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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - 1600-1700 (14)

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 284 a 308 do Tomo I:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Imagem: reprodução parcial da página 284/tomo I da obra

1600-1700

[...]

CCLI – Pedro Teixeira, por ordem superior, no dia 28 de outubro de 1636, saindo da cidade de Belém com quarenta e sete canoas e duzentos homens ao seu mando, faz a sua viagem de exploração pelo Rio Amazonas e chega até a cidade de Quito; e acompanhado pelo jesuíta Christovão da Cunha, volta de sua viagem pelo mesmo rio e chega ao Pará em dezembro do ano seguinte (vide a narração histórica pelo padre Christovão da Cunha).

CCLII – Depois que a guerra enfraqueceu, os holandeses se foram afazendando, e o conde de Nassau se ocupou na construção da sua nova cidade Mauricéa, na ilha do Bairro de Santo Antonio, alinhando as ruas e ajudando aos moradores na edificação de suas casas, plantando árvores, fazendo jardins, chegando mesmo a plantar dois mil pés de coqueiros; sendo a casa ou o palácio do príncipe construído com grande auxílio voluntário dos moradores de Pernambuco. O comércio florescia e nada faltava, vivendo o povo satisfeito por haverem saraus, divertimentos, sendo em tanta cópia o dinheiro de prata e ouro, que os próprios escravos andavam com doblões em suas mãos para as suas despesas particulares.

O príncipe de Nassau, para conciliar os portugueses com o seu governo, favorecia os católicos, e tanto que mandou vir do Rio de S. Francisco o padre fr. Manoel do Salvador, a quem estimava e respeitava; que embora ele desejasse morar fora das fortificações, para o ter mais perto de si, concorreu para o fabrico que fez de uma casa na cidade Mauricéa.

Dois portugueses privavam na intimidade do príncipe, que eram João Fernandes Vieira e Gaspar Dias Ferreira; o primeiro ganhava a sua vida honestamente e procurava amizades entre os flamengos, e às vezes com dispêndio do que adquiriu; e o segundo só cuidava do seu interesse e de fazer ricos os holandeses à custa do sangue e da fazenda dos moradores de Pernambuco.

Gaspar Dias Ferreira, o verdadeiro e o maior traidor dos brasileiros e portugueses, e  se não pode comparar com Calabar, porque este tinha em mente o amor da pátria e a liberdade do Brasil, enquanto que Gaspar Ferreira, ladrão e assassino, denunciava com falsidades, para receber a sua quota do que cabia aos holandeses; sendo esse ladrão o primeiro português, que com mulher e filhos meteu-se dentro das fortificações holandesas, e os encaminhou para, por meio de roubos, adquirir muitas riquezas, acompanhando ao príncipe de Nassau à conquista da Bahia, para a sujeitar ao domínio da Holanda.

Esse ladrão foi o maior, e tanto que a própria Holanda não aprovava os excessos, injustiças, tiranias e roubos que os holandeses faziam aos moradores de Pernambuco, sendo repreendido o príncipe de Nassau, pelo que constava na Holanda, chegando o desgosto a fazer que o irmão deste príncipe o censurasse em face de fr. Manoel do Salvador, que, em favor deles indo implorar misericórdia do general Segismundo, conseguiu aplacá-lo, achando nele mais generosidade do que os holandeses encontraram em Mathias de Albuquerque em Porto Calvo. Os moradores em nada foram incomodados, ficando todos na posse de seus bens e liberdade.

Foi depois do grande desastre que experimentou Mathias de Albuquerque, que apareceu no dia 14 de março de 1633 o famoso crioulo Henrique Dias, oferecendo a Mathias de Albuquerque os seus serviços à frente de uma companhia de negros e mulatos para o ajudar na guerra, que sendo bem acolhido foi nomeado capitão dos homens pretos e mulatos que com ele se apresentaram.

O conde de Nassau se portou bizarramente em Pernambuco, e tanto que para satisfazer aos desejos dos católicos romanos escreveu duas cartas de sua letra a fr. Manoel do Salvador, que se achava no alto S. Francisco, para vir com segurança restar os seus serviços religiosos aos moradores do Recife, e o recebeu em sua casa com muita generosidade, pondo-o à sua mesa, e dando-lhe a direita no serviço dela, oferecendo-lhe o seu lar para residência; e como o frade recusasse pelas razões que apresentou, lhe pediu para não morar longe dele, e que o visitasse sempre.

Com o príncipe de Nassau esteve três dias o padre fr. Manoel do Salvador, passando-se depois para a casa de Francisco Berenguer de Andrada, na Várzea, até que mudou-se para a habitação que lhe fizeram junto do Rio Jequiá, atrás da capela do Bom Jesus. Pedindo o povo uma junta de sacerdotes para as decisões dos negócios eclesiásticos, ficando fr. Manoel do Salvador como presidente dela, este se recusou.

Mas o príncipe de Nassau, que em tudo desejava cumprir os desejos do povo, nada querendo da Bahia, mandou vir lá de Roma, por intermédio da Holanda, o breve de Urbano VIII que foi registrado pelo tabelião de Olinda, Manoel José de Neiva, e chegando fr. Manoel do Salvador aceitou o encargo, porque na petição estavam assinados alguns sacerdotes. Pernambuco florescia sob a dominação holandesa, e ninguém se queixava, estabelecendo-se em 1647 ou 1648 a imprensa tipográfica, e mais não fizeram porque a guerra contínua lhes não permitiu.

