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BAIXADA SANTISTA - BIBLIOECA NM - Lendas e Tradições
Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade...

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm maio de 1940, era publicada esta obra do historiador santista Francisco Martins dos Santos, reunindo uma série de histórias que ele havia publicado em jornais. Com 254 páginas e tiragem de 2.000 exemplares, Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade do Brasil foi impresso na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, na capital paulista, incluindo ilustrações de Wast Rodrigues e prefácio de Baptista Pereira.

O exemplar pertencente ao professor e pesquisador Domingos Pardal Braz, de São Vicente/SP, foi cedido a Novo Milênio para digitalização em 2015. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 30 a 45:

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Lendas e Tradições

de Uma Velha Cidade do Brasil

Francisco Martins dos Santos

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[04] A lenda das Arapongas

O velhíssimo Engenho dos Gaias existia ainda no século passado (N. E.: século XIX), ao fim do ciclo açucareiro do litoral de S. Paulo. Era chamado então "O Engenho do Largacha", mas não deixava de ser a fazenda seiscentista de "Nossa Senhora do Engenho", enquistada ao fundo de Cabraiaquara, no recesso umbroso da serra da Garganta, junto à cachoeira Grande, que, um século depois, chamar-se-ia "do Quilombo".

Ele era um dos velhos engenhos santistas, continuação gloriosa dos predecessores: "Madre de Deus", "São João", "do Governador", "São Miguel", "São José", "Nossa Senhora da Apresentação" e tantos outros pioneiros que constituíram a primeira riqueza colonial.

Anos atrás, recolhidos ao silêncio venerável do aceiro em que existiam, eram vistos ainda seus últimos paredões, seus últimos pilares enegrecidos, e pouco distante deles, atravessado entre grossos mourões, um sino que os ventos dos dias maus tangiam como a evocar passadas glórias, mas em verdade alarmando agora os mateiros vizinhos, invadidos de crendices a seu respeito.

Rezava a tradição, conservada pelos pretos velhos e pelos velhos moradores da região, que as primeiras arapongas da floresta haviam aparecido naquele ponto da serra, ao fim a primeira fase do engenho, quando ainda os Gaias não tinham tomado conta dele, no desastre que pusera fim à família do fundador.

***

Com a vinda de João Afonso para aquele sertão da cachoeira Grande, na distância de 1560, toda a vasta região de Cabraiaquara, floresta bruta, impenetrável, se transforma. O gentio de Ururaí, unido ao elemento português, transformara em pouco tempo o sertão ameaçador na mais risonha região de engenho de que se tinha notícia.

Alguns anos após, Cabraiaquara era um núcleo colonial bem povoado, com seu casario caiado, dominado pela Fazenda de Nossa Senhora do Engenho, com sua capela ao alto do primeiro outeiro.

Dois filhos trouxera João Afonso do reino, Pedro e José, meninos então, e agora homens, homens fortes, como bons provincianos. As tendências dos dois jovens, porém, eram inteiramente opostas; enquanto Pedro, o mais velho, integrava-se na vida da lavoura, seguindo o exemplo e a natureza do pai, secundando-o corajosamente em tudo, José, trabalhando embora, como se fora obrigado, revelava-se cada vez mais infenso àquela vida, bebendo, namoriscando as índias, provocando os naturais, inventando viagens à vila distante.

Nesse seu relaxamento moral, o filho mais moço de João Afonso fora pervertendo os sentimentos e, admoestado mansamente pelo irmão, algumas vezes, lhe criara aos poucos um mal disfarçado ódio, misto de despeito, ambição e brutalidade. Entrara a pensar, desde algum tempo, que se um dia fosse só, se fosse o dono único do engenho, sua vida, ali e na vila, seria uma coisa principesca, como a de um rajá daquela Índia distante em que João Afonso falava.

Apesar de tudo, os anos passavam sem novidade além do progresso do engenho e da decadência física e moral, mais lenta, de José.

