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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 13

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 89 a 97:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XIII

Recurso aos tribunais

Não procedia totalmente a alegação da empresa quanto à natureza contratual do regulamento, aprovado pelo decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893.

Viu-se que ela se baseou, para isso, no art. 1º, § 8º, da lei de 1869, a saber:

Em cada contrato, estipulará o Governo as condições que julgar necessárias para assegurar a mais minuciosa e exata fiscalização e arrecadação dos direitos do Estado.

É de concluir desse texto que o Governo estipularia, em cada contrato de concessão de portos, as condições assecuratórias da arrecadação fiscal; o que não impedia que, para tal fim, providenciasse cada empresa, em regulamentos especiais, como lhe aprouvesse.

Procedia tanto mais essa interpretação quanto, caso único no seu gênero, as Docas de Santos faziam acompanhar, invariavelmente, todos os atos oficiais a ela referentes, de um termo de contrato, por ambas as partes firmado; e simples regulamento, não podia proceder-se com o de 1893 do mesmo modo. Ademais, pela cláusula 2ª do referido regulamento, ficava a empresa sujeita "a todas as responsabilidades, obrigações e ônus estabelecidos nas leis e regulamentos fiscais, para os armazéns alfandegados e entrepostos".

Tendo destacado um de seus redatores para fazer sur place juízo sobre a questão, escreveu o Jornal do Commercio:

Ninguém dirá que a expressão "cada contrato" quer dizer "cada regulamento", o que dessa disposição se conclui é que o Governo, para acautelar os interesses do Fisco, deve estipular condições permanentes nas cláusulas dos contratos assinados pelas partes, independente das disposições regulamentares organizadas depois e que podem ser alteradas.

Em virtude de atos legislativos, podem surgir hipóteses não previstas no regulamento de 17 de fevereiro; para execução desses atos as relações dos empregados do Fisco com a Companhia podem exigir formalidades diferentes; e nada se opõe a que o Governo decrete as alterações necessárias nesses casos, desde que essas alterações não modifiquem as cláusulas do contrato, que se obrigou a respeitar, e a legislação em vigor, que não pode revogar
[20].

De fato, não implicava isso reconhecer que se pudessem alterar, a livre arbítrio do Governo, direitos da empresa, ali consignados porque decorrentes... [N. E. : linha empastelada no original] ...lhe as razões. Não podia, com efeito, a empresa dar saída às mercadorias, sem que estivessem quites com sua caixa.

Ou, em suas palavras: "Deste direito real e retenção das mercadorias entradas em seus armazéns, em garantia de armazenagem e capatazias, a Companhia Docas de Santos não pode desistir porque, além de outras razões, sobre ele assenta a certeza e pontual arrecadação da sua renda e o crédito dos debêntures que emitiu".

Aí a essência mesma da concessão, feita na persuasão de Santos empório marítimo de São Paulo e, caso vingasse essa alfândega interior, reduzido na sua feição aduaneira primordial, com grave sacrifício dos esforços e capitais despendidos na construção. Argumentou, a esse respeito, uma folha do tempo:

Hoje o Governo exige que a Companhia faça remessa das cargas para a Alfândega de São Paulo, amanhã ordenará que sejam removidas para a Alfândega do Rio, ou para a do Pará, mandando que qualquer destas não dê saída aos volumes sem prévio pagamento das taxas da Companhia.

Novas estradas de ferro vêm em demanda do porto de Santos, que de futuro muito próximo será o empório de primeira ordem não só de São Paulo, como de parte dos Estados de Minas, Goiás e Mato Grosso.

Necessariamente aquele Estado exigirá outra Alfândega além da de Juiz de Fora, e estes reclamarão uma repartição aduaneira em suas capitais. O precedente está aberto.

A Companhia Docas será obrigada a remover as cargas de seus armazéns para receber posteriormente nestas futuras estações fiscais as suas taxas?

Ela tem de prestar fiados os seus serviços e de ficar privada da fiscalização que exerce sobre a arrecadação da sua renda? Será tolerável isso?
[21]

Mas já não eram somente razões jurídicas que inspiravam o movimento de opinião, em que o caso desfechou. Estava este em plena efervescência, grupadas as forças da Capital do Estado de São Paulo em torno da Alfândega, que a cidade de Santos impugnava. O Rio de Janeiro, nesse fim de legislatura federal, mal conhecia, com exceção de algumas referências telegráficas e "a pedidos", a grande pendência.

