INSCRIÇÃO DE 1790 - Washington Luís, estudioso de nossa história, passou dias em
pesquisa na Serra de Paranapiacaba. Nessa ocasião encontrou, entre outras, esta pedra que pertenceu ao antigo Monumento do Lorena mandado construir
pela Câmara de São Paulo na Calçada em 1790 (Arco do Lorena)
Foto e legenda: O Caminho do Mar - Subsídios para a História de Cubatão
A Calçada do Lorena - A obra mais importante realizada no caminho São
Paulo-Cubatão, na era colonial, foi a Calçada do Lorena (55).
Bernardo José Lorena, mais tarde Conde de Sarzedas, situa-se entre os mais beneméritos
governantes, contribuindo decisivamente para a consolidação da estrada São Paulo-Cubatão. Toda sua ação foi orientada no sentido de favorecer os
agricultores de serra-acima.
Lorena foi descrito por Wendel da seguinte forma: "era fidalgo da mais
alta estirpe, jovem, enérgico e cheio de entusiasmo, deu nova vida ao ambiente estagnado de S. Paulo. Com suas utilíssimas construções e obras
públicas, foi ele um dos precursores dos futuros urbanistas da cidade. Era estimado pela sisuda burguesia, que perdoava suas aventuras amorosas um
tanto turbulentas" (56).
Seu principal empreendimento, que perpetuou seu nome, foi a estrada empedrada
(calçada) da Serra de Cubatão. Vendo a insuficiência dos consertos anteriores e o aumento do comércio do Porto de Santos, decidiu construir uma
estrada, que fosse resistente para resolver o problema do tráfego. Para esse trabalho, incumbiu o engenheiro João da Costa Ferreira, que iniciou os
trabalhos em 1790.
Foi utilizado, inclusive, para o caminho da Serra do Cubatão, o produto
das heranças, embora houvesse uma provisão nesse sentido, datada de 5/1/1728, que proibia a retirada, do cofre, do "dinheiro dos ausentes", por mais
urgente e relevante que fosse a necessidade (57).
Em 1792, Lorena conseguiu realizar essa notável obra, satisfazendo os anseios dos
plantadores de cana.
Essa não foi a única obra de Bernardo de Lorena em atendimento aos agricultores. Quase
todas as medidas econômicas por ele adotadas, como veremos mais adiante, comprovam a grande influência dos agricultores do açúcar sobre o governador
da Capitania.
Em carta a Martinho de Melo e Castro, Bernardo Lorena dá notícia da conclusão do
Caminho de S. Paulo a Cubatão Geral da Vila de Santos, dizendo que podia-se viajar até de noite por ele. A estrada estava toda calçada, de largura
que podiam cruzar duas tropas de bestas sem pararem. O péssimo caminho antigo e os precipícios da Serra, bem conhecidos, eram o mais forte obstáculo
ao comércio; como agora já se tinha vencido este problema, tudo ficava fácil.
Os tropeiros deveriam pagar como indenização uma pensão de $ 40 por besta
e $ 120 por cabeça de gado até completar o total despendido com a obra (58).
Segundo Bernardo Lorena, não sentiriam dificuldade em tal pagamento, pois levariam
mais carga e o transporte seria mais rápido.
Embora nessa época já houvesse um trânsito regular de
animais de carga (59) entre São Paulo e Cubatão, continuava a se fazer largo
uso dos ombros do índio, como podemos perceber pela ordem de Bernardo de Lorena, aos diretores das aldeias de índios de sua jurisdição, para
enviarem 16 índios para Cubatão, para levarem para S. Paulo o azeite que havia chegado, pertencente à Fazenda Real (60).
As câmaras de Santos e serra-acima se encarregariam da conservação
(61). Contudo, passada a euforia da construção, o compromisso não foi cumprido e as
ordens de Bernardo de Lorena não foram executadas. As câmaras, encarregadas da conservação da estrada, logo abandonaram sua missão. Apareceram os
primeiros buracos e foram somados a outros e mais outros.
Bernardo de Lorena chegou mesmo a afirmar que o comércio da Capitania dependia da
estrada do Cubatão e pedia para a Fazenda Real se encarregar dele.
"Da perfeição desse caminho depende inteiramente o comércio que aqui se
acha estabelecido para esse Reino, e é conseqüência de maior necessidade para os reais interesses que sua Majestade ordene a sua conservação"
(62).
Assim, abandonada pelas câmaras, a conservação da Calçada ficou a cargo da
Fazenda Real. A despesa com a conservação dessa estrada era considerável, pois Bernardo Lorena, em carta de 20 de abril de 1796, a Luiz Pinto de
Souza, chegou a afirmar que os gastos da Real Fazenda, com sua conservação, na estação da seca, chegaram a mais ou menos duzentos mil réis
(63).