Calabar, no começo da guerra, era tratado como vil soldado; e sendo acolhido mui bem pelos holandeses, e na esperança de libertar a sua pátria do jugo português e espanhol, tudo fazia para vê-la livre e feliz. Como disse, o tempo se encarregou de justificar Calabar na adesão ao domínio holandês, porque depois da guerra mais opressão carregava o filho do país, que não passava de agricultor, frade, soldado e mesmo na milícia não subia do posto de tenente, porque este não tinha patente. Se havia necessidade de um brasileiro habilitado para qualquer emprego, vinha da metrópole um português em seu lugar. O ensino público lhe era vedado, as sociedades literárias eram mandadas suprimir, porque o governo de Lisboa queria dominar sobre a ignorância absoluta. Tudo carregava o pobre filho do Brasil, devendo consumir os produtos da indústria na metrópole.

CCLIII – Cômputo eclesiástico. Áureo número 4; ciclo solar 22; epacta 4; letra dominical D.

CCLIV – Martirológio. Páscoa a 12 de abril; 1º de janeiro quinta-feira; indicação romana 5; período Juliano 6.350.

CCLV – No dia 23 de janeiro de 1637, desembarca no Recife o governador holandês João Maurício, conde de Nassau, que havia sido nomeado pelo governo flamengo em 23 de outubro de 1636, para reger a colônia holandesa em Pernambuco.

Obtendo notícias da guerra ao Sul da capitania, marcha no dia 15 de fevereiro [22] para Porto Calvo, com cinco mil homens holandeses e considerável número de índios, resolvido a desalojar o conde de Bagnuolo, a quem já acusavam de covarde, o que de fato confirma a fama que gozava, porque abandona a defesa da vila de Porto Calvo confiada ao bravo d. Affonso Ximenes, Francisco Rebello, e Souza de Abreu, ajudados por quatrocentos homens dos nossos combatentes; dando batalha conseguiu triunfo pelo número e pela covardia do conde de Bagnuolo, que, se furtando ao combate, fugiu para a povoação de Santa Luzia do Norte, das Alagoas; e sendo perseguido pelo general Segismundo até ao Rio de S. Francisco, não o podendo alcançar, voltou, depois de mandar demolir um forte na Vila do Penedo.

Bagnuolo, continuando na fuga, chega à Bahia, e não fi bem recebido pelo governador geral Pedro da Silva.

CCLVI – O conde de Nassau, depois de ter feito entrar pelo Rio Manguaba acima muitas lanchas com armamentos e munições de guerra, segue com o seu exército, e faz-se ver no alto do Outeiro de Miguel Fernandes. Os moradores de Porto Calvo, com os oficiais da câmara e mais capitães, vendo o nenhum interesse que o conde de Bagnuolo tomava para a resistência, e que pretendia fugir, determinaram prendê-lo e entregar o comando das forças ali existentes ao mestre de campo Manuel Dias de Andrade, que sendo por eles consultado, negou-se, em obediência a el-rei, acrescentando que se o tivessem primeiramente prendido antes de o consultarem, não teria remédio senão assumir o comando das forças.

O precavido conde de Bagnuolo assistia fora da povoação, junto à casa de Amador Alves, e fizera com os seus italianos um caminho secreto, que ia ter ao Rio Manguaba, com o fim de fugir com mais segurança na ocasião oportuna, o que efetivamente aconteceu, ao cair da noite, e seguindo foi pousar em casa de Christovão Botelho, em Camaragibe, e daí para as Alagoas.

Divulgada a ausência do conde de Bagnuolo, Rodrigo de Barros Pimentel, capitão de cavalaria, quis seguir no encalço de Bagnuolo, para o fazer voltar, mas não o consentiram.

CCLVII – A cidade de Sergipe foi queimada pelos holandeses em 1637.

CCLVIII – O conde de Bagnuolo, que por covarde foge de Porto Calvo, é perseguido pelo conde de Nassau até o Rio de S. Francisco, e se apodera da vila do Penedo em 1637; e aí manda construir um forte, onde ficou o general Segismundo, com uma força de mil e seiscentos homens, com o fim de garantir o fruto da sua vitória.

O cronista de Penedo afirma que o forte mandado construir pelo conde Maurício de Nassau foi no lugar onde está a casa meio assobradada do coronel Antonio José de Medeiros Bittencourt, no beco fronteiro ao convento de S. Francisco, o qual por este motivo foi denominado, pela câmara do Penedo, Beco do Forte.

Quando cavaram os alicerces dessa cada acharam balas, aros de carretas e outros objetos que pertenceram ao mesmo forte. Os holandeses que estiveram de posse da vila do Penedo até 1645 destruíram os arquivos públicos; mas foram em diversos encontros batidos pelos moradores da margem do Rio S. Francisco, comandados por André da Rocha Dantas e Valentim da Rocha.

O forte foi arrasado.

CCLIX – Como o inimigo se achava acampado no alto do Outeiro de Miguel Fernandes, partiram o tenente-general Affonso Ximenes, Manoel de Souza Abreu, e com eles o capitão-mor d. Antonio Felippe Camarão e sua mulher d. Clara Camarão, de lança em punho, montada a cavalo; o mestre de campo Henrique Dias e outros o foram esperar no meio do outeiro, onde deram a grande batalha, que veio encarniçar-se junto ao Rio Comandituba. O conde de Nassauganha a vitória porque Bagnuolo os desampara.

Durante a batalha, o conde de Bagnuolo, que de longe espreitava o combate, manda por fogo à vila de Porto Calvo, a qual ardeu toda, à vista do inimigo, restando dela apenas a fortaleza, por estar assentada em um alto e afastada das casas.

