EM ITATINGA, PARA RECORDAR - No inicio da década de 70, o engenheiro Osvaldo Freitas Vale Barbosa foi morar em Itatinga, em Bertioga, e trabalhar na usina hidrelétrica. Devido a um problema alérgico
da filha, ele se mudou há 32 anos, mas nunca esqueceu o local. Agora, aos 64, Osvaldo retornou ao vilarejo, para recordar os bons tempos
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria, na página A-1
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100 anos
completará a vila em outubro próximo. Para comemorar a data, as construções de Itatinga passaram por restauração |
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Itatinga
Portuário conta sua emoção ao retornar ao vilarejo de Bertioga, onde trabalhou na usina, na década de 70
Simone Queirós
Da Redação
Ao contrário de 32 anos atrás, quando os operários moravam com suas famílias na vila, hoje em dia apenas quatro residências estão habitadas com famílias de trabalhadores terceirizados na maioria. Em
sua visita, Osvaldo fez questão de ir de casa em casa
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
"O ano era 1972. Eu estudava Engenharia Elétrica em Mogi das Cruzes e fui fazer estágio na divisão de Eletricidade na Companhia
Docas de Santos (CDS), onde morava. Durante o período, os quatro estagiários passaram uma semana em Itatinga. E aí, vendo o local e conversando com o engenheiro que estava aqui, descobri que ele estava com vontade de ir embora. Isso foi em
1972, eu tinha 26 anos".
O relato é de Osvaldo Freitas Vale Barbosa, de 64 anos, que trabalhou e morou em Itatinga na década de 70. Ele se mudou de lá há 32 anos, mas nunca esqueceu o local. Na última semana, o hoje ouvidor da Codesp voltou com A Tribuna ao vilarejo
de Bertioga, para relembrar os velhos tempos...
"Achei que aqui seria de vital importância para minha formação, pois eu ia pegar a prática e a administração. Então coloquei isso na cabeça. Foi com o objetivo profissional que decidi vir trabalhar aqui. Mas o local também me agradava, apesar das
dificuldades todas que se tinha.
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Após 32 anos, o engenheiro elétrico da antiga Companhia Docas de Santos faz uma volta ao passado, de boas recordações |
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"Havia entre 300 e 350 pessoas em Itatinga. E o único que não era da CDS era o dono da padaria, o resto tudo era empregado. Esse pessoal fazia a manutenção da usina até a Torre 70. Também tinha um
pessoal no Caiubura, Caetê, Monte Cabrão até a torre grande. isso tudo para tomar conta da linha de transmissão, fazer os reparos para
não ter problema de falta de energia no Porto de Santos. Deveria ter umas 450 pessoas ao todo.
"Vim solteiro em maio de 1973, mas era noivo e apressei o casamento. Quando eu vim para cá, tinha um acordo de sair a cada 15 dias, mas teve problemas e não pude sair. Acho que fiquei 40 dias fechado e quando saí falei: pode marcar o casamento. E
casamos pouco depois. Ela veio para cá e nasceu minha primeira filha, em Santos, e depois o menino. Eu fui obrigado a sair daqui por causa de um problema alérgico da minha filha, que não podia ser picada pelos borrachudos. Na época ela tinha 4
anos. Aí eu pleiteei a transferência para Santos. Se não fosse isso eu tinha ficado. Morei aqui cinco anos no total. Sinto-me um privilegiado por todas as oportunidades que conquistei primeiro na CDS e depois na Codesp. Mas aquele foi o melhor
momento que passei na empresa".
O RETORNO - Além de visitar cada casa da vila, Osvaldo fez questão, claro, de retornar à sua antiga residência
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Visita - Durante a visita, Osvaldo fez questão de ir de casa em casa, voltar à sua antiga residência, subir os 640 metros da Serra do Mar a bordo de um funicular e, já lá em cima,
andar três quilômetros para chegar à represa do Itatinga por meio de uma trilha. Mas a paisagem valeu a pena. "Fazia cinco anos que eu não subia aqui. Esse local é maravilhoso, não há palavras para descrever".
Osvaldo foi o último engenheiro elétrico que trabalhou e também morou em Itatinga administrando um enorme contingente de trabalhadores. Era um verdadeiro prefeito, que além do trabalho na usina também era encarregado de fazer com que nada
faltasse à vila. Cabia à companhia dar residência, manter escolas, igreja e o armazém de gêneros alimentícios para a compra da alimentação.
