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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO: BILLINGS & BORDEN
Revista em quadrinhos conta essa história (1)

Em 1962, a Editora Brasil-América Ltda. (Ebal), da Guanabara, produziu uma edição especial de uma de suas revistas em quadrinhos, com a história dos pioneiros da eletrificação do Brasil, especialmente Asa Billings. A editora não mais existe, o estado foi incorporado pelo Rio de Janeiro. As imagens desta e das próximas páginas são dessa publicação, de que também foi compilado o texto a seguir:


Esta história envolve, principalmente, duas cidades e os parques industriais que cresceram à volta delas - e a vida de um homem que ajudou a abrir-lhes o caminho do progresso.

Há quatrocentos anos, o Brasil ainda era uma imensidão selvagem, que a civilização apenas principiava a arranhar, numa estreita faixa litorânea. No interior havia ouro, diamantes, o El-Dorado - mas no caminho se erguia, íngreme e proibitiva, a crista da Serra do Mar. Entre os primeiros a vencer o maciço, estavam os padres da Companhia de Jesus. No planalto que se seguia à Serra do Mar, os jesuítas fundaram um colégio.

No princípio, havia, apenas, uma cruz, uma capela, alguns padres, muitos índios e projetos. Ali começaram a construir um povoado que depois se transformou em cidade, recebendo o nome de São Paulo.

Com o passar dos anos, ela foi crescendo. Em 1560, absorveu os habitantes da Vila de Santo André. Do alto de suas paliçadas, dois anos mais tarde, o Capitão João Ramalho comandava a mais ocidental fortaleza d'El-Rei de Portugal.

Durante os dois séculos que se seguiram, foi de São Paulo que o movimento bandeirante, já agora transposto o obstáculo da Serra do Mar, se lançou à conquista do sertão. E foi nas suas imediações que, em 1822, o brado histórico foi lançado aos céus da América: "Independência ou morte!". D. Pedro proclamara a separação do Brasil de Portugal.

Nesse mesmo ano, Saint-Hilaire escrevia: "Já disse alhures que o Brasil deve permanecer por enquanto simplesmente agrícola e que não chegou ainda ao ponto em que lhe convenha estabelecer grandes fábricas, mas, quando chegar esse tempo, será talvez por São Paulo que se há de começar".

Em 15 de novembro de 1889, depois de várias marchas e contramarchas e uns poucos incidentes entre homens do Exército e congressistas... o Marechal Deodoro da Fonseca depusera D. Pedro II e instalara o regime republicano no Brasil.

As palavras escritas por Saint-Hilaire, anos antes, haviam sido proféticas. No apagar das luzes do século XIX, São Paulo tinha 238.500 habitantes e começava a despertar para a Revolução Industrial.

Tudo começou com um projeto do comendador António Augusto de Souza: São Paulo só será uma cidade moderna quando dispuser de transportes modernos. Para isso, precisamos de eletricidade. Em 1896, viajando pela América do Norte, um rapaz de nome Américo de Campos, ligado por laços de família ao comendador, falou desse projeto (bondes e eletricidade) a um oficial da Marinha Real Italiana, Francisco Antônio Gualco. E, nesse mesmo ano, o italiano Gualco foi a São Paulo, disposto a investir. No ano seguinte, o encontro entre o paulista empreendedor e o italiano entusiasta dava frutos: a Câmara Municipal de São Paulo concedeu-lhes o privilégio da execução dos serviços de viação por eletricidade.

Faltavam entretanto os capitais necessários. E Gualco voltou ao Canadá, onde entrou em contato com diversos homens de negócios. Soube que, com certeza, quem se interessaria pelo projeto era o jovem Alexander Mackenzie.

Finalmente, em 1899, a Rainha Vitória apôs a sua assinatura num importante documento: a carta-patente de incorporação de nova empresa a funcionar na América do Sul, a The São Paulo Railway Light and Power. Entre os incorporadores estavam Alexander Mackenzie, James Gunn, John Smith, Herbert Vernon, Archibald Sinclair, Richard Gosset e Ernest McNeil.

E a primeira linha de bondes foi inaugurada, em 1900, até o bairro da Penha. Em 1901, a Light inaugurava sua primeira usina hidráulica de energia elétrica. Fôra construída próximo à cidade de Parnaíba, a 33 quilômetros de São Paulo, com dois geradores de mil quilowatts cada um.

