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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 50

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 380 a 385:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUARTA PARTE (1911-1915)

Capítulo L

Eduardo P. Guinle

O período em estudo é, sobretudo, o do falecimento de Eduardo P. Guinle, ocorrido aos 10 de março de 1912.

Hostil, por instinto, aos abastados, sobretudo quando contra eles trabalhada por uma campanha tenaz, a opinião geral não podia sentir a personalidade de labor e perseverança que desaparecia. As elites, o jornalismo, estes puseram-lhe em relevo certos traços da vida e da obra, já agora definitiva.

Fora do próprio porto de Santos, dois anos antes, por um dos seus opugnadores mais apaixonados, a confissão de que o cais constituía um dos mais belos orgulhos da engenharia nacional
[06]. Já não era tempo de se desfazerem prevenções e arestas? Assim via o Correio da Manhã no falecido um dos grandes empreendedores nacionais, simples, modesto, justo, sempre operativo (11 de março de 1912):

O sr. Eduardo Guinle era positivamente um dos mais fortes capitalistas brasileiros. Espírito empreendedor, inteligente e, sobretudo, talhado para os grandes negócios, conseguiu tornar-se um nome de destaque nos meios comerciais e industriais do Brasil.

Um dos empreendedores das Docas de Santos, que tão relevantes serviços, apesar de tudo, prestam ao Estado de São Paulo, o sr. Eduardo Guinle, justiça lhe seja feita, pode ligar o seu nome à prosperidade do grande Estado vizinho. Era, pessoalmente, um homem de bons sentimentos, simples, modesto, justo e sempre trabalhador.

Se de tal modo se exprimia um dos órgãos hostis, não era de surpreender que os representantes das chamadas classes conservadoras, ou desde o princípio defensores da empresa, nas várias crises por que passara, se manifestassem em declaração de devido apreço. Assim o maior deles, o Jornal do Commercio (11 de março):

O sr. Eduardo Guinle ocupava entre nós um lugar de grande destaque pela sua fortuna, pela sua educação e pelas suas admiráveis qualidades empreendedoras, que honravam sobremodo a nossa raça, tida erroneamente por muita gente, durante longos anos, como incapaz de conceber e realizar projetos de vulto.

E depois de relembrar as origens modestas:

Não precisamos dizer agora o que representa este colossal trabalho de engenharia que ninguém se animava a empreender e que a própria província de São Paulo não se atreveu a iniciar. A concessão dada em agosto de 1870 ao conde de Estrella e outro resultou improfícua, e o mesmo aconteceu com a autorização concedida ao Governo Provincial em dezembro de 1882, para melhorar o litoral da cidade de Santos, apesar das sucessivas prorrogações da concessão.

A tenacidade dos dois capitalistas brasileiros levou de vencida todos os obstáculos e a grande obra aí está como um eloquentíssimo atestado de nosso espírito de iniciativa e capacidade para o progresso.

Isto quanto à obra. Quanto ao homem:

Esforçado, laboriosíssimo, o sr. Eduardo Guinle foi empregando aqui mesmo os seu capitais e vendo a sua fortuna aumentar sempre como um justo prêmio. Educou e encaminhou os filhos na sua escola de energia, pondo-os à frente de empresas importantes, com a sua assistência e conselho.

Quando o Governo deliberou abrir a Avenida Central e remodelar a cidade, o sr. Eduardo Guinle foi um dos mais entusiasmados em acompanhar esse movimento de renovação, que tão bem condizia com o seu coração de brasileiro e com o seu espírito progressista e empreendedor.

A Gazeta de Noticias pôs em contraste a abastança e o recato. Construindo o cais, não havia só o intuito do ganho, mas também um alto anelo nacional (10 de março):

Ele não chegou à culminância de uma enorme fortuna, sem ter conquistado palmo a palmo o terreno em que devia edificá-la, sem ter superposto, uma a uma, as pedras desse edifício.

Foi um honesto, na mais completa acepção da palavra; foi um reto e foi um justo. Por mais que o ceticismo da nossa época possa ver como fator exclusivo de empreendimentos o utilitarismo pessoal, todos quantos tiveram a honra da sua convivência podem afirmar que é bem possível que os empreendedores das Docas de Santos não tivessem pensado só na extensão dos bens materiais que daí lhe adviriam, mas que é absolutamente certo que eles viram sempre o que esse empreendimento representava, como glória e como riqueza, para o nome do Brasil.

Na Imprensa sobrelevou-se, sobretudo,entre tantas contingências passadas, a amizade dos dois diretores "e a luta titânica desses dois homens contra tudo e contra todos foi formidável" (11 de março).