CCLX – Nesta sanguinolenta batalha morreu d. Antonio Coutinho e muitos soldados, e ficaram prisioneiros os capitães Manuel de Souza Abreu, Balthazar da Rocha Pitta, que foram mandados para a Holanda. Ficou ferido o capitão João Lopes Barbalho, que permaneceu por dois dias no mato, alimentando-se com postas do seu próprio sangue coalhado, e Henrique Dias, que perdeu a mão esquerda.

Bagnuolo foge de noite pelo caminho que de antemão mandou fazer, e foi tomar alimento em casa de Christovão Botelho, em Camaragibe, e daí seguiu para as Alagoas; e como fosse perseguido por sua covardia, passou-se precipitadamente para Sergipe.

O conde de Nassau segue para o Sul, envia socorros a Segismundo, e ataca em Sergipe o forte ali existente; e os nossos, vendo-se abandonados pelo conde de Bagnuolo, se rendem ao inimigo. Os holandeses roubam e incendeiam a cidade de S. Christovão e os engenhos de açúcar de Felippe Paes, de Rodrigo de Barros Pimentel, de Miguel Paes e os de outros proprietários. Na margem do Rio S. Francisco o conde de Nassau mandou construir um forte a que denominou de Maurício.

Na sua volta para o Recife, recebeu um convite dos índios do Ceará para ele se ir apoderar daquela capitania, expelindo dela os portugueses, com promessa de o auxiliarem na empresa.

CCLXI – Nessa sanguinolenta batalha, obrou prodígios de valor d. Antonio Felippe Camarão – índio legendário das nossas glórias militares – e se imortalizou sua mulher, a distinta alagoana d. Clara Camarão, filha de Porto Calvo, a qual, montada em um cavalo, foi tão clara em gentileza, que deixou escurecidas as antigas heroínas de quem falam as histórias. Fr. Raphael de Jesus, no seu Castríoto Lusitano, conta: - "ser d. Clara Camarão o modelo de heroísmo feminil. Combateu com um denodo que a seu sexo fazia incrível; afrontando todos os perigos; carregou por muitas vezes o inimigo, e penetrou nos mais cerrados batalhões. Ao passo que combatia, exortava os soldados a fazer os seus deveres, prometendo-lhes vitória, e dando assim o exemplo a outras conterrâneas, que procuravam imitá-la".

Porto Calvo caiu então, mas com glória para os seus naturais e defensores, menos para o conde de Bagnuolo, que só achou segurança pessoal nas Alagoas, e depois na cidade da Bahia.

Foi na passagem do riacho Comandituba que o brioso e heroico mestre de campo Henrique Dias foi ferido na mão esquerda; e mandando amputá-la, continua na peleja dizendo "que na mão direita lhe ficavam muitas mãos para servir a Deus, a seu rei, e à sua pátria; e que para vingança deles, saberia fazer de cada um dedo uma forte mão".

CCLXII – A Rodrigo de Miranda Henrique sucedeu Salvador Corrêa de Sá e Benevides, filho de Martim Corrêa de Sá, o qual tomou posse do governo do Rio de Janeiro no dia 3 de abril de 1637; e como tivesse de ir socorrer Pernambuco contra os holandeses, ficou em seu lugar com a administração Duarte Corrêa Vasqueanes, até que regressando tomou de novo conta da governança.

A incumbência que tinha da inspeção e administração das minas o obrigou a ir visitá-las e, na sua ausência, encarregou o governo da capitania do Rio de Janeiro ao mesmo Duarte Corrêa Vasqueanes. Foi durante a sua excursão pelo Sul da capitania que criou as vilas de Ubatuba e de Paranaguá.

Salvador Corrêa de Sá e Benevides serviu até o ano de 1643, em que foi substituído por Luiz Barbalho Bezerra.

Salvador Corrêa de Sá e Benevides foi um benemérito de relevantíssimos serviços, e um militar valente e perito na guerra.

CCLXIII – Pelas sanguinosas contendas de franceses, holandeses e ingleses sobre quem havia de ficar com a Ilha de Cayenna e território adjacente, desapareceu um Padrão, que se havia fincado na boca do Rio Oiapoque, ou de Vicente Pinzon, com as armas de Castella, na face que olhava para o ocidente, e na que fazia rosto para o oriente as armas de Portugal, o que testemunharam conquistadores que viram, e palparam aquele Padrão trazido da metrópole e metido pelo segundo governador da capitania do Cabo do Norte, Bento Maciel Parente, que tomou posse por mercê que dela lhe fez Felippe IV, com a data de 14 de junho de 1636.

CCLXIV – Os holandeses, em fins do ano de 1637, mandam duas naus, sob o comando de Gusmão, casado com uma portuguesa no Rio Grande do Norte, atacar o Ceará e o Maranhão, o que fizeram, batendo a fortaleza do Ceará, comandada por Bartholomeu de Brito, que apenas a guarnecia com trinta e dois homens. Já a este tempo não se achava no Maranhão o capitão-mor Pedro Teixeira, e por isso desde essa época os holandeses não deixaram a costa, conquistando o Maranhão em 1641, por frouxidão do seu governador Bento Maciel Parente.

CCLXV – Cômputo eclesiástico. Epacta 15; letra dominical C; páscoa a 4 de abril.