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350 pessoas aproximadamente moravam no vilarejo. E a única que não era da Companhia docas era o dono da padaria |
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"Eu tinha que ver a vacinação das crianças, se os médicos estavam vindo, a conservação das moradias, a manutenção, o combate ao mosquito, problemas com cobra. Nós fornecíamos para o
Butantã a rodo, foram centenas, principalmente quando estavam fazendo a roçada da linha de transmissão. Tínhamos caixinhas mandadas pelo Butantã para colocar as cobras. E por causa disso nós tínhamos todos os antídotos necessários".
A peculiaridade continuava na aquisição de mantimentos. Ele conta que havia um único armazém, mantido pela companhia, onde os funcionários faziam suas compras. "Quando o ponto fechava, o empregado já deixava o pedido dele no armazém. O pedido era
entregue em casa. E a nota fiscal ia para o apontador, único profissional de RH (N. E: Recursos Humanos) da usina, que conferia preço e
multiplicação, para ver se o empregado estava sendo cobrado corretamente".
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A minicidade só se agitava quando seus cerca de 450 moradores se reuniam para as tradicionais festas |
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Hoje o processo de terceirização mudou essa tradição. A vila tem apenas quatro famílias, sendo composta em sua maioria por trabalhadores terceirizados. "Quando se fala de Vila Itatinga,
não é mais aquela vila formada por empregados da empresa que moravam aqui com a família e que os filhos estudavam aqui".
Mas, para as festividades dos 100 anos, a serem comemorados em outubro, a vila foi restaurada para relembrar os grandes eventos da época áurea.
Engrenagem: portuário também reviu o setor de máquinas da usina, que ficou sob seu comando de 1972 a 78
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Prefeito tinha de zelar pela comunidade
Como prefeito da Vila de Itatinga, a função de Osvaldo de Freitas era zelar para que tudo corresse bem. Para isso, ele desenvolveu até um método contra fofocas, que trouxeram alguns problemas
no pequeno vilarejo. "Observei que as mães tinham muito tempo vago, e aí começava a fofoca. Já tinha alguma experiência das conversas que tive com quem eu sucedi. Então pensei: alguma coisa eu tenho que fazer para combater esse tempo ocioso.
Comecei a ir para cima das professoras para ter uma lição de casa mais caprichada. E aí começava a cobrar do empregado se o menino não fizesse a lição direito. O empregado enchia o saco da mulher. Aí tirei todo mundo da rua".
Fofocas |
"Observei que as mães tinham muito tempo vago, e aí começava a fofoca" |
Osvaldo de Freitas, preocupado com a falta do que fazer das mulheres dos empregados da usina |
Ao mesmo tempo que reforçou a lição de casa, Osvaldo inventou outro método de fazer os alunos ficarem ainda mais aplicados. "Percebi que as médias no boletim nunca eram menores do que 6, mas também
não tinha nenhum destaque. Aí, em conversa com as professoras, nós fizemos uma proposta de dar brinquedos para as crianças além das tradicionais medalhas que elas já recebiam. No dia da premiação, demos um autorama para o menino com a melhor nota e
uma boneca que andava para a menina. E assim, no ano seguinte, eu tive que fazer umas oito novas reavaliações por causa da nota máxima, que muitos alunos tiveram".
Na subida de 640 metros até a represa, no alto da Serra do Mar, mais emoção: "Fazia cinco anos que não subia aqui. Esse local é maravilhoso!"
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Construção de píer auxiliava os estudantes
A atuação de Osvaldo Freitas foi decisiva também para a construção do píer hoje existente no local. Antigamente, os alunos que cursavam da 5ª a 8ª série tinham que estudar em Bertioga, trajeto feito
de lancha.
"Só que, às vezes, encalhava a lancha aqui com os alunos no retorno da escola. Eu tinha que atravessar com alguém que tinha lambreta e eles me levavam até Bertioga. Eu conversava com um estaleiro que tinha ao lado do
ferry-boat e ele dava assistência. Eles forneciam uma lancha para pegarmos os alunos. Dependendo do tamanho da lancha, pegávamos, cinco, trazíamos aqui e voltávamos para pegar os outros até acabar a operação. Tinha de 20 a 30 alunos".
Segundo Osvaldo, isso aconteceu algumas vezes e, para eliminar o risco de algum acidente com as crianças, o píer foi providenciado. "Eu comecei a fazer relatórios e depois do píer a estrada foi melhorada e nós contratamos um ônibus da Viação. Aí a
situação mudou".