A história dessa empresa é a história dessas duas vidas – uma das quais acaba de se extinguir nesta madrugada de domingo. E é bem uma história típica, onde há todas as alegrias, todas as misérias, todas as virtudes, todas as tristezas da vida. E nisso tudo – que nós não podemos recordar neste momento doloroso, senão com rapidez – sobreleva a amizade perfeita que une esses dois caracteres, desde a remota infância, aparelhando-os para a imensa luta que os esperava.

Em São Paulo, um ou outro necrológio banal. Após breves referências aos começos e dificuldades das obras em Santos e a concessão finalmente obtida, escreveu-se (Estado de São Paulo, 11 de março):

No entanto, a importantíssima obra aí está e é justo consignar que a devemos principalmente à tenacidade dos dois capitalistas. Ela foi a origem da grande fortuna de ambos, mas prestou ao nosso Estado enormes serviços.

Descontando a parte da boa estrela, sempre presente nos triunfos humanos, pôs a Etoile du Sud, órgão dos interesses franceses, a tenacidade acima de tudo (17 de março):

A sorte, a boa estrela, se se quiser, favoreceram singularmente os srs. Gaffrée e Guinle. Sem estarem munidos de diplomas científicos que autorizassem vê-los à testa de uma obra, cuja execução exigia estudos ou conhecimentos técnicos, ambos assumiram a responsabilidade enorme dos trabalhos que transformaram radicalmente o futuro econômico de um dos portos mais importantes do litoral brasileiro. Todos os outros sucessivamente fracassaram, e foi graças (não nos cansemos em repeti-lo a seu favor) á tenacidade e à fé em sua estrela, que os dois assistiram ao coroamento do edifício que faz honra à iniciativa brasileira.

Nas associações públicas de classe, o Club de Engenharia [07] e o Conselho Municipal votaram moções de pesar. Neste, salientou o intendente Leite Ribeiro [08] o muito que a cidade devia ao morto (sessão de 15 de março de 1912):

Eu o conhecia, embora sem intimidade, mesmo sem relações pessoais, de cerca de 40 anos passados, quando, já empregado no comércio, o vi estabelecer-se na Rua da Quitanda n. 13, ou 17, se me não falha a memória, com uma casa de fazendas a retalho denominada "Aux Tuileries", sob a razão social de Gaffrée & Guinle.

Empreiteiros, simultaneamente, da construção de vários trechos de estradas de ferro, daí se fizeram construtores do porto de Santos.

O que vale essa obra colossal, aferida ela pelo lado econômico, isto é, o que vale essa obra, pelo benefício que tem prestado ao desenvolvimento do Estado de São Paulo, particularmente e em geral ao aumento da riqueza do país inteiro, pela facilidade e economia que há imprimido à saída do nosso principal gênero de exportação, por bem dizer o regulador da nossa vida econômica, o expoente da riqueza nacional, o que vale essa obra, olhada por tal face, é coisa sabida por todos quantos se interessam pelas nossas finanças, pelo desenvolvimento das nossas forças vitais.

Mas, do que muita gente talvez não se recorde, é que tal obra contribuiu poderosamente para o saneamento desta cidade, pois fez desaparecer de sua proximidade, além em contato diário pelas relações terrestres e marítimas existentes, um foco permanente de grandes epidemias; o que muita gente parece ignorar é que essa obra foi e é um grande atestado, um poderoso elemento de propaganda do nosso adiantamento, pela impressão de progresso que deixa no ânimo dos passageiros e das tripulações dos navios estrangeiros que em enorme quantidade ali aportam, anualmente; o que nem todos avaliam é que Santos, por mim conhecido em 1880, portanto há 32 anos passados, está atualmente, graças a essa obra, tão longe do que era nessa época, quer pelo lado estético, quer pelo lado de sua salubridade, como diferentes são a treva e a luz, como o preto difere do branco.

E a diretoria da empresa assim falou aos acionistas, pondo de relevo, entre os traços essenciais, o de conselheiro prudente e avisado que perdeu:

O companheiro, que se rendeu à lei fatal, foi um dos concessionários das obras de melhoramento do porto de Santos, tomando parte saliente na sociedade comercial sob a firma Gaffrée, Guinle & Companhia, que iniciou a construção destas obras; foi um dos fundadores da nossa Companhia, sucessora desta sociedade, desempenhando desde o primeiro dia o cargo de diretor.

Ao seu eficacíssimo esforço, exemplar honestidade, incondicional dedicação à empresa, tão cheia de riscos em começo, aos seus prudentes conselhos, inspirados na longa experiência de negócios, presidida por uma inteligência esclarecida e disciplinada, a Companhia Docas de Santos deve, em grande parte, a situação conquistada nos vinte anos de existência.

Laborioso e empreendedor, a sua atividade não se circunscreveu a estas obras. O que aliás bastaria para tornar-lhe o nome imperecível. O seu valioso concurso na organização de outras empresas industriais e a sua cooperação na recente transformação da Capital da República são fatos do domínio público.

