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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Um tango para a Vila Parisi (1)

Foi criado pelo músico e maestro santista Gilberto Mendes

Contestador e polêmico, o músico e maestro Gilberto Mendes, de Santos, revoltou-se com a situação em que viviam os moradores da antiga favela de Vila Parisi, enclave residencial em meio às indústrias pesadas cubatenses. Então, criou uma peça musical e cênica, que denominou O último tango em Vila Parisi, assim descrita por ele na primeira edição da revista cultural santista Artéria, em agosto de 1990:


Ilustrações: Seri e Morel, publicadas com a matéria

O último tango em Vila Parisi

Gilberto Mendes
Ilust. Seri e Morel

O Último Tango em Vila Parisi teve sua estréia mundial durante o Festival Música Nova de 1987, no dia 21 de agosto, na sala Cidade de São Paulo, pela Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob minha regência (também atuei como ator e dançarino) e com a participação, como atores e dançarinos, da violinista Chang Chung Mei e do violinista Jean Pierre Kaletrianos.

Misto de abertura trágica à la Brahms e divertimento à la Mozart, é evidentemente uma música de protesto. Não sou propriamente um compositor de música politicamente engajada, como o foram, por exemplo, Hanns Eisler, Cornelius Cardew. Mas sou uma pessoa politicamente engajada. E minha música, sempre que tomo uma posição política, reflete em parte essa atitude.

Já nos anos 50 compus algumas canções com essa preocupação política, como Lamento (sobre um velhíssimo texto chinês de Tchu Iuan), Peixes de Prata (texto de Antonieta Dias de Morais, poeta santista), Pedro Meu Amigo (texto de Tereza de Almeida, também de Santos, homenagem minha e de Tereza ao nosso amigo Pedro Motta Lima, grande jornalista carioca, comunista, que vinha clandestinamente nos dar aulas de marxismo, e fora anistiado pelo presidente Kubitschek). Fala Inicial do Cancioneiro da Inconfidência (de Cecília Meireles), cantata para soprano, coro masculino e grupo instrumental, ainda não tocada.

Mais recentemente, por ocasião do movimento Diretas Já, voltei a me empolgar politicamente e compus obras engajadas, Mamãe, Eu Quero Votar, Vila Socó, Meu Amor (textos meus), Enigmao (texto de Florivaldo Menezes), Vão Entregar as Estatais (já entregaram, neste Brasil "Novo"; texto meu, profético!), todas para vozes corais. E um Tango, encomendado pelo pianista norte-americano Yvar Mikhashoff, The Three Fathers, peça para piano em homenagem aos três padres ministros do governo sandinista da Nicarágua (Ernesto Cardenal, Fernando Cardenal e Miguel D'Escoto) estreada no Festival da The New York University at Buffalo, Estados Unidos.

Mesmo uma obra como Beba Coca-Cola, que compus sobre o texto de Décio Pignatari, envolve uma denúncia contra uma multinacional. Nascemorre (texto de Haroldo de Campos), Vai e Vem (texto de José Lino Grünewald), é a dialética da vida. Vila Parisi, nem é preciso explicar...

No meio do detalhamento da sua obra, Gilberto Mendes informa que no Prólogo o regente diz, dramaticamente:

"Vila Parisi fica no Município de Cubatão, cidade internacionalmente conhecida por ser a mais poluída do mundo. Miserável vila operária de uma tristemente famosa cidade! Quando penso nos trabalhadores que ali vivem, não posso deixar de me lembrar daquele poema de Manuel Bandeira, Pneumotórax, e imagino um desses trabalhadores no consultório médico, sendo examinado, tosse, tosse, tosse, diga 33, pede o médico, respire, o senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito totalmente infiltrado por gases tóxicos industriais. Não dá pra tentar o pneumotórax? pergunta aflito o trabalhador. Não, responde o médico, o único negócio a fazer é tocar um tango argentino".

Com expressão de desalento o regente volta-se para a orquestra.

Veja mais:
Detalhamento de O último tango em Vila Parisi

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