CCLXVI – A guerra que se fazia aos holandeses por esses tempos era de guerrilhas, entretidas pelos soldados de d. Antonio Filippe Camarão e os de Henrique Dias; e como o conde de Nassau estava mais sossegado no seu palácio do Recife, mandou surgir das cinzas e ruínas, que deixaram o incêndio, a cidade de Olinda, e tudo providenciava com medidas de uma sábia administração e prudente política.

O conde de Nassau manda a família do conde de Bagnuolo, que tinha ficado prisioneira, para a Bahia, bem como aos capitães Antonio de Freitas da Silva e Gaspar de Souza Uchôa, sem retribuição alguma.

CCLXVII – Em 27 de janeiro de 1638 o cruel e covarde Bento Maciel Parente toma posse do governo do Maranhão; e Feliciano de Souza Menezes da administração do Pará; e como falecesse este último, o foi substituir Ayres de Souza Chichorro.

CCLXVIII – O conde de Nassau, depois de ter ido a Paraíba do Norte e lhe mudado o nome para o de cidade Frederica, empreende conquistar a Bahia, e preparado para a empresa no domingo de páscoa, 4 de abril de 1638, embarca-se e parte do Recife com trinta e cinco navios de guerra e sete mil e duzentos homens, para aquele fim; e no dia 16 de abril apresenta-se em frente da barra para conquistá-la; e saltando, com grande força, em Água de Meninos, é vigorosamente repelido, experimentando então o primeiro desastre de suas armas no ataque das trincheiras da cidade, onde morreu pelejando o nosso famoso Sebastião do Souto, que tantos serviços havia prestado à causa da pátria, na guerra contra os holandeses.

Não obstante o desastre que experimentou, mandou pelos seus assolar o recôncavo, e depois de grandes roubos, na quinta-feira, 25 de maio, o conde de Nassau, em virtude da grande derrota que teve no sítio da cidade do Salvador, resolveu retirar-se, e começou a embarcar suas tropas; e na quarta-feira 26, fez-se de vela para Pernambuco, levando com o seu exército e armada o desgosto da primeira derrota que sofreram as suas armas no Brasil, comandadas por ele (vide a história da invasão do conde de Nassau, contada por uma testemunha presencial, no tomo 1º da 2ª série do meu Brazil Historico pág. 75).

No dia 29 de março foi celebrado um Te Deum Laudamus, na Bahia, pela vitória das nossas armas.

Em novembro deste mesmo ano um corpo de oitocentos índios deserta do exército do conde de Bagnuolo.

CCLXIX – El-rei mandou premiar a Gregorio Teixeira, soldado da companhia do capitão Pedro Gomes, que na peleja com o inimigo perdeu um braço e o queixo no dia 18 de maio, nas trincheiras de Santo Antonio, por uma bala de artilharia, combatendo com muito valor e coragem, não se retirando enquanto o inimigo não correu; e estando de cama por muito tempo, em perigo de vida, lhe deu um escudo de vantagem sobre qualquer soldo cada mês, que tinha, pago da fazenda de sua majestade, por toda a vida, e em qualquer ocupação ou cargo, assim militar como civil.

CCLXX – O jesuíta padre Simão de Vasconcellos, em uma carta inédita remetida da Bahia para Lisboa, falando dos sucessos do tempo, conta o que fez o bispo d. Pedro da Silva Sampaio em proveito da causa pública contra os holandeses… "Senão quando pouco depois, como se por mais não esperasse aos 16 de abril, entraram pela barra a dentro os holandeses com trinta e tantas velas e seis mil homens de peleja, pouco mais ou menos; aqui digo eu então, que folgaria vossa majestade de ver o ânimo, préstimo, zelo e fervor do sr. Bispo, tudo, sobre suas forças e idade; não sabia descansar, já em uma, já em outra parte tudo previa, e remediava.

Mas, como o diabo não dorme, quando mais se prometia e quando com a sua boa mão as coisas parece que começaram a ter bom rosto, então se ocasionou matéria de mor trabalho, que teve o sr. bispo, porventura do mor perigo esta cidade. A não ser a muita indústria do dito senhor; e foi o caso, que saindo a nossa infantaria, fora da cidade, com intenção de acometer o inimigo, que desembarcado em terra estava alojado a duas léguas, e tendo já quase cercado para o dito efeito, por assento tomado lá entre os do governo, e principalmente por voto do conde de Bagnuolo, foram mandados retirar sobre a cidade; este mandado sentiram tanto universalmente quase todos, que o povo se amotinou em tal forma, que estiveram a ponto de apelidar novas cabeças, ou ainda passar a mais, como lá se contará mais largo.

Tocando a câmara o sino, ajuntando-se o povo na praça, e no meio desta decisão, e revolta tão perigosa, foi de tanta importância o bom zelo e autoridade do senhor bispo que, a faltar esta, estivera em natural perigo a cidade; foi necessário andar pelas ruas, pela praia, pela praça, pelas casas do senhor governador, e outras do governo, protestando, compondo, e concordando de tal maneira que quem menos se imaginava, conspiravam em um corpo, e unidos, e concordados, todos dispuseram de tal modo as coisas, que logo dali começaram a fomentar esperanças.

Nem com isto o sr. bispo descansava, animando em uma e outra parte, prometendo ajuda do seu trabalho, de seus bens, e de sua vida, contanto que ficasse em pé a cidade de sua majestade. Sabendo que faltava dinheiro, mandou logo todo o que tinha, que eram dois mil cruzados, oferecendo com ele se fosse necessário as alfaias de sua casa, não faltando ao mesmo tempo com outras esmolas a necessidades particulares, que eram muitas na cidade.

