depositavam o cadáver e depois o cobriam de conchas" (Madre de Deus, 1953:45/46).
[56] A Serra do Mar oferece quatro passagens naturais entre São Paulo e Santos: 1- vertente direita do Rio Cubatão, hoje
ocupada pelo ramal Mairinque-Santos da Estrada de Ferro Sorocabana; 2- vertente esquerda do Rio Cubatão, chamada Serra do Cubatão, hoje ocupada pela Via Anchieta; 3- vertente esquerda do Rio Mogi, chamada Serra do Morrão, ocupada pela Estrada de
Ferro Santos-Jundiaí; 4- vertente direita do Rio Mogi, chamada Serra do Mogi, onde ficava a antiga Trilha Tupiniquim (Rodrigues, 1965:30/31).
[57] Desde 27 de fevereiro de 1886, não existia mais escravos em Santos (Schmidt, 1945:74). O Aterrado de Cubatão se tornou o
caminho da liberdade para os escravos fugitivos.
[58] Na sua viagem de 1860, Zaluar (1975:194) não identifica ainda a cultura da banana, mas somente o café, o arroz, o chá e a
cana.
[59] O número de negros em Cubatão sempre foi reduzido. A escravidão não era bem vista no povoado, como também o preço dos
escravos era incompatível com o poder econômico dos comerciantes e agricultores. A mão-de-obra empregada nos bananais foi, basicamente, composta de imigrantes portugueses.
[60] Peralta (1973:79) conclui que a "existência de Cubatão foi
sempre marcada pela sua localização, exercendo desde o início da colonização, função de fundamental importância como elo de ligação entre São Paulo e o porto marítimo de Santos".
A evolução dos meios de comunicação e transporte na Serra do Mar de Cubatão é assim sintetizada por Petrone (1965b:132): "Passa-se de caminhos onde os
viandantes galgavam a Serra com o auxilio não apenas das pernas, mas também das mãos, para o zigue-zague e lajes da Calçada do Lorena; das voltas superpostas da estrada da Maioridade para os túneis, pontes e viadutos da Via Anchieta, do sistema de
planos inclinados e túneis da Santos-Jundiaí para a simples aderência e sequência de túneis da Mairinque-Santos".
Petrone, por fim, confessa sua admiração pelo colosso dos meios de comunicação que cortam a Serra do Mar: "Percorra-se a área entre São Paulo e Santos,
observando os fatos relativos à circulação, e ter-se-á ideia de um dos mais significativos feixes de comunicação e transporte do globo" (Ibid., p.131). |