CLIMA
Um fenômeno bem pouco natural
"O céu
anda impertinente. Não se chove assim dois meses seguidos por simples
desabafo dum fenômeno físico; e deve haver sem dúvida
no fundo dessa chuva uma razão moral. Confio pouco nos recursos
da meteorologia para explicar esse abuso d’água que me parece escapar
ao seu domínio e pertencer ao domínio pleno da teologia,
como o dilúvio, o arrasamento de Gomorra e tantas outras manifestações
históricas da zanga divina.” (poeta santista Vicente de Carvalho,
em “Psicologia da Chuva”, 18 de fevereiro de 1895).
O “Poeta do Mar” - que será
lembrado quando a avenida que o homenageia ficar deserta num chuvoso final
de semana, varrida por ventos de tempestade -, e o cronista do desértico
sertão nordestino - recordado no momento em a epopéia de
Canudos, por ele registrada em famoso livro, completa o primeiro século
- já abordavam no final do século passado as consequências
da intervenção humana no meio-ambiente, numa época
em que a palavra Ecologia sequer tinha sido inventada. Porém, já
no século XVIII, o fenômeno El Niño já era conhecido
pelos pescadores do Oceano Pacífico, como uma brisa quente que escondia
as montanhas dos Andes em certas épocas.
Em 1891, o presidente da Sociedade Geográfica
de Lima (Peru), Luis Carranza, enviou artigo ao boletim daquela entidade,
chamando a atenção para o fato de que “os marinheiros do
porto de Paita, que frequentemente navegam ao longo da costa Oeste da América
do Sul em pequenas naus, costumam denominar de El Niño (o menino
Jesus) uma contracorrente (de Norte para Sul) que surgia em alguns anos,
logo após o Natal”, ao longo da costa peruana, associada a fortes
chuvas que transformavam o deserto local em “esplendorosos jardins”, possibilitando
a prática da agricultura.
Fenômenos semelhantes já
haviam sido relatados pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro, por
volta de 1525, como cita
a página Web do Departamento de Meteorologia da Funceme.
Em 1877, o meteorologista inglês
Gilbert Walker, trabalhando no departamento de Meteorologia da Índia,
descobriu a ligação entre o fenômeno registrado no
Pacífico e as mudanças climáticas que ocorriam na
mesma época no Sudeste Asiático. Mas, as pesquisas só
começaram efetivamente a ocorrer há menos de 30 anos, quando
J. Bjerknes (em 1969) apresentou uma explicação mais clara
e correta do mecanismo desse fenômeno, como um aquecimento anormal
das águas do Pacífico tropical Centro-Leste, desde o litoral
do Peru e do Equador até a chamada Linha Internacional da Data,
junto à linha do Equador. Este aquecimento interfere na circulação
atmosférica de grande escala e, assim, provoca mudanças nas
condições climáticas em todo o planeta, devido à
grande quantidade de energia envolvida neste processo.
Segundo alguns trabalhos baseados em
análises de produção pesqueira e de dejetos de pássaros
das Ilhas Galápagos, pôde-se inferir a ocorrência do
fenômeno (pelo menos) há 500 anos. Já o inverso do
El Niño é o resfriamento das águas do Oceano Pacífico
Tropical (cujas consequências no clima parecem não ser catastróficas)
é também chamado de, Anti-El Niño, ou La Niña.
Os meteorologistas usam basicamente uma série de embarcações
e cerca de 70 bóias preparadas para coletar dados sobre a Temperatura
da Superfície do Mar (TSM) e transmitilos por satélite, no
chamado projeto Toga-Tao (Tropical Atmosphere-Ocean Array - Tao), apoiado
pelo programa internacional denominado de Tropical Ocean Global Atmosphere
(Toga), criado em 1985, como consta no site da Funceme na Internet.
O entendimento do fenômeno
permitiu inclusive que começasse a ser previsto: viria a cada período
de três a sete anos e duraria um ano e meio. Só que, neste
ano, a previsão era para que chegasse em dezembro próximo,
mas em fevereiro já era registrado, e com intensidade bem maior
que o de 1982/83, o recorde anterior, que causou 200 mortes e cerca de
600 mil desabrigados com chuvas no Sul do Brasil (principalmente no Vale
do Itajaí/SC), Leste do Paraguai e Norte da Argentina), e forte
seca no Nordeste Brasileiro.
Previsões - Para o
Instituto
Nacional de Meteorologia, o fenômeno deste ano deve ter intensidade
máxima em dezembro, enfraquecendo a partir de maio de 1998. Até
lá, devem ocorrer fortes chuvas, provocando enchentes, no Sul do
País, forte seca no Nordeste e instabilidades no Sudeste e no Centro-Oeste.
No mundo, segundo o Inmet, deve provocar seca nos Estados Unidos, Sudeste
da África e Austrália, com prejuízos para a agricultura
local. No Golfo do México, pode provocar tempestades, bem
como no litoral Sul da América do Sul, inundações
no Peru e no Sul dos EUA. O evento deste ano já provocou enchentes
no Leste da Europa (Polônia, com 52 mortes), Ásia (Oeste da
Índia, 240 mortes), América do Sul (mil pessoas desabrigadas
no Rio Grande do Sul).
Na opinião da Administração
Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA),
o fenômeno deste ano deve ser o maior do século, pois as águas
do Pacífico, na região do El Niño, já atingiram
4,27 graus centígrados acima da temperatura normal, quando o máximo
registrado (em junho de 1983) foi de 5,1 graus, e o El Niño mal
começou sua ação.
Internet - Além dos
endereços Web citados, podem ser destacados os do International
Research Institute (IRI);
do Projeto SeaWifs
da Nasa; do Pacific Marine Environmental
Laboratory (PMEL); o Noaa
Office for do Climatic Diagnostic Center (NOAA/CIRES);
e o Noaa Office of Global Programs
(NOAA-OGP).
O endereço das estatísticas
CCA do Climate
Prediction Center (CPC/NCEP/NOAA)
também apresenta uma série de indicadores globais atualizados.
Já o Climatic Diagnostic
Center (CDC/NOAA/CIRES)
tem até um glossário com os termos relacionados com aquele
fenômeno meteorológico. Todos eles levam a muitos outros links
com endereços da Internet.
Se El Niño é - aparentemente
- um fenômeno natural de origem vulcânica, registrado há
quase 500 anos, as organizações meteorológicas internacionais
não têm dúvidas de que a intervenção
humana na Natureza, com as queimadas, a poluição atmosférica
e a destruição das florestas, está contribuindo muito
para o agravamento das consequências.
“Mas é natural o fenômeno
(...) dessa anomalia climática. Porque há longos anos, com
persistência que nos faltou para outros empreendimentos, nós
mesmos a criamos. Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento
de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza
que nos rodeia” (Euclides da Cunha, em “Fazedores de Desertos”,
22 de outubro de 1901).
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