Não se podem ter, de fato, sob os dedos, os arquivos da Companhia sem sentir a cada passo a ação dessa personalidade que acabava de morrer. Ligado, desde menino, pela mais fraterna amizade, ao outro realizador, com ele fazendo toda a carreira industrial, pode-se dizer que Eduardo P. Guinle dele constituía a antítese em alguns traços fundamentais. Enquanto o outro não sabia do frontispício das gazetas, dele pouco se falava. Bem é certo que, atacando-se o chamado polvo ou discutindo-lhe taxas e finalidades, era um dos visados. Mas a omissão de seu nome contrastava com a frequência impressa do outro – esse, sim, o traço de união com o Governo e o público, numa atividade multiforme, sem a qual pode-se supor que não teria existido a Companhia.

Está na tradição desta que, pelo menos mensalmente, ia Candido Gaffrée a Santos, ver tudo; Eduardo P. Guinle raramente lá comparecia. É que sua ação, mais discreta mas não menos necessária, estava aqui,no escritório da Companhia, de que constituiu o espírito sempre presente. Avultaram-lhe os cabedais com os anos, mas ele nunca deixou o feitio primitivo, revezando a existência entre o lar e a matriz: quando muito o teatro francês, o maior prazer artístico daqueles tempos de vida urbana ainda patriarcal, um como apelo do sangue que lhe falava do outro lado do Atlântico.

Porque opostos, é que Gaffrée e Guinle se completavam. Difícil seria encontrar dois homens assim, e nisso está, desde os primeiros tempos até o fim, nas crises mais graves como nos negócios de pura deliberação interior, uma das razões do êxito da Companhia. Corpulento e baixo um, franzino e alto o outro; aquele em movimento, comprazendo-se na luta; este retraído, fugindo ao bulício; o que havia de impulso no primeiro, corrigia-se na reserva do segundo; enviuvou cedo um e seus bens seriam as ações da Companhia; enquanto o outro se prolongou numa sucessão numerosa, em que a atividade industrial, o ânimo de servir, se distribuiriam em múltiplas formas e o espírito de solidariedade humana chegaria, afinal, a cifras inacreditáveis.

Ricos, Gaffrée e Guinle fizeram a caridade individual discreta. Comunicando o trespasse do segundo aos companheiros, o primeiro, embargada a voz, se referiu ao seu feitio humanitário "auxiliando instituições pias e caridosas e obras de utilidade pública, mantendo sempre como princípio o mais absoluto recato"
[09].

Não sairiam dessa norma os descendentes, mas os tempos seriam outros, de modo que hospitais, creches, pesquisas sobre doenças que não perdoam, não podiam fugir ao domínio público. É o tempo o grande suavizador; e quanta vez, da tribuna ou do jornal, não se desmereceu com palavras más o que só pedia encarecimento? Basta considerar nessa obra de assistência social que passou a ter em Guilherme Guinle, o futuro sucessor de Candido Gaffrée na presidência da Companhia, o mais generoso doador. Só na Fundação Gaffrée e Guinle, sem falar nas doações para o combate à lepra e ao câncer, consumiram-se até hoje mais de 25.000 contos. Calculada que pudesse ser a tarifa a preço irrisório, os auxílio médicos, prestados por ela, sobem a cerca de 110.000 contos.

Diferentes de temperamento, tinham, contudo, Candido Gaffrée e Eduardo P. Guinle analogias fundamentais: o trabalho pelo trabalho, sem descanso nem derivativo; uma perseverança que desafiava os maiores obstáculos, força sem dúvida de primeira ordem, num meio de atividades intermitentes, descoroçoadas ao primeiro tropeço; senso industrial agudo; arrojo nos maus dias, cautela nos bons; certo retraimento social, que se atribuía a um orgulho de abastança e era ingênito, qualquer que lhes tivesse sido o desfecho da vida. Quem diria não estar talvez aí a melhor atitude, uma vez que tudo, em ambos, formou pretexto para impugnação?
[10].

Sobretudo, não se poderia mais dizer do progresso de São Paulo, do desenvolvimento de todas as outras zonas tributárias – Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, o Norte do Paraná – sem a parte preponderante dessas duas individualidades, uma das quais desaparecia.

Nas suas deficiências e atrasos, beneficiou ao Brasil uma atenuante, a de que, autônomo, tem uma posição ao lado da qual todas as outras terras, de igual situação geográfica, se exploram política ou economicamente por terceiros. Dentro dessa autonomia, construiu ele uma civilização própria, na qual os materiais, o dinheiro, são de fora, mas a inspiração, a direção, provêm, na sua maioria, do país.