Havia, porém, na propriedade, um homem que acompanhava desde muito a transformação do moço, a sua queda íntima, a luta visível entre o sangue e o moral do filho desnaturado de João Afonso, prevendo as consequências da eclosão; era Goaturã, um índio fiel, da confiança do senhor, que fora um dos primeiros frutos da capacidade civilizadora dos padres e Piratininga, por eles mesmos entregue ao colonizador como homem bom para o trabalho e para o perigo.

Goaturã se afeiçoara desde logo a Pedro e era sua sombra, compreendendo-o até pelo olhar, entrando a votar profundo ódio a José desde que lhe percebera a baixeza dos sentimentos e a intenção criminosa com respeito ao irmão.

Goaturã achara um dia, em plena floresta, um filhote de pássaro entre o folhedo do chão; um pássaro sem graça, de um verde sujo, cabeça mal conformada, e trouxera-o para casa, tratando-o carinhosamente e colocando-o, por fim, sobre um varal de uvá, para que ele se fosse embora quando pudesse voar e voltar para a floresta.

Passara-se entretanto o primeiro ano e mais um segundo sem que o pássaro feio abandonasse o seu poleiro livre. Lá estava ele, no mesmo varal, manso como um pombo de casa, afeiçoado a seu amo, voejando pelo rancho do índio e por suas imediações mas voltando sempre à sua gaiola aberta.

Goaturã acabara por gostar dele, tratando-o paternalmente, conversando com ele, enquanto o pássaro ficava a olhá-lo, sério, impassível, os dois grandes olhos atentos, como se o compreendesse.

O pensamento predominante de Goaturã era, entretanto, a profunda aversão que mantinha pelo branco mau, por aquele filho de João Afonso, em quem o seu instinto natural farejava um futuro gesto criminoso e, como durante muitos anos ouvira dos padres do Colégio a história daquele mau irmão Caim, da história sagrada, que matara Abel, contava-a sempre ao pássaro, como um solilóquio, remoendo aquele nome: - Caim! Caim! - que era para ele a personificação daquele José que detestava. Entre o índio e o pássaro tornara-se familiar a história de Caim, como desabafo de uma alma rude e afeiçoada, que não tinha com quem desabafar, entre os receios de que alguém soubesse o seu modo de sentir a respeito do moço.

Exato naquela altura, João Afonso andava bem doente; ao fim do magnífico triunfo de vinte anos e quando a idade ainda não ultrapassara os sessenta, seu aspecto era, contudo, de um homem de oitenta anos, alquebrado, coberto de cãs veneráveis; apanhara as sezões e tinha momentos de tremores, delírios e desesperos. Definhava a olhos vistos. Por fim, sentindo aproximar-se a morte, chamara os filhos para despedir-se deles e aconselhá-los.

A João Afonso não escapara também a inquietante decadência do filho mais novo, embora Pedro tudo fizesse sempre para que o pai não a percebesse, encobrindo as faltas e justificando as ausências do irmão, e, embora ferido fundamentalmente por aquele desgosto, reputava o outro filho uma boa compensação a tal infelicidade; assim, ao vê-los ao pé do leito, aconselhou longamente a José, indicando-lhe rumos na vida, apelando para o seu caráter e para a memória de sua mãe, que os deixara pequenos, quando puros, inocentes, ambos brincavam pelos relvados da aldeia natal; a Pedro, o velho colono apenas disse um adeus comovido; apertou-lhe a mão, longamente, e lançou-lhe um olhar profundo, onde havia a admiração e a gratidão de um pai, onde havia um último estímulo ao bom filho e continuador.

Pelas últimas disposições de João Afonso, todo o dinheiro amealhado e existente na velha arca da família ficaria pertencendo a José, uma vez que ele não era amigo da terra e havia de preferir rumar para a vila ou voltar para o reino, e ficaria pertencendo a Pedro toda a fazenda de Nossa Senhora do Engenho, com todos os seus duros encargos, com todas as suas plantações e benfeitorias.

