Sítio Cotia-Pará pode virar um parque
arqueológico devido aos sambaquis existentes na região e que preservam informações sobre o passado
Foto: Paulo Freitas, publicada com a
matéria
CIÊNCIA
Ocupação na região começou por Cubatão há
cinco mil anos
Tese de pós-doutorado em
Arqueologia, defendida no Museu Nacional de História Natural de Paris, altera visão do passado. Os primeiros habitantes ficavam nas proximidades da
Serra do Mar apenas no verão e outono, aproveitando a abundância de alimento
Manuel Alves Fernandes
Da Redação
A ocupação humana na
Baixada Santista começou por Cubatão, logo após o período de degelo terrestre. "Eu nasci há dez mil anos atrás (e não tem nada nesse mundo que eu
não saiba demais)". O estribilho dos versos da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho certamente poderia descrever a saga dos sambaquieiros, índios
pré-históricos que viveram na Mata Atlântica entre 6 mil e 3 mil anos antes de Cristo, e vinham para o litoral no verão, a partir do recuo e,
depois, do avanço do mar, de onde tiravam seu alimento.
Deixaram como testemunho do seu tempo os sambaquis (que, em língua tupi, quer dizer
monte de conchas). Sob esses concheiros ou casqueiros (que na região batizariam o Rio Casqueiro), foram sepultados vários corpos desses habitantes
de todo o litoral brasileiro, em meio a materiais orgânicos e calcários que, empilhados ao longo do tempo e sofrendo a ação da intempérie,
acabaram por sofrer uma fossilização química, petrificando os detritos e ossadas. Tudo isso é fato comprovado.
Mas agora o arqueólogo Manoel Gonzalez possui dados que mudam esta versão, a partir de
análises que fez, na França, de otólitos, ossos petrificados de peixes que serviam de alimento para esses homens pré-históricos.
Os ossos de ouvidos de corvinas "contaram" que os primeiros cubatenses viviam na
região só na primavera e no outono, e não no verão. Aproveitando a abundância de alimentos e com uma dieta equilibrada (caranguejos, mariscos, raias
e tubarões, raízes e frutas).
5 metros |
acima do nível atual, estava o mar na região, deixando Santos e S. Vicente submersos e
Praia Grande, Guarujá e Cubatão parcialmente sob o oceano |
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Anéis de crescimento - Gonzalez passou três meses em Paris, onde fez
pós-doutorado em Arqueologia no Muséum National d'Histoire Naturelle (Museu Nacional de História Natural de Paris), obtido neste ano, a partir da
defesa de tese usando material arqueológico encontrado em Cubatão. Sua tese muda teorias sobre a pré-história brasileira.
"Eu trabalhei com anéis de crescimento dos otólitos (ossos do ouvido) de peixes
encontrados no Sambaqui Piaçagüera (localizado próximo à antiga usina da Cosipa, hoje Usiminas), que têm datação de 5 mil anos antes do presente".
Nesse período geológico, o nível do mar na região estava cinco metros acima do atual.
"Ou seja, Santos, São Vicente e parte de Praia Grande, Guarujá e Cubatão, não existiam. Estavam submersas. Foi o chamado ótimo climático. Ocorreu
após a glaciação por volta de 10 mil anos antes do presente. Nessa época, ocorria o contrário. A região era mais ampla. A praia estava 30
quilômetros além do que está hoje. Com o derretimento das calotas, a água avançou até a base da Serra, em Cubatão".
Os otólitos examinados se constituem de ossos fossilizados de peixes, na maioria
corvinas, encontrados nos monturos que caracterizam os sambaquis, depositados nessa área, juntamente com conchas, utensílios e restos humanos dos
primitivos habitantes de Cubatão.
Todos esses ossos permanecem no local. "Dos otólitos, eu analisei os isótopos de
Oxigênio 18 e Carbono 13, em sofisticados equipamentos instalados nesse museu, que me forneceram informações sobre o meio-ambiente da época".
Na primavera - Segundo o arqueólogo, quando esses pequenos caçadores e
pescadores viviam na região, a água do mar estava em sua temperatura máxima com 32 graus e mínima de 24 graus. Foram essas águas quentes produzidas
por influências climáticas na região central do Globo que contribuíram para o descongelamento.
"Esse descongelamento das calotas polares está relacionado com a temperatura das águas
na linha do Equador e dos trópicos, pois a corrente que vem da África e se divide em duas no Brasil, leva a água quente para os pólos, causando o
degelo".
As amostras coletadas por Manoel Gonzalez revelaram também que os homens do sambaqui,
apesar de terem a prática de serem canoeiros, não pescavam no mar (raramente), e sim no estuário, próximo aos sítios. É outro ponto discordante das
teorias atuais.
"A região era mais ampla. A praia
estava 30 quilômetros além do que está hoje"
Foto: Paulo Freitas, publicada com a
matéria
ENTREVISTA - MANOEL MATEUS BUENO
GONZALEZ, arqueólogo
"Os sambaqueiros ensinaram o respeito à
natureza"
O arqueólogo Manoel Gonzalez garante que os sambaquis encontrados na região indicam
que o berço da civilização na Baixada Santista começou em Cubatão.
Biólogo por formação, 34 anos, casado com a cubatense Milene Gonzalez, duas filhas
(Manuela e Maria Antonia), Manoel Gonzalez possui graduação em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995),
doutorado em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (2005) e pós-doutorado em Arqueologia pelo Muséum
National d'Histoire Naturelle de Paris (2009).
Seu objetivo agora é levar aos moradores da região o conhecimento do patrimônio
cultural e pré-histórico existente em Cubatão, com a criação - já proposta à prefeita Marcia Rosa e à secretária municipal de Cultura, Marilda
Canelas - de um parque arqueológico no entorno do Sítio Cotia-Pará e no Vale Verde.
Por que escolheu Cubatão como trabalho da tese?
Porque o sambaqui de Piaçagüera, estudado nas décadas de 1960 e 1970 pela professora
Dorath Pinto Uchôa, tem comprovadamente 5 mil anos.
Qual o cerne da tese?
Desenvolver trabalho de reconstituição palioambiental, para tentar reproduzir como era
o ambiente naquela época, quando o mar estava cinco metros acima do nível atual.
Como se pode ter certeza disso?
Há 10 mil anos era uma época de glaciação e o mar recuado permitia terra até a altura
da Laje de Santos. A nossa tese é que nessa época já existiam os caçadores-coletores no planeta; e, na região, os pescadores-coletores, que
construíram os sambaquis. Não plantavam nem caçavam. Viviam de uma economia perfeita. Coletavam frutos, comiam mariscos e pescavam só o que
necessitavam para alimentar o corpo.
Como é possível provar?
Com o fim da glaciação, ocorreu o ótimo climático e o mar subiu cinco metros acima do
nível atual. Os habitantes primitivos passaram a ocupar esta região. Deixaram seus mortos nos montes de cascas de marisco que seria mangue três mil
anos antes do presente. Esses sambaquis, um deles recentemente descoberto por nós no Cotia-Pará 2 (região do atual parque ecológico), tinha 20
metros de altura, para ser visto de longe e permitir que os ocupantes também vissem os inimigos. Em maio vamos começar as pesquisas nesse sambaqui.
Creio que é o maior sambaqui até agora descoberto em São Paulo. Todo o material será levado para o Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas do
Nupec, onde estará, após sua análise, disponível aos munícipes da Baixada.
Que mensagem os sambaqueiros deixaram?
Respeito à natureza. Retiravam do meio-ambiente só o que necessitavam para viver. |