Foi na construção dessa usina que começou a dar sua colaboração à Light o então jovem engenheiro Edgard de Souza. Esse engenheiro, que permaneceria na empresa por mais de cinqüenta anos, foi um dos seus maiores nomes, granjeando a gratidão dos paulistas por sua participação no progresso industrial de São Paulo.

À medida que a cidade crescia, a Light acompanhava de perto - sempre prevendo para o futuro - o seu progresso, produzindo e distribuindo cada vez mais energia. Em 1912, foi construído o reservatório de Guarapiranga e a usina térmica de Paula Souza. E, em 1914, a usina de Itupararanga, em Sorocaba.

Entretanto, a fome de quilowatts de São Paulo era sempre crescente. Faziam-se necessárias obras definitivas, de grande porte. Com perto de cinqüenta mil consumidores de energia, poderia haver crise, se baixassem as águas do Tietê. Era essa a situação, quando chegou ao Brasil, em fevereiro de 1922, o engenheiro norte-americano Asa White Kenney Billings. Billings nasceu em Omaha, no estado de Nebraska, em 8 de fevereiro de 1876, filho de Albert Stearns Billings e Abbie Park Billings.

Enquanto o pequeno Asa crescia, o mundo à sua volta presenciava o começo da utilização comercial da eletricidade. Quando ele tinha três anos, Edison aperfeiçoou a primeira lâmpada incandescente e, no ano em que completou o seu décimo primeiro aniversário, geradores de corrente alternada começaram a ser usados em larga escala, enquanto cidades como Boston e Nova York planejavam substituir os burros pela eletricidade, em seus tramways (bondes). Nesse mesmo ano, foi matriculado na Omaha High School. Ele queria, quando crescesse, estudar para ser engenheiro-eletricista. Embora não precisasse, Asa dedicava suas horas livres ao trabalho, na usina elétrica de Omaha.

E, no verão do ano em que completou seu décimo quarto aniversário, venceu a resistência paterna e começou a trabalhar como operário na usina, das sete da manhã às seis da tarde, limpando dínamos sujos de graxa, por exemplo. Além disso, havia uma condição imposta pelo pai: se voltasse da usina tão cansado que não conseguisse estudar suas lições de piano por algum tempo, deveria abandonar o emprego. Assim, Asa freqüentemente se sentava ao piano, com os olhos quase fechados de fadiga.

Aos quinze anos, ele foi para Harvard, onde obteve os diplomas de Bachelor of Arts (1895) e Master of Arts (1896). Ganhou uma medalha, em Física - a primeira que alguém conseguiu, em onze anos. Era o mais moço da turma e se classificou em primeiro lugar, empatando com outro mais velho. Enquanto trabalhava para obter o seu diploma de Master of Arts, Asa estudou espanhol. Nas horas de folga, esgrima. Billings aprendia aquele nobre esporte com alguns colegas cubanos, aos quais, em troca, ensinava Matemática.

Nas férias, para pagar parte dos estudos, Billings trabalhou para diversas empresas de eletricidade, em tarefas secundárias, até que, quando se formou, foi convidado pela Consolidated Traction Company para ir a Pittsburgh, supervisionar a usina a vapor e também a instalação das linhas de bondes elétricos.

Em 1899, sua amizade com cubanos lhe foi útil. Foi designado para ir a Cuba, supervisionar a eletrificação da Estrada de Ferro de Havana. Billings passou os vinte anos seguintes sem esquentar pouso. Em 1901, com vinte e cinco anos, estava novamente em Pittsburgh, onde montou um escritório de engenharia. Pouco tempo depois, era novamente chamado a Havana, onde ocupou o cargo de engenheiro-chefe dos serviços municipais de tração elétrica. Em 1906, abria, na capital cubana, seu escritório particular, à frente do qual executou diversas obras de importância, para, mais tarde, supervisionar a construção do sistema de tração elétrica de Santiago de Cuba.

Nessa época, inventou novos tipos de equipamentos de medição empregados em usinas a vapor. Chegou a registrar quatro patentes, mas seus negócios eram tantos e andava tão ocupado que não tinha tempo para se dedicar às próprias invenções. E, realmente, ele nunca se aprofundou muito nelas, para levá-las até a aplicação comercial.

Em 1911, Bilings era encarregado dos projetos de usinas hidrelétricas e de irrigação de uma firma de Nova York. Foi quando conheceu o doutor F. S. Pearson. Pearson tinha um escritório de engenharia, em Nova York, e era famoso por ter promovido projetos hidrelétricos em diversas partes do mundo. Foi um dos fundadores da Brazilian Traction, Light and Power e colaborou na organização da São Paulo Tramway, Light and Power e da Rio de Janeiro Tramway, Light and Power. Na ocasião, ele procurava um assistente que pudesse orientar os trabalhos de construção de duas novas companhias, no Texas e na Espanha.