Pouco importa que a esses inspiradores e construtores tenha sido estranha, quando não hostil, a opinião para quem só os dirigentes políticos, por suas funções públicas, merecem relevo. O importante foi que se levantou assim em portos, estradas de ferro e outras empresas, a estrutura material da nacionalidade. Que dizer-se, então, quando o próprio capital foi também nacional, não aceitando a colaboração estrangeira e constituindo, afinal, na obra realizada, apesar de lutas ingentes e vicissitudes enormes, o mais sólido título do dinheiro em repouso?

Dois homens o haviam realizado, pelo só esforço individual, mestre-escola um, guarda-livros outro. Vai-se, acaso, a tais alturas sem um bom conjunto de qualidades individuais mestras?

Imagem: reprodução parcial da página 380


[06] "Felizmente, nesse ponto o plano envolvente vai encontrar a resistência dos srs. Gaffrée & Guinle. Eles são os únicos que têm resistido, procurando reservar, no futuro, uma possibilidade de concorrência que seria a única salvação da nossa independência econômica. A luta entre os dois ativos brasileiros e o opulento grupo formado do trust travou-se no terreno da energia elétrica, em São Paulo, no Rio e na Bahia. Agora, Gaffrée & Guinle recebem o ataque na obra que é a glória de sua vida e um dos belos orgulhos da engenharia nacional". Tribuna, Santos, 19 de julho de 1910.

[07] O presidente do seu Conselho Diretor teve estas palavras: "A vida pública do grande morto, além de muitos atos de benemerência, assinalou-se brilhantemente por ocasião de ser aberta a Avenida Central, que hoje perpetua o nome imortal de Rio Branco.

"Eduardo Guinle revelou por essa grandiosa obra que honra nossa administração pública um sincero entusiasmo, contribuindo valiosamente para a solução de graves assuntos relativos à mesma, e promovendo a construção de notáveis e belos edifícios que figuram ao lado dos monumentais e ricos prédios que ornam a nossa avenida, hoje célebre em todo o mundo por sua beleza arquitetônica e importância comercial, administrativa e higiênica" (Sessão de 18 de março de 1912).

[08] Lembrou o orador então que em 1906, numa série de artigos de crítica à administração municipal, sob sua responsabilidade, escrevera no Jornal do Commercio: "Qual o homem sensato que hoje, contemplando o magnífico porto de Santos, outrora infecto, e admirando os belos edifícios da nossa formosa Avenida Central, não experimenta secretos e íntimos impulsos de admiração e reconhecimento ao sr. Eduardo Guinle, pelo que s. s. há feito de bom e de útil à nossa civilização e progresso?".

[09] O sr. Candido Gaffrée, com palavras entrecortadas de profunda emoção, lembra as suas relações da mais íntima amizade e de mais de sessenta anos de duração, com o falecido diretor da Companhia, sr. Eduardo P. Guinle, e salienta os relevantíssimos serviços prestados por esse amigo de imorredoura memória à empresa do cais de Santos, desde o seu início, quando enormes dificuldades faziam vacilar os mais corajosos, até agora quando a Companhia Docas atingiu o grau de prosperidade conhecido dos srs. acionistas. Pede aos mesmos srs. acionistas que lhe relevem estas lágrimas com que se lhes dirige neste momento". Assembleia Geral de Acionistas, 18 de abril de 1912.

[10] Ao se inaugurar em Santos o monumento ali levantado depois em memória dos construtores do seu porto, poria a Revista Brasileira de Engenharia em relevo a combinação das duas personalidades nos seguintes termos (1935):

"Nasceram ambos no Rio Grande do Sul. O primeiro em Bagé e o segundo, em Porto Alegre.

"Guinle era filho de pai e mãe franceses; Gaffrée, de mãe brasileira e pai francês, um antigo grognard de Napoleão, emigrado da França após a débacle napoleônica.

"No colégio de primeiras letras, Gaffrée e Guinle selaram a sociedade que perdurou por mais de sessenta anos e que só a morte pode desfazer.

"Nunca dois homens se completaram e se entenderam mais perfeitamente, sob a diversidade de suas naturezas. Gaffrée abraçava, de um golpe de vista, os problemas em toda a sua extensão e, depois, por um trabalho contínuo de raciocínio, descia, progressivamente, aos detalhes, necessários à execução do conjunto. Guinle estudava os detalhes, avaliava-os, reunia-os e, raciocinando, subia à visão larga dos problemas, abarcando-os em seu todo.

"Nesse duplo mecanismo de ação, ambos se encontraram no mesmo plano e se facilitavam mutuamente o trabalho. Daí a necessidade constante de conversarem, de discutirem, de se comunicarem o pensamento. Daí também a segurança de visão dos fatos que, através de ambos, se submetiam a uma espécie de prova e contraprova".