Foto: Du Zuppani, publicada com a matéria, páginas 4 e 5
Da nascente ao guindaste
Como um espelho, as águas calmas do Rio Itapanhaú refletem o pequeno porto que marca um dos principais acessos para a Usina Hidroelétrica de Itatinga
Visto da outra margem, ele parece parado no tempo, cercado por uma imensidão verde que se espalha até onde a vista alcança, subindo os
íngremes paredões da Serra do Mar. Custa a crer que ali teve início, há 100 anos, uma das mais ousadas obras da engenharia nacional.
A curta viagem de uma margem à outra é vencida em minutos. Deixamos para trás a área urbana de Bertioga, sem imaginar que dali a algumas horas, a centenas de metros de altura, voltaremos a ver a
cidade se debruçando para o mar.
O porto é praticamente o mesmo da época em que nele era descarregado todo o material usado na construção do complexo. O ponto de partida era o Porto de Santos, por meio de barcaças, batelões e
chatas, que entravam no canal de Bertioga e subiam o Rio Itapanhaú. Dali, homens e máquinas seguiam pela estrada de ferro que surge colada ao portinho.
São 7,5 quilômetros até a Vila, com suas 70 casas, campo de futebol, igreja e oficinas e o importante edifício da Casa de Força, que abriga as turbinas e os geradores elétricos. Daí em diante, terá
início uma verdadeira aventura.
Engenheiro Guilherme Benjamim Weinschenck (ao centro)
Foto publicada com a matéria, página 6
Weinschenk - Os bondes, que no início eram a vapor, hoje são elétricos ou puxados por um trator a diesel. Próximo à Casa de Força, a linha se divide em dois ramais: um adentra o prédio e outro
segue à esquerda, se interligando a um sistema funicular, semelhante ao que funciona no Monte Serrat, no centro de Santos.
A diferença é que enquanto o Monte Serrat possui uma subida com cerca de 25º de inclinação, em Itatinga o bonde enfrenta um aclive de até 45º. Com ele é possível chegar até quase 900 metros do nível
do mar.
Foi lá, na virada do século 19 para o século 20, que o engenheiro Guilherme Benjamim Weinschenck decidiu instalar o sistema de captação de água do rio.
Aproveitando-se de uma pequena cachoeira, depois batizada de Gaffrée, em homenagem a Cândido Gaffrée, sócio de Eduardo Guinle na recém-criada Companhia Docas de Santos, Weinschenck dá início às obras
em 1906.
Três anos antes, a Docas havia comprado a Fazenda Pelaes, uma antiga propriedade que já aparecia na cartografia oficial desde 1765. Essa área, que incluiu ainda parte da Fazenda Vergara, num total de
76,6 quilômetros quadrados, compõe o complexo de Itatinga.
Até que o sistema funicular ficasse pronto, para transportar óleo de baleia, pedras, madeira, trilhos, postes e até tubos com 90 centímetros de diâmetro, a tração animal foi a única opção. No lombo
de burros, tudo foi subindo serra acima.
Em Itatinga, há bondes elétricos ou puxados por trator a diesel
Foto publicada com a matéria, página 8
Fio d'água - Tecnicamente, Itatinga é uma hidroelétrica a fio d'água (veja infográfico nas páginas 26 e 27). Ela aproveita o desnível do rio para fazer a
captação, não necessitando de um grande lago como Itaipu para gerar a pressão que movimentará as turbinas. Tudo é feito pela gravidade - e uma ajudinha da engenharia.
A água captada do rio é desviada para um túnel feito em alvenaria. Por três quilômetros ele serpenteia as encostas da Serra do Mar, com uma leve inclinação, apenas o suficiente para não atrapalhar a
vazão natural.
Nesse trajeto, o desafio foi fazer com que o túnel passasse sob cachoeiras, para as quais foram feitos íngremes paredões de pedra, que permitiam o escoamento da água.
Outra preocupação foi evitar que a areia do rio chegasse às tubulações. A saída, particularmente engenhosa, foi criar áreas semicirculares, cujo formato cria um redemoinho, ajudando a areia a se
depositar no fundo.
Sistema de Captação
Foto publicada com a matéria, página 7
640 metros - Quase livre de detritos, a água cheia então à Câmara D'água. Nesse local, a 640 metros de altura, duas piscinas com capacidade para 7 mil litros permitem que o líquido descanse.
Assim, folhas, galhos e o que ainda restou da areia afundam, evitando o entupimento do sistema de transmissão e, consequentemente, diminuindo o trabalho de manutenção.
É na Câmara D'água que estão localizadas as cinco válvulas que regulam o fluxo. E é também, a partir desse ponto, que têm início as cinco tubulações paralelas que levam a água até a Casa de Força.
A tubulação começa com 90 centímetros de diâmetro, e vai se estreitando até chegar a 11 centímetros, já na entrada da Casa de Força. Dessa forma, o líquido ganha a pressão suficiente para movimentar
as turbinas.
Ao todo, são 2.020 juntas que unem os tubos, importados da Alemanha. Entre uma e outra,os operários derramam chumbo derretido para vedação. Além das juntas, o conjunto é preso ao solo com a ajuda de
largos muros de pedra.
À medida que a Captação, a Câmara D'água e as tubulações iam sendo construídas e assentadas, a linha férrea do sistema funicular ganhava seus tortuosos contornos, até chegar à Casa de Força.
Essa imponente construção, com grossas paredes em pedra e alvenaria, abriga as turbinas hidráulicas da Voith, e os geradores da General Electric.
A Casa de Força é o coração da Usina, lá são gerados 15 MW (megawatts), por meio de cinco alternadores de 3 mil quilowatts cada um, ou 22.250 cavalos. Hoje, isso corresponde a cerca de 80% da energia
consumida pelo cais, que é transportada ao longo de 30 quilômetros por linhas de transmissão sustentadas por 160 torres.
Em 10 de outubro de 1910, com a entrada em funcionamento da Usina, o vapor dá lugar à eletricidade, tanto em Itatinga como no Porto de Santos, o único no País a possuir uma hidroelétrica para o seu
abastecimento.
Weinschenck e os cerca de 3 mil homens que trabalharam no local desde o início das obras, durante quatro anos, haviam vencido o enorme desafio. Mas não sem antes contar com a providencial ajuda de um
médico que se tornaria reconhecido mundialmente.
Após o Sistema de Captação, a água segue por um canal ao longo de 3 km
Foto publicada com a matéria, página 7
Desse trajeto, 940 metros foram construídos em forma de túnel
Foto publicada com a matéria, página 7
Áreas semicirculares, cujo formato cria um redemoinho, ajudam a areia a se depositar no fundo
Foto publicada com a matéria, página 7
Em 10 de outubro de 1910, com a entrada em funcionamento da Usina, o vapor dá lugar à eletricidade, tanto em Itatinga como no Porto de Santos, o único no País a possuir uma hidroelétrica para
gerar sua energia
O Rio Itatinga nasce no topo da Serra do Mar, a mais de mil metros de altitude, no município de Bertioga, no chamado Sertão dos Freires, divisa com Mogi das Cruzes
Até 1927, Itatinga forneceu eletricidade a Santos, São Vicente e a cidades vizinhas - além do porto. Em 1975, foi interligada ao sistema elétrico do Sudeste
Foto publicada com a matéria, página 8
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