Fora, entretanto, de um discurso no Senado que viera fogo ao rastilho. Denunciando da tribuna, como vimos atrás, os escândalos aduaneiros de Santos e a parte que tinha o cais na sua repressão, referiu-se Ramiro Barcellos às alfândegas internas e, pois, à de São Paulo, como "uma fantasia prejudicial aos cofres públicos e perturbadora da administração".

Protestou (18 de dezembro de 1895) o Correio Paulistano, para cuja redação a Alfândega não era o luxo, a inutilidade apregoada, mas "uma necessidade palpitante como corretivo aos abusos praticados na de Santos, onde todo o comércio importador do Estado e os interesses da União ficavam à mercê do maior ou menor escrúpulo dos despachantes em conivência com os maus empregados do Fisco"; seguido, no dia imediato, pelo Estado de São Paulo, segundo cujo depoimento não podia o senador pelo Rio Grande do Sul ter sido mais infeliz "nas considerações contraproducentes que externou sobre a repartição aduaneira que, satisfazendo uma real e palpitante necessidade pública, acaba de ser instalada na Capital do Estado".

Já nas colunas do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro tinha início a polêmica que o ocuparia, na sua seção retribuída, durante quase todo o ano de 1896
[22]. Pró e contra se leria ali, num duelo jurídico e político procurando esgotar a questão. Com a empresa estavam, além do próprio Jornal do Commercio (que, reconhecendo seu direito à retenção, aconselhava a via judiciária, para pô-lo à prova), a Gazeta de Noticias, a Noticia. Contra, o Paiz.

Escreveu a segunda (4 de março):

Se o comércio de São Paulo não tem razões melhores que as que alegou ontem, por esta folha, o sr. conselheiro Duarte Rodrigues para que na capital paulista o Governo Federal se dê ao luxo, superior às forças do Tesouro, de manter uma alfândega, não temos a modificar uma linha do que temos dito contra a criação dessa casa, que só serve para aninhar afilhados e para inutilizar em parte a fiscalização que, com o auxílio da Companhia das Docas, estava sendo exercida em Santos melhor que em qualquer outra Alfândega da República.

Exarou o último (27 de maio):

Pela discussão que se tem travado nos jornais pelas suas colunas ineditoriais e remuneradas, deve o público ter compreendido a gravidade da questão, em que são partes o Poder Público Federal, encarregado de dar execução a uma lei – a que criou a Alfândega de São Paulo -, e a Companhia das Docas de Santos, empenhada em obter a revogação dessa lei e que por todos os meios ao seu alcance tem conseguido embargar a ação do Governo e positivamente anular a vontade do Congresso Nacional.

A Companhia das Docas tem obtido defensores que farte, advogados espontâneos de grande prestígio na opinião e por cuja insistência no debate se afere bem a importância da questão; o poder público é que não tem encontrado na imprensa da Capital quem pleiteie a sua causa, que é, afinal de contas, a causa da lei e, digamos mais, a causa da seriedade e do decoro do próprio Governo da Nação, embaraçado e tolhido ante os protestos dos interesses privados de uma companhia plutocraticamente poderosa.

A tecla do poder plutocrático não resistia a este impossível de dois industriais dispondo, a seu talante e eles sós, do Estado e da União. Favorita dos governos, seria, ademais, a linguagem de outros. Entretanto, Candido Gaffrée, sob o mesmo governo que dobrou o capital da empresa e autorizava no Banco do Brasil o crédito para os primeiros trabalhos, motivo de tantas arguições depois, fora preso devido às suas simpatias pelos conterrâneos em revolta no Sul; mais tarde, teria como adversário maior, na questão da Alfândega de São Paulo, ninguém menos que o irmão do chefe da Nação; e, em 1909, seria também áspera a luta a enfrentar com outro presidente, Affonso Penna.

Pelo punho de seu enviado especial, assim escreveu o velho órgão:

O que se conclui de tudo isto é que a Alfândega de São Paulo, sem falar nos compromissos políticos que sua criação possa envolver, representa, quando muito, o interesse dos negociantes de fazendas, armarinho, modas, ferragens etc., principalmente daqueles que fazem transações em menor escala.