Vendo mais, a grande necessidade que havia de valas e trincheiras, em que os nossos se defendessem, e detivessem o impacto do inimigo, que cada vez vinha-se mais aproximando; para meter calor a todos, trabalhava com força e pressa, tomando a sua conta, com os seus cônegos e clerezia, uma das mais importantes que com o seu trabalho e indústria em breve tempo se acabou imitando a seu exemplo, os religiosos, e logo todo o povo, com tal competência, que em breve se conseguiu tudo.

Com estes bons princípios tivemos a primeira e segunda acometida do inimigo, com bom ânimo e valentia, a Deus graças, muitos morrendo, em uma e outra batalha mais de seiscentos dos inimigos, e outros tantos ou mais feridos, morrendo da nossa parte só quarenta homens, e feridos cento e vinte. Com estes se houve o sr. bispo, com grande zelo e piedade, consolando-os, animando-os, confessando-os e ajudando-os a curar, fazendo de sua casa botica, e desejando tê-la grande, para nessa ocasião não faltar, em acompanhar os que estavam para morrer em suas casas e os que já eram mortos, à sepultura.

Tudo isto, e outras muitas coisas, que não conto, para não parecer historiador, obrou o zelo e ânimo do sr. bispo. E o que daqui resultou foi ficar em pé a cidade de sua majestade, porque o inimigo vendo-se mui diminuído, na flor da sua gente, e os nossos bem petrechados, e animados, uma noite, aos 25 para 26 de maio, secretamente desalojou, fugindo a se embarcar, com tanta pressa e medo, que deixaram muita parte de suas coisas, munições, enxadas, pás, vinho, farinha, azeite, muitas peças de artilharia, e muitas outras coisas de que os nossos se aproveitaram, e ficaram tão animados com a vitória.

Tudo isto se deve em grande parte ao sr. Bispo, que brevemente quis escrever, como testemunha que bem o sabe, para que conste da verdade e Vm. Como irmão goze das glórias de tão bom sucesso, a quem eu como capelão e amigo mui particular que sou do sr. bispo, me ofereço a coisa de um seu serviço, cuja casa e pessoa guarde o Senhor. Deste colégio da Bahia, a 27 de maio de 1638. Capelão de Vm. O padre Simão de Vasconcellos".

CCLXXI – No dia terça-feira, 8 de novembro de 1639, apareceu na atmosfera de Lisboa uma medonha nuvem de gafanhotos, que interceptava a luz do sol, gastando onze dias em sua passagem do nascente para o poente.

CCLXXII – Pedro Teixeira, que tinha ido explorar o grande Rio Amazonas, voltou ao Pará acompanhado do famoso jesuíta Christovão da Cunha, partindo da cidade de Quito, em caminho do Pará.

Em 26 de abril deste mesmo ano de 1639, Manuel Madeira toma posse do governo da capitania do Grão Pará.

CCLXXIII – O intrépido crioulo Henrique Dias, comandante do terço dos homens pretos de Pernambuco, é confirmado no dia 4 de setembro de 1639, no posto de governador dos homens pretos do exército do Brasil, com o soldo mensal de dezesseis mil réis.

Neste mesmo ano de 16t39, nas Alagoas, os holandeses põem a tratos a Sebastião Ferreira, morador em S. Miguel; a Manuel Pinto, lavrador de canas de açúcar; ao alcaide-mor das Alagoas, Gabriel Soares, e outros, pondo-lhes fogo debaixo dos pés, por terem-nos – como fornecedores de víveres à Bahia; mas o principal motivo de os pôr em tormentos era para em vista deles comprarem as vidas a peso de ouro.

CCLXXIV – Em 21 de janeiro de 1639 se mandou rejeitar a provisão de sua majestade, que "havendo respeito ao bem que serviu nas ocasiões do sítio João Lopes Barbalho, capitão de infantaria do terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, procedendo com satisfação em tudo o que se lhe encarregou de guardas, nos trabalhos de fortificações, e ao valor com que procedeu em todas as ocasiões de peleja assinaladamente na de 18 de maio, em que o inimigo intentou levar por escala as trincheiras de Santo Antonio, aonde o dito João Lopes Barbalho estava trabalhando em uma estrada, e aberta, que com a sua gente fazia abaixo das fortificações do inimigo, para reparo das nossas emboscadas, com que continuadamente batiam com sua artilharia e mosquetaria, cujas coisas fazia de noite em ocasião que o inimigo nos investia com dois mil e setecentos homens em três troços, contra os quais o dito capitão Barbalho foi dos primeiros que lhe saiu ao encontro, matando-lhes, ferindo e aprisionando muitos da sua gente, e continuando-se a peleja, se lhe ordenou que, com duzentos homens, e com mais alguns do capitão-mor Camarão e gente de Henrique Dias, tocasse pelas costas o inimigo, o que fez, batendo-os junto às suas fortificações, sendo esta diversão parte mui grande do sucesso que tivemos, fugindo o inimigo por um mato à praia, e o seguindo em atalho, foi ajudado por dois capitães e mais reforço que o mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra lhe mandou, e chegando às fortificações inimigas na manhã do dia 19, aí degolaram trinta e oito holandeses, sendo o principal nesta ação o capitão João Lopes Bezerra, procedendo em tudo durante a guerra com valor, zelo e obediência; e pelos quais serviços se lhe deu dois escudos de vantagem sobre qualquer soldo, cada mês, para que os goze".