Osvaldo foi o último engenheiro elétrico que trabalhou e morou na vila
Foto publicada com a matéria
Usina deu origem à vila, criada em 1910
Sete de Setembro, década de 1970. O Brasil celebrava o feriado da Independência, cenário que não era diferente na pequena vila de Bertioga. O motivo da festa, entretanto, era outro: o aniversário do
tradicional clube do local. A data, esperada durante todo o ano, reunia famílias em torno de jogos de futebol, música, dança, brincadeiras e comilança.
Mas não se tratava de um clube qualquer, a começar pelo nome de seu campo de futebol: Guilherme Benjamin Weinschenk. Este foi o engenheiro responsável pelas obras do Cais de Santos e pelo projeto da Usina
Hidrelétrica de Itatinga. Situada em Bertioga, na encosta da Serra do Mar e a cerca de 25 quilômetros do porto, a usina começou a ser construída em 1906 e apresentou engenhosos desafios de Engenharia.
Logo ganhou uma área em estilo inglês com igreja, cinema, escola, posto médico e 52 casas, cujos moradores eram divididos de acordo com a ocupação. Nascia assim, em 10 de outubro de 1910, a Vila de Itatinga.
ESTILO INGLÊS - A igreja foi construída na área inspirada no estilo arquitetônico britânico, que ainda ganhou cinema, escola e posto médico
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Grande família - Seu acesso restrito, feito primeiro por meio de uma travessia de barco através do Rio Itapanhaú e depois por sete quilômetros de
bondinho, praticamente ilhou os moradores, que logo se transformaram em uma grande família. A paisagem constituída de córregos cristalinos, montanhas cobertas de mata e manguezais contribuíram para a aura bucólica do local.
A minicidade só se agitava mesmo quando seus cerca de 450 moradores se reuniam pelo menos três vezes por ano para tradicionais festas. Além do aniversário do Itatinga Atlético Clube, havia também a celebração de festas juninas e da padroeira da
vila, Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro.
"Isso aqui tem um significado muito grande para mim. A amizade, a evolução que fizemos. Aqui viviam grandes famílias, que depois foram se entrelaçando. Hoje você tem gente que nasceu aqui, foi batizado aqui, fez o colégio aqui, foi terminar o
colégio em Bertioga, voltou e foi fazer Exército, votou e foi empregado aqui e os filhos seguiram o mesmo caminho. E cada festinha se tornava uma grande festa, porque todos participavam", recordou Osvaldo Freitas, prefeito da vila na década
de 70.
Residências |
52 casas
foram ocupadas pelos moradores, divididos conforme a função na usina |
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Personagens:
Telmo de Carvalho Braga - 44 anos, operador de comporta
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Trabalha nas duas câmaras de 700 m³ de água, em cima da Serra do Mar. Foi contratado há sete anos pela empreiteira da Codesp. Morador de Guarujá, quando está no trabalho dorme em alojamentos.
"Fazemos turnos de dois por dois. Quando chove, acumula muito lixo na comporta e meu dever é retirar as folhas. Às vezes há tantas folhas que não consigo nem atender ao telefone, porque a água não pode parar de descer. Enche muito rápido".
Renaldo Meira de Souza - 39 anos, operador de comporta
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Trabalha na Represa de Itatinga, mais próximo a Mogi das Cruzes, onde mora, do que Bertioga. O cenário bucólico de Mata Atlântica lhe rendeu uma boa surpresa esses dias. "Vi uma onça a 200 metros de
mim. Ela chegou a rosnar e eu saí correndo". Além de correr de onças, ele também é responsável pela leitura do nível da represa. "O mais baixo que chegou foi a 50 cm abaixo do nível. A profundidade é de dois metros".
Três gerações |
"Fui obrigado a sair daqui por causa de um problema alérgico da minha filha, que não podia ser picada pelos borrachudos. Se não fosse isso eu tinha ficado. Sinto-me
um privilegiado por todas as oportunidades que conquistei, mas aquele foi o melhor momento que passei na empresa"
Osvaldo Freitas, 64 anos, último engenheiro elétrico que morou na vila
administrando um alto contingente de trabalhadores da Codesp e atual ouvidor |
"Entrei na CDS em junho de 1975. Em junho de 1988 vim para Itatinga, mas como encarregado técnico. Os mais antigos contam sempre as histórias de antigamente, das
festas e de como era viver aqui"
Itamar Barbosa Gonçalves, 56 anos, atual engenheiro responsável por Itatinga |
"Estou há apenas uma semana como estagiário aqui, mas adorei. Estou conhecendo aos poucos, mas se tiver uma oportunidade de ficar, vou abraçar. Adoraria poder morar
aqui"
Ítalo Tacon Fatini, 23 anos,
estudante do 5º semestre de Engenharia na Universidade Santa Cecília (Unisanta) |
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