Não parece justo que esse interesse sobrepuje os inconvenientes que acarretará para a União uma repartição nova, no interior do País, a três horas de viagem de magnífico porto, exigindo alterações profundas em nosso regime aduaneiro. Amanhã, pela mesma razão, pela comodidade dos interessados, Campinas, Rio Claro, Uberaba reclamarão favor idêntico e Juiz de Fora exigirá o cumprimento da lei que lhe aproveita.

Para se avaliar os fundamentos que serviram para se obter do Congresso essa novidade fiscal, basta considerar que os seus defensores se basearam principalmente em dois fatos: a crise de transporte de 1890 a 1892 e as improbidades dos despachantes em Santos.

Muito de propósito abrimos este estudo, apreciando aquele caso anormal, a fim de que o leitor pudesse compreender que a Alfândega de São Paulo jamais poderia trazer a solução da crise. Na verdade, como poderia essa repartição influir para acelerar as descargas na Alfândega e a rápida circulação dos meios de transportes, em que as mercadorias giram do porto até a Capital?

Logo adiante:

A outra razão igualmente não procede. Descobriu-se que os despachantes, recusando sempre apresentar as faturas, conseguidas, à custa de certo trabalho, que as mercadorias fossem classificadas sempre abaixo do valor real da tarifa. Pagando então ao Estado direitos inferiores aos que deviam pagar, eles apresentavam, porém, aos seus comitentes, contas elevadas, representando os impostos realmente devidos, mas não efetivamente pagos, e cobrando sobre eles as respectivas comissões. Todas as diferenças ficavam a seu favor.

Se, porém, ocultando a fatura, a classificação da mercadoria lhes era desfavorável, então os despachantes apresentavam ao comitente a verdadeira conta. Ora, como se vê, o prejuízo do Fisco e do comércio nesses casos era também devido à desonestidade ou incapacidade dos conferentes, sem cuja conivência ou desleixo não seria possível manter este sistema de rapina.

O remédio contra este mal consistia, portanto, na escolha de funcionários honestos; e a prova disso é que, de alguns anos a esta parte, por um concurso de circunstâncias, a que não é estranha a cooperação da Companhia Docas, a Alfândega de Santos tem ganho em moralidade e a sua renda tem crescido animadoramente.

Já em São Paulo o diretor das Rendas do Tesouro carregara a fundo, sob sua assinatura. Não o tolhiam certas insinuações a que um debate daquela relevância devia estar alheio. Se essa era a palavra oficial, que muito seria que abundassem verrinas e trovejassem calúnias? Assim:

Porventura o sr. senador Ramiro Barcellos conhece os recursos materiais de que dispõem as alfândegas do Brasil para o bom desempenho dos serviços de capatazias e pode julgar da necessidade elevada daquelas taxas?

Sabe que em Manaus a descarga é feita em plena praia? Que no Ceará interromperam-se as visitas fiscais por falta de um escaler ou baleeira? Que no Pará o principal porto do Norte do Brasil, a descarga aduaneira é feita por transbordo de alvarengas, que só atracam na ponte da Alfândega em meia maré?

Se o ilustre senador ignora tudo isso; se não propôs ou promoveu a dotação de recursos para aquelas alfândegas e, principalmente, para as do Rio Grande do Sul, como quer que o diretor das Rendas Públicas deixe de profligar o benefício de mão beijada que se pretende fazer, com grande escândalo, me permita dizer, às Docas de Santos e trapiches alfandegados e com prejuízo da administração pública? Acaso este país é das empresas poderosas?

Ou ainda:

Raras vezes um representante da Nação se tem colocado em posição tão esquerda ou menos correta como aquela que assumiu o sr. senador Ramiro Barcellos por seus discursos de 14 e 24 de dezembro último, proferidos sobre negócios aduaneiros em Santos e em São Paulo…

A imprensa de melhor renome de São Paulo, por sua vez, já deu ocasião ao ilustre senador de compenetrar-se de que os interesses dos amigos devem ser defendidos por advogados insuspeitos, em outros tribunais que não o Senado, onde o representante da Nação tem de se colocar em esfera superior às conveniências privadas de quem quer que seja, mesmo ainda de poderosas empresas [23].