Apesar da inteira justiça do pronunciamento, negou-se José a concordar com a disposição testamentária; fez-se de diminuído moral ante o mau conceito que o velho fazia assim de sua capacidade, e recusou o dinheiro; queria que ambos continuassem ali, partilhando do ouro amealhado e da propriedade, sem diferenças ou inferiorizações de qualquer natureza.

Procurava ele, por tal forma, anular o critério do pai, que pretendera separar os dois irmãos diante da má disposição que notara nele contra Pedro. Este, porém, sempre confiante na regeneração de José e longe de supor suas verdadeiras intenções a seu respeito, concordou bondosamente com a atitude do irmão, consentindo em que o testamento de seu pai fosse contrariado, para que seus esforços se conjugassem no trato da terra virgem do Brasil e na prosperidade cada vez maior do engenho.

Goaturã soubera de tudo, e sua vigilância redobrara. Sentia mais do que nunca estar próxima uma atitude criminosa de José e, ora como um buriqui a galgar o arvoredo mais alto, à espreita do cenário, ora como a furtiva jaguatirica, a seguir, sem ruído, no rumo da caça, ele acompanhava todos os passos do homem que detestava.

José, todavia, não ignorava a vigilância do índio, nem o ódio que ele lhe votava, e odiava-o também, procurando todos os meios e modos de eliminá-lo indiretamente ou de afastá-lo do engenho, em missões distantes, no Cubatão, em Piaçaguera, e até na vila de Santos, mas Goaturã era forte e ligeiro, e de tudo se livrava e desincumbia com felicidade.

A Fazenda de Nossa Senhora do Engenho continuava a prosperar. O lençol verde das canas de açúcar estendia-se a perder de vista, em ondulações pela várzea imensa; a roda d'água cantarolava fazendo coro ao cascatear das águas da cachoeira; a criação procriava, numerosa, variada, álacre; o casario aumentava; a Casa Grande esplendia em conforto; o açúcar e a aguardente saíam em grandes canoas pejadas, às centenas de arrobas e de litros, a rumo do porto, onde os navios as esperavam e de onde mais ouro vinha para a velha área. Apenas uma sombra pairava sobre todo aquele esplendor: eram o ódio e a ambição de José, que arquitetava, em obcessão cada vez maior e mais empolgante, a eliminação de Pedro, para realização de seu sonho.

Contrastando com tal atitude, a confiança de Pedro era grande no irmão, chegando a irritar o índio fiel; confiava no sangue que lhe corria nas vias, que era o mesmo de ambos, que era o mesmo daquele venerando velho que a morte arrebatara da terra havia pouco, recordando os tempos provincianos, quando juntos ouviam as primeiras lições do cura da aldeia.

Goaturã chegara a preveni-lo dos sentimentos do irmão, a seu modo, receoso, contornando a verdade, evitando as palavras fortes, merecendo assim mesmo a repreensão de Pedro aos seus falsos presságios e desconfianças.

Goaturã desesperava, vendo o moço encaminhar-se, de espírito tranquilo, para o abismo certo a que os sentimentos do irmão o conduziam.

José, esse, ao cabo de um ano da morte do pai, atravessava uma terrível fase íntima; sonhava coisas grandiosas, aventuras extraordinárias, tal como se lhe houvessem dado estranha beberagem, e sentia em seu cérebro aturdido vozes várias e insistentes, como cem falas tentadoras:

- Coragem! Vamos! Mata-o! Mata-o! Tudo será teu... tudo!

- Vamos, covarde! Não vês o papel inferior que representas junto desse homem? Vamos! Coragem! Mata-o!...

Era a febre, o delírio por fim, loucura fratricida, obsedante, constante, fatal.