CCLXXV – Por ordem de el-rei, o governador e capitão general d. Pedro da Silva, conde de Avintes, manda rejeitar a provisão de 22 de janeiro de 1639, o que se fez em 31 do mesmo mês, em que havendo respeito e satisfação ao procedimento em todas as ocasiões com que se portou o capitão Bartholomeu Machado, no dia 18 de maio, em que o inimigo com todo o poder e grande resolução intentou levar por escala as trincheiras de Santo Antonio, pelejando mais de três horas, se houve o dito capitão com tanto valor, pelejando de fora das trincheiras, e recolhendo-se para dentro delas, foi nomeado e posto pelo tenente general Ximenes, e pelo mestre de campo d. Fernando de Lodenha, na porta da trincheira, sobre a qual o inimigo carregou com muita força, e grande quantidade de granadas, onde o dito capitão se houve como muito honrado soldado, na defesa da dita porta, e sendo atacado de novo pelo inimigo ficou ferido na mão direita e aleijado o dedo polegar, e pelo que se lhe dá dois escudos de vantagem, sobre qualquer soldo, cada mês para que o goze.

CCLXXVI – El-rei mandou dar a d. João Vicencio Sam Felice, conde de Bagnuolo, do conselho do Brasil, de Nápoles, mestre de campo general do exército do Brasil, como compensação às suas fadigas bélicas assinaladas em 16 de abril de 1638 e 26 de maio, quatro escudos sobre o soldo.

CCLXXVII – No ano de 1639 chega à Bahia uma grande armada sob o mando do conde da Torre, d. Francisco de Mascarenhas, com o destino de socorrer Pernambuco, o qual depois de tomar posse do governo geral, não cumprindo as ordens que trouxe, depois de alguns meses, volta a Lisboa e ali foi preso.
Por esse tempo, o almirante Carlos Torlon devasta a maior parte dos lugares próximos à Bahia, e quando todos estavam tomados de susto, chegaram de Pernambuco à Bahia os mestres de campo André Vidal de Negreiros, Luiz Barbulho Bezerra, Henrique Dias e o capitão-mor d. Antonio Filippe Camarão, que pela fama do seu valor e perícia militar tranquilizaram os ânimos.

Neste mesmo ano Manuel Madeira toma posse do governo do Pará.

CCLXXVIII – Cômputo eclesiástico. Epacta 7; letra dominical A G; Páscoa a 8 de abril.

CCLXXIX – No domingo 20 de novembro de 1639, o conde da Torre, d. Fernando de Mascarenhas, governador geral do Brasil, reúne na Bahia oitenta e nove navios e sai em procura da esquadra holandesa; e no domingo 12 de janeiro do ano seguinte, de 1640, dá combate naval entre Itamaracá e Goyana; neste primeiro combate foi morto o almirante holandês Guilherme Loas e o resultado foi igual para ambas as esquadras. Ao amanhecer começou-se de novo o combate, entre Goyana e o Cabo Branco; ainda um terceiro combate se deu perto da Paraíba; e no dia 17, terça-feira, deu-se ainda um quarto combate junto do Patingi. O conde da Torre fez desembarcar na costa de Pernambuco mil e duzentos homens ao mando do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, e segue viagem para Lisboa.

CCLXXX – O marquês de Montalvão, d. Jorge de Mascarenhas, sendo nomeado primeiro vice-rei do Brasil, por Filippe IV, toma posse do governo geral do Estado, na terça-feira 5 de junho de 1640, e depois de cuidar das fortificações da Bahia fazendo construir novas, como a do Barbalho, que sendo um pequeno reduto feito pelo mestre de campo Luiz Barbalho Beserra, manda o governador Henrique Dias e Paula da Cunha destruir as fortalezas e fortificações holandesas no Norte do Brasil, onde esses dois militares praticaram inauditas crueldades nos flamengos.

CCLXXXI – A procissão de cinza foi instituída pela ordem terceira de S. Francisco da Penitência do Rio de Janeiro, em 1640; e no ato dessa procissão davam-se muitas irreverências e escândalos impróprios ao culto divino, como gritarias e mesmo tumultos dentro da igreja. Por fim foi ela suprimida, por não convir à dignidade da ordem.

CCLXXXII – Na quarta-feira, 8 de agosto de 1640, foi expedida a carta régia, regulando o modo por que deveriam ser tratados e governados os índios, sob a administração dos jesuítas, que marchavam sistematicamente no plano de sua prosperidade, fortificados pelo crédito e segurança da Companhia de Jesus.

CCLXXXIII – Secretário de estado de d. Filippe IV, Fernão de Mattos.

CCLXXXIV – Secretários de estado de Filippe III: duque de Lerma, em Madrid. Fernão de Mattos, em Lisboa.

CCLXXXV – Secretários de estado de Filippe IV: duque de Olivares. Diogo Soares. Miguel de Vasconcellos. Christovão de Moura. Fernando de Lucena.

CCLXXXVI – Os jesuítas foram os fundadores de S. Paulo, e os que primeiro ali se estabeleceram em 1560. Depois de residirem na povoação, muito respeitados, perto de um século, em 1640 foram expulsos de toda a capitania de S. Vicente pelos moradores dela, amotinados no dia 13 de julho de 1640 por não poderem sofrer que tendo os jesuítas a administração espiritual e temporal dos índios os quisessem excluir da temporal por uma bula que obtiveram do papa Urbano VIII, e só depois de treze anos (1653) é que foram restituídos aos seus colégios, precedendo várias ordens, para informações, que mandou tirar d. João IV, escrevendo ao senado da câmara, dando-se por muito satisfeito da restituição dos jesuítas.

Os jesuítas eram inimigos dos descendentes de João Ramalho, e de sua mulher Izabel, princesa dos guaianases.