E desse modo tudo passou pelo crivo da discussão. Um ano inteiro durou ela, a favor ou contra, azando pretexto para justificação ou defesa. Assim, por exemplo, a representação da Associação Comercial de Santos (30 de dezembro de 1895) contra as exigências da nova Alfândega e a criação desta [24]; a seguinte (31 de janeiro de 1896) protestando contra as guias de expedição; e a última (3 de fevereiro de 1896) já ao presidente da República [25].

Afirmou a Associação ter sido tomada de surpresa pelas instruções de 10 de dezembro, o que o diretor das Rendas contestou, pois a teria visitado e ouvido:

Nas instruções dirigidas pelo sr. diretor das Rendas ao Inspetor da Alfândega de Santos, pedindo a execução do novo Regulamento, se diz que as classes interessadas reunidas na Associação Comercial foram ouvidas sobre a matéria e concordaram com as indicações do sr. diretor das Rendas.

Não obstante a consideração que os abaixo-assinados votam à pessoa do sr. diretor das Rendas, não podem deixar de contestar semelhante asserção, afirmando que quase todo o comércio de Santos, legitimamente interessado no progresso do Estado de São Paulo, sempre se manifestou contra a ideia da criação de uma Alfândega na cidade de São Paulo, e os fatos já estão provando de um modo positivo as dificuldades de tal tentame, que por enquanto só tem acarretado despesas improdutivas para o Tesouro Nacional.

É admirável que agora, que o porto de Santos se acha dotado de um cais, obra notável no seu gênero e que sobremodo honra a engenharia brasileira, que o comércio de Santos goza de todas as facilidades no serviço de descarga e conferência de todas as suas mercadorias, possuindo a Companhia Docas vastos armazéns para o seu acondicionamento, munida dos aparelhos mais modernos para o serviço interno dos mesmos armazéns, se cogite na decretação de medidas regulamentares vexatórias que só têm como objetivo imediato dificultar a importação, criar maior soma de desconfiança, molestar o comércio sério e independente e levar, em suma, o desânimo à principal classe que concorre com maior soma de impostos para o erário público.

Assim também a representação da Associação Comercial de São Paulo (30 de janeiro de 1896) em sentido contrário. Ia a diretoria desta telegrafar ao chefe da Nação, dez dias depois, solicitando pusesse termo à prepotência da empresa:

A Associação Comercial de São Paulo não pode deixar de insistir perante v. ex. por uma decisão pronta que venha pôr termo aos embaraços que se opõem ao regular funcionamento da Alfândega desta Capital.

O comércio, exmo. senhor, encontra-se na mais aflitiva situação entre a lei, que lhe garantiu as facilidades e vantagens que aquela repartição lhe deve oferecer, e a prepotência da Companhia Docas de Santos, que teima em nulificar os efeitos da lei pelo seu procedimento caprichoso e falho de base legal. Esta Associação espera de v. ex. o remédio que venha livrar o comércio importador de uma situação tão anormal quanto vexatória.

Foi animadora a resposta de Prudente de Moraes:

São justas as reclamações do comércio que representais. Governo já está providenciando no sentido de atendê-las, removendo os obstáculos que estão impedindo o funcionamento da Alfândega dessa Capital.

Não se deixou de notar, contudo, que faltava à Associação de São Paulo autoridade para reclamar, uma vez que o comércio de estiva se achava ausente e constituía, não obstante, ¾ da importação:

Tanto isto é verdade que nas manifestações até agora conhecidas a favor da Alfândega da Capital, o comércio de estiva, que talvez não errássemos dizendo que constitui cerca de ¾ da importação, não se tem pronunciado, ou, se o tem feito, tem sido em número limitadíssimo e sem a autoridade das grandes casas que delas não pretendem se utilizar.

Assim, por exemplo, na assembleia geral da Associação Comercial de São Paulo, em que se recolheram 124 assinaturas (sendo de notar que muitas em duplicata, representando alguns indivíduos suas firmas pessoais e uma ou mais casas de comércio a que estão ligados), figuram capitalistas, advogados, cambistas, corretores, agentes de de casas do estrangeiro, alfaiates, negociantes de fazendas (importadores, atacadistas e lojistas) de chapéus, ferragens, arreios, papel, armarinho, roupas feitas, lampiões, louças e vidros, e apenas dezessete negociantes de estiva, entre os quais nem todos representam casas de importação [26].