Numa daquelas manhãs, Goaturã receber a incumbência de ir buscar mantimentos em Santos. O índio fiel pensara em desobedecer pela primeira vez, em não ir, explicando as razões a Pedro. Tivera maus presságios naquelas noites anteriores e, naquele ponto, ainda conservava a tradição da tribo, a interpretação dos piagas guiananazes. Qualquer coisa aconteceria naquela sua saída... mas foi, chefiando a caravana de canoas.

Quando dobrava o esteiro, na última curva do rio, em Cabraiaquara, Guaturã, vista de gavião, notou um movimento no mato marginal; abaixou-se rapidamente e uma flecha passou zunindo, na altura do seu peito, para sumir-se na margem oposta.

O guaianás mergulhou rápido e surgiu no barranco. Os padres de Piratininga haviam-no proibido de matar; agora, porém, não se tratava de sua pessoa, tratava-se de um homem bom, a quem estimava como um irmão, e que pretendiam eliminar; ele bem compreendia isso; em salto rápido, apoiado nas raízes da margem, internou-se na floresta, elástico e sem ruído, como um jaguar. Daí a momentos voltava com o punhal tinto de sangue. Antes de matar o agressor, obtivera a confissão do crime e a declaração do mandante.

- Goaturã vai voltar! - disse ele aos companheiros, acenando-lhes que continuassem a viagem, e sem mais delongas atirou-se à pequena embarcação que comandava a flotilha, pondo-se a remar vigorosamente rio acima.

Era pela manhã e a natureza esplendia; o rio, invadido de ninfeias e hidrófitas, cheio de sombras, afuroava a mata, pintalgada de flores, embalsamada de aromas, povoada de gritos e cantos de pássaros, que cobria a região até o encontro do engenho, mas GOaturã, o enamorado constante da Natureza, desta vez não reparava sequer na garridice com que ela o requestava, os sentidos concentrados, a ideia fixa nos acontecimentos que àquela hora talvez se estivessem desenrolando.

Mal chegado ao engenho, o guaianás correu, ansioso, à Casa Grande. Disseram-lhe que o senhor saíra com 'seu' José para os lados do caminho da serra. O índio fiel teve um urro de cólera, imprecou alto em sua língua e lançou-se em desabalada no rumo indicado pelo caseiro. Parecia-lhe que o seu sonho mau estava se realizando.

José levantara-se muito cedo naquela manhã, mal pintara a madrugada sobre os cabeços de Jurubatuba. Aparentemente jovial, e intimamente dominado pela sânie, procurara seu irmão logo às primeiras horas, convidando-o, entre palmadinhas nos ombros, a compartilhar consigo do espetáculo que sentia vontade de fruir naquele dia, lá do alto da serra, tomando a brisa viajeira da manhã primaveril, aspirando os aromas do caminho alpestre, contemplando a beleza do cenário, a imensidão verdoenga da lavoura, o serpenteio do rio entre o varjão maciço, ouvindo o gorjeio intenso do passaredo na calma augusta da floresta. Preocupado com a regeneração do irmão e convencido de que essa, como outras manifestações anteriores, já era uma boa demonstração do seu renascimento moral, Pedro aceitou-lhe o convite e, momentos depois, ambos se punham a caminho, trauteando uma antiga modinha de sua terra.

Pelos cálculos de José, Goaturã devia estar morto, na última volta do rio, ao fundo da várzea de Cabraiaquara, e mesmo que o carijó pago para matá-lo fugisse ao cumprimento da missão, quando o guaianás voltasse da vila a coisa seria bem diferente; seria ele, José, o dono único e absoluto de Nossa Senhora do Engenho, em consequência do desastre já então acontecido a Pedro, e o índio fiel do irmão searia expulso dali ou passado a bacamarte, a seu sabor, como seu escravo.

Os dois irmão subiam a serra, passo a passo, os braços enlaçados, parando ligeiramente nas quebradas, para descanso e gozo do espetáculo, que melhorava à medida que aumentava a altura. Pouco faltava para chegarem ao cimo, Pedro muito alegre, e José mal disfarçando a emoção do momento fatal que se avizinhava.