CCLXXXVII – Cansado Portugal de suportar o peso vergonhoso de um jugo estranho de vinte e nove anos, onze meses e alguns dias, se revolucionou, sendo assassinado no 1º de dezembro, sábado de 1640, em Lisboa, Miguel de Vasconcellos, secretário de Margarida, duquesa de Mântua, que governava o reino por Filippe IV, e elevado ao trono português o príncipe d. João VIII duque de Bragança [23] no dia 15 de dezembro, mesmo mês e mesmo ano; e esta notícia trazida à Bahia, pelo jesuíta Francisco Vilhena, sendo bem recebida, foi de el-rei aclamado nela, no dia 15 de fevereiro do ano seguinte de 1641.

CCLXXXVIII – As causas que atuaram para a restauração da liberdade portuguesa foram os pesados tributos no povo, e esta ideia vindo desde 1635, em Évora, e chegaram a Vila Viçosa em 1638, onde começaram a acelerar o duque d. João, rei de Portugal: a mudança para Madrid das principais pessoas do reino, por ordem do governo da Espanha, com oposição dessas mesmas pessoas, e outras causas não menos poderosas deu em resultado a revolução do 1º de dezembro de 1640, e a ascensão do duque d. João ao trono português.

CCLXXXIX – Os principais conjurados para a restauração de Portugal foram: o arcebispo de Lisboa; Antonio de Almeida; Francisco de Mello; Jorge de Mello; Pedro de Mendonça; Antonio de Saldanha; João Pinto Ribeiro (primeiro motor da revolução, o qual por seu espírito e prudência soube conduzir esta a seu fim); Mathias de Albuquerque; conde de Alegrete, valente general, que ganhou vitórias no Além Tejo, Flandres e na América.

CCXC – Na quarta-feira 22 de agosto de 1640, foi criado o bispado do Rio de Janeiro, ficando-lhe subordinadas as capitanias de S. Paulo e Minas.
El-rei d. Filippe IV, desejando colocar o prelado da igreja fluminense, Lourenço de Mendonça, na categoria de bispo do Rio de Janeiro, por carta régia de 7 de outubro de 1639 pede à Sé de Roma que crie um bispado e prelazia desta cidade, o que tendo feito, em 22 de agosto de 1640, comunicou à Mesa da Consciência e Ordem os motivos da sua resolução. Lourenço de Mendonça foi sagrado bispo, mas não tomou posse do bispado do Rio de Janeiro por ter seguido o partido de Filippe IV, contra Portugal.

CCXCI – Desde que Castella, em 1581, se apoderou de Portugal pelo falecimento do cardeal rei d. Henrique, até o 1º de dezembro de 1640, em que se libertou, com a ascensão do duque de Bragança d. João IV ao trono português, a vila de S. Paulo vivia independente, porque o descuido da metrópole e a guerra holandesa favorecia.

Chegando a notícia da restauração de Portugal à Bahia, o vice-rei marquês de Montalvão a mandou transmitir às capitanias do Sul, sendo el-rei proclamado no Rio de Janeiro, no dia 10 de março de 1641.

Salvador Corrêa de Sá mandou, por seu sobrinho Arthur de Sá, levar a notícia a S. Vicente e a Santos, e aí foi el-rei proclamado por Luiz Dias Leme. O mesmo não aconteceu na vila de S. Paulo porque os espanhóis europeus, que se achavam entrelaçados nas famílias paulistas de consideração, viviam em S. Paulo ocupando os cargos civis e militares, não queriam decair da influência que gozavam, e passarem para o domínio puramente português, e pelo que, aparecendo algumas manifestações contra a aclamação de el-rei d. João, resolveram tornar S. Paulo desligado de Portugal, aclamando um paulista rei, para mais tarde unir S. Paulo aos espanhóis do Rio da Prata, e para isso seduziram a plebe para aclamar um Amador Bueno da Ribeira, paulista conceituado, rico, com grande família e descendente de espanhóis, e que havia ocupado muitos cargos administrativos em S. Paulo.

O povo, assim insuflado pelos espanhóis, vai à casa de Amador Bueno da Ribeira e o elege rei natural, e Bueno, surpreendido, recusa a coroa e o trono oferecidos e conjura-o para reconhecer como legítimo soberano a el-rei d. João IV; e como o povo instasse até com ameaças de o matar, ele, tomando uma espada, sai pela porta do quintal, correndo em busca do mosteiro de S. Bento, gritando "Viva João IV, nosso rei, pelo qual estou disposto a derramar todo o meu sangue"; e entrando no mosteiro fecha a portaria, e em vista do motim e grita geral, fez breve exposição aos religiosos, e pouco tempo depois apareceu o abade com a comunidade de cruz alçada, acompanhados de alguns homens bons da vila, que, exortando o povo, o acomoda, sendo ao mesmo tempo proclamado d. João IV soberano rei legítimo de Portugal.

A Câmara de S. Paulo, em sessão, deliberou mandar a Lisboa uma deputação composta de Luiz da Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato, com a narrativa do acontecido, que, sendo mui bem recebida, teve em resposta a carta régia de 26 de setembro de 1643, de agradecimento aos paulistas e especialmente a Amador Bueno da Ribeira, por sua fidelidade à pessoa de el-rei e à monarquia portuguesa.