Nem argumentação jurídica, nem interpretação legal bastavam mais para solução. Questão já de prestígio para o Estado, a da Alfândega de São Paulo perderia a batalha, por fatores próprios e outros do ambiente geral, ao enfrentar a arena federal. Paulistas, os da Serra não cederiam.

Não menos paulistas, os do litoral resistiriam. Escreveria um dos grandes órgão serranos: "Vamos ver agora se, sendo um paulista presidente da República, outro paulista ministro da Fazenda e outro paulista chefe do partido que domina, ainda dessa vez São Paulo pede e reclama em vão". No Senado Federal, este diálogo:

O SR. MORAES BARROS – Todo o alto de São Paulo está brigado com o baixo.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Diz v. ex. que está brigado porque as Docas têm a seu lado todo o comércio de Santos. A Associação Comercial e tudo o que está abaixo da serra. Por isto diz que o alto está brigado com o baixo da serra.

No mesmo recinto:

O SR. MORAES BARROS – A Associação Comercial de Santos é suspeita.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Porquê?

O SR. MORAES BARROS – Vou dizê-lo. A Associação Comercial de Santos combateu a todo o transe a instalação da Alfândega de São Paulo, e a melhor arma que ela tem contra essa instalação é exatamente a Empresa das Docas de Santos. Aí está porque a Associação Comercial de Santos é suspeita em relação às Docas.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – É porque a de São Paulo é suspeita.

O SR. MORAES BARROS – Apresento todo o comercio de São Paulo e toda a imprensa paulista. Nesta só uma voz discordante, - solus totus et unus, o Diario de Santos. Tudo o mais é unânime.

Foi, porém, em maio, quando abertas as Câmaras e promulgado, com a sua exposição justificativa, contra a empresa, o decreto n. 2.291, que a questão entrou no período agudo. Até então, havia esperança, por parte da Companhia, de que seus direitos fossem atendidos; por parte do Governo, de que cedesse ela de sua resistência. Ora, o decreto de 28 daquele mês punha todo o peso da influência federal a favor da Diretoria das Rendas.

Apelou então a Companhia para a Justiça, a fim de anular os efeitos do mesmo decreto na parte ofensiva de seus direitos [27]. Uma comunicação dos diretores Candido Gaffrée e Eduardo P. Guinle, no Jornal do Commercio, pôs as coisas nos seus termos (28 de maio):

A Companhia Docas de Santos não tem oposto embaraço algum ao livre funcionamento da nova Alfândega de São Paulo, como de indústria e sistematicamente têm dito e repetem os que se obstinam em desconhecer e sacrificar a outros interesses os direitos da empresa.

Não compete à Companhia Docas de Santos apreciar os atos legislativos, nem prejulgar de seus resultados em relação aos fins que os determinaram.

Limitadas as relações das Docas, pela lei orgânica e contrato celebrado com o Governo, ao pessoal de arrecadação fiscal da Alfândega de Santos, e restritos os seus serviços ao cais e armazéns anexos, onde começam, acabam e se liquidam, a criação da nova Alfândega de São Paulo em nada podia prejudicar as Docas; e nesta convicção descansou a diretoria da Companhia.

Aproximando-se, porém, a execução das instruções expedidas para o funcionamento da nova Alfândega, nelas encontrou a diretoria da Companhia disposições que dificultavam o serviço das Docas, e logo um dos diretores procurou o sr. ministro da Fazenda no intuito de sanar as dificuldades, tomando a liberdade de oferecer por escrito alvitres que lhe pareciam suficientes para prevenir conflitos e dar andamento ao serviço da nova Alfândega na parte relativa à saída e remessa das mercadorias, que devessem seguir de Santos para São Paulo.

Das suas boas e amigáveis disposições deu a diretoria da Companhia repetidos testemunhos, já oferecendo ao sr. ministro da Fazenda alvitres, já procurando-o por diversas vezes e instando pela solução, já comparecendo prontamente a seus chamados, e já finalmente protestando pela imprensa contra a aleivosa acusação de se opor ao desenvolvimento da Alfândega de São Paulo.