Deixando em andamento as obras no Texas, Billings se dirigiu para a Península Ibérica. Na Espanha, o principal projeto de que se ocupou foi a represa de Talarn. Suas experiências com cimento e concreto lhe permitiram introduzir várias inovações na construção de represas e barragens. A represa espanhola deveria ser construída em local remoto, e a dificuldade na obtenção de cimento levou Billings a uma série de experiências, acabando por descobrir um novo tipo - o cimento Ebro - com algumas vantagens sobre o cimento comum. Anos mais tarde, um tipo de cimento basicamente semelhante a esse foi empregado na represa Hoover, nos Estados Unidos, e em centenas de outros projetos.

Prontos os planos para a represa de Talarn - com 82 metros de altura, sendo então a maior da Europa -, e solucionados os principais problemas, Billings, como era seu costume, deu sua tarefa por concluída e renunciou ao cargo que ocupava, de vice-presidente da Companhia de Irrigação e Energia do Ebro.

Entretanto, no naufrágio do Lusitânia, naquele ano de 1915, Pearson encontrou a morte. Billings foi obrigado, assim, a mudar de planos. Ficou na Espanha até 1916, voltando aos Estados Unidos nas vésperas de seu país declarar guerra à Alemanha. Fechou o escritório e se alistou na Marinha. Billings serviu no Corpo de Engenheiros Civis da Marinha Norte-Americana, em postos que o levaram a Comandante, no fim da guerra.

Depois de passar algum tempo nos estaleiros navais de Brooklyn, o então Tenente Billings foi transferido para a Europa, e na França passou a construir bases para aviões navais e dirigíveis. Ao terminar a guerra, recebeu a Cruz Naval dos Estados Unidos e o grau de cavaleiro da Legião de Honra da França, em reconhecimento por seus serviços em território francês. Depois, foi colaborar no planejamento da represa de Camarasa, na Espanha.

Estava próximo, entretanto, o momento em que o engenheiro errante assentaria pouso. O primeiro passo nesse sentido, ele o deu, ao aceitar, em 1921, o cargo de gerente de construções da Canadian and General Finance Company, onde ele já trabalhara. Em 1922, em função desse cargo, ele veio para o Brasil, a fim de inspecionar o sistema de energia da Light, que utilizava, na época, os serviços técnicos da empresa canadense.

Billings chegava ao Brasil numa época de crises. Nas Artes e nas Letras, a Semana de Arte Moderna demolia os conceitos tradicionais e lutava por formas autenticamente brasileiras de expressão artística. Na vida política, a República Velha começava a dar sinais de fraqueza, com os movimentos tenentistas de 1922 e 24, onde se ouviam, dos jovens militares, os slogans revolucionários da época: "Precisamos acabar com as eleições a bico-de-pena! O Brasil não pode permanecer nessa forma falsificada de Democracia!"

Era o momento de ouro dos iconoclastas. Parecia difícil que a ele se adaptasse o engenheiro americano, um construtor não só por profissão como por temperamento. Entretanto, Billings era um homem de visão larga, tinha a intuição de um Brasil grande e forte, uma terra do futuro em que não faltaria lugar para homens de espírito empreendedor e pioneiro.

A sua fé no Brasil, talvez ela a tenha absorvido do canadense Alexander Mackenzie, um dos principais responsáveis pelo saliente papel desempenhado pelas companhias do grupo Light no desenvolvimento industrial do país. De Mackenzie, conta-se um episódio bem característico de seu estado de espírito em relação ao Brasil...

Esse episódio é contado por Eloy Chaves, que foi secretário de Estado de Rodrigues Alves e um dos pioneiros da energia elétrica no Brasil. Eloy comentou com ele a miséria que se descortina do Viaduto do Chá, na capital paulista (onde estavam conversando), especialmente o vergonhoso estado do bairro de Piques. Mackenzie respondeu: "É verdade, meu caro Eloy Chaves. Mas não se esqueça de que São Paulo não é apenas isto. Do alto do Jaraguá, de onde se vê a cidade se estendendo em todas as direções, é que podemos ter uma visão real do que é São Paulo, e do que será esta cidade no futuro. Esta será uma das maiores capitais da América, estou certo..."

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