CCXCII – Não obstante a mudança política de Portugal, o conde de Nassau mandou conquistar o Maranhão, o que teve lugar no dia 15 de novembro deste mesmo ano de 1640, cuja cidade foi entregue pelo cruel e covarde Bento Maciel Parente, governador daquele estado; o qual, por esta entrega, faleceu preso na fortaleza do Rio Grande do Norte. Maranhão em 1642 é restaurado pelos esforços de Antonio Muniz Barreiros.

CCXCIII – Em 28 de outubro de 1640, João Dalch, almirante holandês, com uma esquadra e oitocentos homens, dá desembarque no Porto de Roças Velhas, hoje conhecido por Porto dos Padres, e atacando a vila foi vigorosamente repelido, distinguindo-se nesta ação o capitão Domingos Cardoso, e Antonio de Couto e Almeida.

CCXCIV – Poucos anos depois da criação da capitania de Sergipe de El-Rei por Christovão de Barros, foi mudada a povoação da cidade de S. Christovão para um outro lugar dentro da barra do Rio Poxim do Sul, que fica a uma légua pouco mais ou menos da Atalaia, que dá hoje sinal à barra da Cotinguiba, em um alto que de presente se denomina de Santo Antonio, e próximo ao porto da Areia do dito Rio Paxim (N.E.: SIC: notada a discrepância Poxim/Paxim).

Jaboatão diz que esta mudança proveio da insalubridade do local, que ocasionava muitas enfermidades, e receios das excursões que faziam os franceses nas costas do Brasil.

Daquele lugar do Poxim mudaram os holandeses a cidade de S. Christovão e sede da capitania para um lugar junto ao Rio Paramopama, que é um braço do Rio Vaza-Barris. Esta é a antiga capital de Sergipe de El-Rei, sede do governo até 1855, em cujo tempo foi transferida a capital para Aracaju, por influência do presidente Ignacio Joaquim Barboza.

CCXCV – Cômputo eclesiástico. Epacta 18; letra dominical F; Páscoa a 31 de março.

CCXCVI – Por intrigas do bispo da Bahia, d. Pedro da Silva Sampaio, na segunda-feira 15 de abril de 1641 é deposto e preso na mesma cidade o primeiro vice-rei do estado, marquês de Montalvão, como contrário à restauração de Portugal, e recolhido ao colégio dos jesuítas, é enviado para Lisboa, onde se justificou. O vice-rei tinha dois filhos em Portugal que tomaram o partido da Espanha e se retiraram para ali.

Governo interino

O bispo D. Pedro da Silva Sampaio.
O mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra.
O provedor-mor Lourenço de Brito Corrêa.
E também se diz que o senado da Câmara tomou parte no governo interino.

CCXCVII – No mesmo ano do primeiro reinado de el-rei d. João IV, o arcebispo de Braga, d. Sebastião de Mattos e Noronha partidário da Espanha, com o empenho de sublevar o reino em proveito de Filippe IV, seduz com razões mui fortes a d. Luiz de Menezes, marquês de Villa Real, que andava descontente, e este a seu filho d. Miguel de Noronha, duque de Caminha, a Ruy de Mattos de Noronha, a d. Agostinho Manuel e outros fidalgos para uma conjuração; mas sendo ela descoberta, mandou el-rei, no dia 28 de julho de 1641, prender a todos na mesma hora, e sendo processados e convencidos o marquês de Villa Real, o duque de Caminha, o conde de Armamar e d. Agostinho Manuel, foram todos sentenciados à pena capital por crime de lesa-majestade, em primeiro grau, e levados na noite do dia 28 de agosto a umas casas da Praça do Rocio fronteiras à igreja do hospital, e ao meio dia do dia 29 foram degolados no patíbulo levantado na mesma praça e expostos ao povo, sendo os cadáveres levados a enterrar de noite e sem pompa. Com esta execução ficou consolidada no trono a casa de Bragança no reino de Portugal.

CCXCVIII – No dia 22 de novembro de 1641, em dezoito navios chegaram os holandeses a Aracagy, e no dia 25 pela manhã entraram no porto do Maranhão sem responderem à salva de cumprimento que o governador Bento Maciel Parente lhes tinha feito, e foram dar fundo em frente da ermida de Nossa Senhora do Desterro. O governador recebeu os holandeses com as portas abertas, entregando-lhes as chaves da cidade, sendo arriada a bandeira portuguesa e arvorada nas estações públicas a holandesa. (Souza Gayoso, e Corogr. Hist. T. 3º).

CCXCIX – Na quinta-feira, 24 de abril de 1642, foi expedida a provisão régia recomendando a cultura do anil, da cana-de-açúcar, do gengibre e da mandioca, como mui proveitosa aos interesses coloniais e reais.

CCC – Chegando a Lisboa o marquês de Montalvão, preso por suspeitas de ter sido desfavorável à restauração de Portugal e à elevação de el-rei d. João IV, justificou-se plenamente; e sua majestade, reprovando a conduta dos governadores interinos, não só pelo que praticaram com o primeiro vice-rei, como pela sua incapacidade para o governo do Estado, nomeou para suceder-lhes a Antonio Telles da Silva.

[...]


[22] Outros dizem que a marcha de Nassau para o Sul fora em janeiro.

[23] A casa de Bragança principiou em d. Affonso I duque de Bragança, filho de el-rei d. João I, casado com d. Beatriz Pereira, filha de d. Nuno Alvares Pereira; d. Fernando I; d. Fernando II; d. Jayme; d. Theodoro I; d. João, casado com d. Catharina, filha do infante d. Duarte, e neta de el-rei d. Manuel; d. Theodoro II, pai de d. João VIII duque de Bragança e depois rei de Portugal de 1640 a 1668.