A certa altura, parecera-lhe ter ouvido um grito lá em baixo da serra, um som metálico como a voz distante de Goaturã, mas dera de ombros, pois tudo poderia existir em torno dele naquele instante, menos o guaianás.

Estavam no alto, à beira do enorme despenhadeiro, que deitava sobre as corredeiras da Cachoeira Grande. O cenário era deslumbrante, José mostrou-o a Pedro, para lhe desviar a atenção do perigo a que se expunha naquela borda. As vozes diabólicas de tanto tempo repetiam-se agora, com mais intensidade, ao ouvido do irmão degenerado, enchendo-lhe o cérebro, desvairando-lhe os pensamentos:

- Chegou tua hora! Aproveita-a! Não vês? Vamos! Empurra! Empurra! Serás dono de tudo! Terás ouro, mulheres, ócios, prazeres!

Um último vislumbre de consciência parecia ainda reter-lhe o braço, mas a sânie, o delírio, as cem vozes de tentação, de ambição, de grandeza, sobrepujaram a voz do sangue, e ele, repentinamente, empurrou o irmão para dentro do abismo.

José fechou os olhos, mas ouviu aquele terrível grito de angústia de Pedro, e ouviu em seguida, lá em baixo, o trágico ruído de ossos quebrados ao bater do corpo contra as rochas. Recolhido em si momentaneamente, invadido de remorsos e de medo, o sistema nervoso atropelado de fantasmas, um súbito rugido de pavor explodiu-lhe do peito; lá, mais em baixo, galgando o caminho aos galões, surgia, terrível, como um deus de vingança, a figura para ele sinistra de Goaturã.

Desvairado, obedecendo ao primeiro ímpeto, José lançou-se, em corrida desabalada, para dentro da floresta, que se abria, escura, à sua frente.

Naquele instante, porém, estampado no fundo escuro da mata, um fantasma branco, nimbado de luz, surgiu sobre a picada, interceptando-lhe os passos, a mão enérgica espalmada no ar:

- Que fizeste, filho desnaturado!

Era o fantasma do pai, o velho João Afonso, com aquelas barbas longas, veneráveis, e os cabelos brancos, empastados, dos últimos tempos, a fisionomia severa:

- Assassino! Onde está teu irmão? Vai, filho maldito! Erra pelos matos... enlouquece de fome e de medo, ouvindo a minha maldição, ouvindo o teu nome em todos os cantos em que te refugies: Caim! Caim!

Goaturã chegara a tempo de assistir o milagre e prosternara-se ante a visão de seu antigo senhor.

- Deixa-o, Goaturã! Não manches a tua mão nesse sangue maldito! Volta à herdade, que alguém há de vir continuar a minha obra!

O fantasma desapareceu instantaneamente. Goaturã rendera-se à sua suave intimação, enquanto José, aterrado, internava-se pela floresta.

Naquele momento, Goaturã viu o seu pássaro, ali, na ponta de um galho vizinho; estava branco, alvo como o fantasma de João Afonso, e ouviu-o então emitir um grito, fino, agudo, altíssimo, que parecia humano, e parecia repetir aquela palavra que ele mesmo lhe ensinara e que fora a última palavra da aparição: Caim! Caim!

Aquele grito reboou pelas quebradas, e aí, como por encanto, de todos os pontos da floresta, das grotas e dos espigões, surgiram aves brancas como aquela, enchendo a serra bruta da mesma exprobração, do mesmo nome:

- CAIM! CAIM! CAIM!

E assim surgiram as arapongas, as aves gritadoras, que, no mais alto dos grimpas, parecem exprobrar as fraquezas e as misérias humanas.

...Naquele instante, porém, estampando no fundo escuro da mata, um fantasma branco, nimbado de luz, estrugiu sobre a picada...

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