Exemplificando:

Assim, o sr. ministro da Fazenda, como o ex-presidente do Estado de São Paulo, e pessoas da maior consideração pessoal e influência política que concorreram à conferência de 23 de fevereiro no palácio do Governo, são outras tantas testemunhas dos desejos da Companhia em ajudar na remoção amigável das dificuldades criadas pelas instruções expedidas pelo diretor geral das Rendas Públicas.

Ainda, em confirmação do que fica exposto, a Companhia Docas com as de vapores e a de São Paulo Railway ajustaram em Santos o modo de fazer-se a importação direta para a Alfândega de São Paulo.

A Companhia Docas tem prontamente realizado a remessa de mercadorias consignadas à Alfândega de Santos para a de São Paulo, sempre que seus donos a promovem de acordo com o decreto de 5 de novembro de 1894, embora estejam ainda pendentes as duvidas expostas, em 12 de novembro de 1895, ao sr. ministro da Fazenda.

Jamais a Companhia Docas se afastou da primeira e correta atitude; desejando concorrer no que fosse possível, sem sacrifício das garantias de seus direitos, para o acordo de todos os interesses legítimos, e nestas disposições continua.

O serviço seguido de dia e de noite, auxiliado pela luz elétrica, há pouco estabelecida com considerável despesa, pelas linhas férreas para transporte de mercadorias, elevadas ao quádruplo das de seus contratos, pelas locomotivas empregadas exclusivamente no tráfego de mercadorias, pelo grande aumento de guindastes, demonstra melhor do que razões, que a maior vantagem da Companhia não está em guardar mas em expedir as mercadorias, ou seja para a capital do Estado, ou para outros pontos do interior.

Com o que não se pode conformar a Companhia é com disposições que, ao mesmo tempo que anulam as imprescindíveis garantias da retenção e preferência, prorrogam a sua responsabilidade, dilatam e tornam incerta a renda, sobre que assenta o enorme capital empregado e o crédito dos títulos ao portador emitidos.

Os pagamentos dos serviços prestados pela Companhia são garantidos pelas mercadorias, fica tudo liquidado à boca do cofre, no próprio cais. A Companhia invoca a retidão, bom senso e justiça de todos para decidirem: se pode ou deve renunciar deste direito e desta garantia, pela promessa de pagamento em lugar diferente, tempo incerto e privada da retenção da mercadoria, não tendo outra garantia que a responsabilidade vaga do Governo?

Requerido, em consequência (2 de junho), a favor da Companhia, mandado de manutenção ao juiz seccional do Distrito Federal, foi ele concedido, no dia imediato, pelo juiz substituto, H. Vaz Pinto, por ter-se dado aquele por suspeito. Em Santos afixou-se, publicando-se no dia seguinte, este telegrama do Rio:

A Companhia Docas de Santos obteve mandado de manutenção de seu direito de retenção das mercadorias com destino à Alfândega de São Paulo.

O Governo foi intimado do mandado, ao qual obedeceu como parte contratante.

"Há juízes em Berlim", exclamou-se no mesmo dia. Estava morta a questão na sua face jurídica ou administrativa. A luta ia deslizar para outro terreno [28].

Imagem: reprodução parcial da página 89


[20] As Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo - editoriais do Jornal do Commercio, de 22 de abril a 4 de maio de 1896. – Typographia do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Companhia, 1896.

[21] - A Companhia Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, 3ª série, cit., pág. 27.

[22] A moda era acusar ao adversário de preso ao cofre das Docas ou aos caprichos senão favores ministeriais. Incluído entre os primeiros, foram estas as palavras finais do Jornal do Commercio.

"Cumprindo a nossa missão, não nos preocupa o agrado ou desafeição em que possamos incorrer por causa de interesses que porventura tenhamos de ferir. E é assim que desprezamos profundamente as injúrias que nos assacou um órgão semioficial do Estado de São Paulo, julgando previamente as conclusões de nosso estudo e supondo-nos capazes de alianças inconfessáveis com interessados de qualquer ordem na questão que se debate. Nós não temos o intuito de agradar ao Governo, nem à Companhia Dicas, nem a certa gente que o Correio Paulistano deve ter razões para bem conhecer. É este o terreno que nos serve". – As Docas de Santos e a Alfândega de São Paulo, editoriais do Jornal do Commercio, etc., cit., 1896.