Os impostos cobrados para a conservação eram os seguintes:
Açúcar |
$ 040 por arroba |
Fazendas de lã |
$ 080 por arroba |
Sedas, cambraias, fustões e fazendas finas de algodão e enfeites |
$ 160 por arroba |
Outras mercadorias |
+ $ 020 por arroba |
Milho, farinha, francos e galinhas nada pagavam (64) |
Nos primeiros anos, a conservação era feita com certa regularidade; mais
tarde, porém, o caminho foi abandonado devido à falta de mão-de-obra. Esta era empregada na lavoura de açúcar. As lajes da calçada se deslocaram e a
subida ficou praticamente tão difícil como antes (65).
A intensificação do comércio açucareiro, devido à grande produção, provou
ser a calçada do Lorena insuficiente. Tornava-se necessário uma estrada para carros. Tal empreendimento era impossível nessa estrada, os trechos
ziguezagueados não permitiam a passagem de carros (66).
Essa estrada chegava até onde se ergue hoje o Cruzeiro Quinhentista, em
Cubatão. Bernardo de Lorena mandou ainda formar um pasto, no porto de Cubatão, para alimentar os animais (67).
Não podemos deixar de admirar essa grandiosa obra realizada por Bernardo de Lorena.
Contudo, ela não resolvia, definitivamente, os problemas do comércio entre São Paulo e o Porto de Santos, em constante e rápido desenvolvimento. Uma
parte importante dessa ligação ainda estava por se fazer.
Os sucessores e Lorena continuaram a se preocupar com o problema, e
algumas vezes chegaram mesmo a minimizar seu esforço. É o que podemos concluir, quando Melo e Castro (68),
em sua Memória, se refere à calçada do Lorena como conserto do caminho.
Antonio Manuel de Melo Castro e Mendonça assumiu o governo em 26 de junho de 1797;
como militar que era, fez violento recrutamento para as campanhas do Sul.
Como homem prático e preocupado com problemas de ordem econômica, mandou
melhorar e estrada, de S. Paulo até a raiz da Serra, construindo, em lugares próprios, ranchos para abrigo de tropeiros e para guardar o açúcar que,
mal acondicionado, se desvalorizava muito, quando exposto à umidade (69).
Enfim, uma parte importante do trajeto, mal ou bem, ia sendo melhorada. Resta-nos
tratar do outro lado da viagem, a parte aquática, até o porto marítimo, cuja problemática não era de fácil solução, e cujas dificuldades aumentavam
cada vez mais.
Notas bibliográficas:
(55)
Govern. da Cap. de 1788-1797.
(56)
Wendel, op. cit. p. 92.
(57)
D.I. vol. 45, p. 76/77 - Corresp. de B.J.Lorena, 1788/1797, S. Paulo, 1924 - carta de 9/5/1791.
(58)
Carlos Borges Schmidt - Tropas e Tropeiros, in Boletim Paulista de Geografia, nº 32, São Paulo, julho de 1959, p. 36.
(59)
Sérgio Buarque de Holanda afirma que as cavalgaduras só se desenvolveram em S. Paulo no século XVIII, pois anteriormente, devido à capacidade do
paulista de vencer grandes distâncias, só se andava a pé (afinidade com o índio) - Caminhos e Fronteiras - Livraria José Olympio Editora,
Rio, 1957. As cargas eram levadas de preferência nos ombros dos escravos e administrados; os passageiros eram levados em redes.
(60)
D.I. vol. 45, p. 11.
(61)
D.I. vol. 55, Corresp. recebida e expedida pelo gal. Bernardo José de Lorena, governador da Capitania de S. Paulo, durante seu governo,
1788-1797, S. Paulo, 1924, p. 70 e 71 - carta de 15/2/1792.
(62)
D.I. vol. 45 - corresp. B.J. Lorena 188-1797, São Paulo, 1924, p. 186.
(63)
Idem, ibidem.
(64)
In Boletim Paulista de Geo. nº 32 - Tropas e Tropeiros, Carlos Borges Schmidt, S. Paulo, julho-1959, p. 3 a 53.
(65)
Afirmação feita por Hercules Florence ao passar ali em 1825.
(66)
Jornal O Reformador, edição especial, Cubatão, 9/4/1952, Cubatão quer ser Município.
(67)
D.I., vol. 29, p. 1114 - Memória... 31/1/1799.
(68)
Governou a Capitania, de julho de 1797 a 1802, cognominada Pilatos.
(69)
Guilherme Wendel, p. 93. |