[23] O Senador Ramiro Barcellos e o Director das Rendas do Thesouro, por Luiz R. Cavalcanti de Albuquerque, Correio Paulistano, 7 de janeiro de 1896.

[24] "Agora, pelo novo regulamento do sr. diretor das Rendas, que aliás exorbitou de suas atribuições e revogou a lei estabelecida, criando direito novo, as mercadorias despachadas e retiradas da Alfândega, depois de pagos todos os direitos, não podem ser embarcadas para São Paulo sem novo despacho, que terá de ser examinado depois pela Alfândega de São Paulo, obrigando assim o comércio ao vexame de um novo despacho de mercadorias já livres e desembaraçadas de direitos de consumo, e novas formalidades e guias; em suma, o regulamento em questão sujeita o comércio importador de Santos a uma exigência odiosa, que redunda em aumento incalculável de despesas, em demora incontestável para suas transações comerciais, em muitos outros obstáculos que uma boa lei aduaneira só deve remover". – Representação da Associação Commercial de Santos ao Ministro da Fazenda. 30 de dezembro de 1895.

[25] "O comércio de Santos confia ainda em v. ex., para quem recorre, tomando a liberdade de pedir que se digne estudar com máxima atenção e solicitude o objeto desta representação, pois está certo de que, se a Constituição Federal é uma verdade, se o Direito é instituído para ser realizado, se a Justiça tem um esplendor que não se empana, v. ex. não pode deixar de atendê-lo. E quando a voz deste comércio legítimo e honesto, que até hoje tem vivido e prosperado na confiança da boa execução das leis, não seja ouvida, o que não é de esperar, restar-lhe-á um motivo de justa satisfação: soube protestar, por intermédio desta Associação, contra a transgressão de princípios sufragados pela Constituição da República em benefício de sua liberdade, e soube repelir as injúrias que lhe assacou um funcionário federal de confiança do sr. ministro da Fazenda". – Idem ao Presidente da Republica, 3 de fevereiro de 1896.

[26] As Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, artigos editoriais do Jornal do Commercio, cit., 1896.

[27] Antes havia o ministro da Fazenda indeferido (3 de junho de 1896) uma petição da Companhia requerendo a suspensão do referido decreto n. 2.291, como preliminar à ação a intentar-se. Advogado da empresa, assim comentou A. Ferreira Vianna o indeferimento:

"Antes de recorrer aos meios judiciais para segurar a Companhia Docas de Santos no exercício de seus direitos, obscurecidos e ameaçados pelo decreto n. 2.291, de 28 de maio, entendeu o patrono da ameaçada que devia solicitar do próprio ministro a suspensão da execução do seu ato como prova de atenção ao poder de que dimanou… No dia 1º do corrente, intimado o superintendente da Companhia em Santos do teor do decreto para lhe dar execução antes de deferida a petição de sua suspensão, a ameaça tornou-se iminente, o indeferimento certo, e nesta estreita conjuntura fui forçado a requerer e obtive o mandado de manutenção do íntegro juiz. Contendo o decreto n. 2.291 matéria legislativa, com invasão manifesta do poder competente e determinações contrárias a disposições expressas na lei, a ordem política e social aconselhavam a sua suspensão por ato do Governo até que a Justiça Federal julgasse soberanamente de sua legalidade" – Jornal do Commercio, 6 de junho de 1896.

[28] Gazeta de Noticias, 4 de junho de 1896. Foi a exclamação também do órgão do porto: "Triunfou a justiça, venceu o Direito. Tais eram as palavras com que ontem as pessoas que leram nosso Boletim acolhiam o telegrama que transmitiu o despacho do Poder Judiciário da Capital Federal, pelo qual eram solenemente garantidos os direitos da Companhia Docas de Santos no conflito aberto pelo Poder Executivo com relação à remessa de mercadorias para a Alfândega de São Paulo. Foi, de fato, a vitória esmagadora da soberania da lei. Ainda há juízes em Berlim". – Diario de Santos, 4 de junho de 1896.