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Publicado originalmente pelo editor de Novo Milênio no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos em 7/10/1997.
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/17/02 09:54:58
CLIMA
Um fenômeno bem pouco natural 

"O céu anda impertinente. Não se chove assim dois meses seguidos por simples desabafo dum fenômeno físico; e deve haver sem dúvida no fundo dessa chuva uma razão moral. Confio pouco nos recursos da meteorologia para explicar esse abuso d’água que me parece escapar ao seu domínio e pertencer ao domínio pleno da teologia, como o dilúvio, o arrasamento de Gomorra e tantas outras manifestações históricas da zanga divina.” (poeta santista Vicente de Carvalho, em “Psicologia da Chuva”, 18 de fevereiro de 1895).

O “Poeta do Mar” - que será lembrado quando a avenida que o homenageia ficar deserta num chuvoso final de semana, varrida por ventos de tempestade -, e o cronista do desértico sertão nordestino - recordado no momento em a epopéia de Canudos, por ele registrada em famoso livro, completa o primeiro século - já abordavam no final do século passado as consequências da intervenção humana no meio-ambiente, numa época em que a palavra Ecologia sequer tinha sido inventada. Porém, já no século XVIII, o fenômeno El Niño já era conhecido pelos pescadores do Oceano Pacífico, como uma brisa quente que escondia as montanhas dos Andes em certas épocas.

Em 1891, o presidente da Sociedade Geográfica de Lima (Peru), Luis Carranza, enviou artigo ao boletim daquela entidade, chamando a atenção para o fato de que “os marinheiros do porto de Paita, que frequentemente navegam ao longo da costa Oeste da América do Sul em pequenas naus, costumam denominar de El Niño (o menino Jesus) uma contracorrente (de Norte para Sul) que surgia em alguns anos, logo após o Natal”, ao longo da costa peruana, associada a fortes chuvas que transformavam o deserto local em “esplendorosos jardins”, possibilitando a prática da agricultura.
Fenômenos semelhantes já haviam sido relatados pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro, por volta de 1525, como cita a página Web do Departamento de Meteorologia da Funceme.

Em 1877, o meteorologista inglês Gilbert Walker, trabalhando no departamento de Meteorologia da Índia, descobriu a ligação entre o fenômeno registrado no Pacífico e as mudanças climáticas que ocorriam na mesma época no Sudeste Asiático. Mas, as pesquisas só começaram efetivamente a ocorrer há menos de 30 anos, quando J. Bjerknes (em 1969) apresentou uma explicação mais clara e correta do mecanismo desse fenômeno, como um aquecimento anormal das águas do Pacífico tropical Centro-Leste, desde o litoral do Peru e do Equador até a chamada Linha Internacional da Data, junto à linha do Equador. Este aquecimento interfere na circulação atmosférica de grande escala e, assim, provoca mudanças nas condições climáticas em todo o planeta, devido à grande quantidade de energia envolvida neste processo.

Segundo alguns trabalhos baseados em análises de produção pesqueira e de dejetos de pássaros das Ilhas Galápagos, pôde-se inferir a ocorrência do fenômeno (pelo menos) há 500 anos. Já o inverso do El Niño é o resfriamento das águas do Oceano Pacífico Tropical (cujas consequências no clima parecem não ser catastróficas) é também chamado de, Anti-El Niño, ou La Niña. Os meteorologistas usam basicamente uma série de embarcações e cerca de 70 bóias preparadas para coletar dados sobre a Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e transmitilos por satélite, no chamado projeto Toga-Tao (Tropical Atmosphere-Ocean Array - Tao), apoiado pelo programa internacional denominado de Tropical Ocean Global Atmosphere (Toga), criado em 1985, como consta no site da Funceme na Internet.

O entendimento do fenômeno permitiu inclusive que começasse a ser previsto: viria a cada período de três a sete anos e duraria um ano e meio. Só que, neste ano, a previsão era para que chegasse em dezembro próximo, mas em fevereiro já era registrado, e com intensidade bem maior que o de 1982/83, o recorde anterior, que causou 200 mortes e cerca de 600 mil desabrigados com chuvas no Sul do Brasil (principalmente no Vale do Itajaí/SC), Leste do Paraguai e Norte da Argentina), e forte seca no Nordeste Brasileiro.

Previsões - Para o Instituto Nacional de Meteorologia, o fenômeno deste ano deve ter intensidade máxima em dezembro, enfraquecendo a partir de maio de 1998. Até lá, devem ocorrer fortes chuvas, provocando enchentes, no Sul do País, forte seca no Nordeste e instabilidades no Sudeste e no Centro-Oeste. No mundo, segundo o Inmet, deve provocar seca nos Estados Unidos, Sudeste da África e Austrália, com prejuízos para a agricultura local. No Golfo do México, pode provocar tempestades, bem como no litoral Sul da América do Sul, inundações no Peru e no Sul dos EUA. O evento deste ano já provocou enchentes no Leste da Europa (Polônia, com 52 mortes), Ásia (Oeste da Índia, 240 mortes), América do Sul (mil pessoas desabrigadas no Rio Grande do Sul).

Na opinião da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA), o fenômeno deste ano deve ser o maior do século, pois as águas do Pacífico, na região do El Niño, já atingiram 4,27 graus centígrados acima da temperatura normal, quando o máximo registrado (em junho de 1983) foi de 5,1 graus, e o El Niño mal começou sua ação.

Internet - Além dos endereços Web citados, podem ser destacados os do International Research Institute (IRI); do Projeto SeaWifs da Nasa; do Pacific Marine Environmental Laboratory (PMEL); o Noaa Office for do Climatic Diagnostic Center (NOAA/CIRES); e o Noaa Office of Global Programs (NOAA-OGP). 

O endereço das estatísticas CCA do Climate Prediction Center (CPC/NCEP/NOAA) também apresenta uma série de indicadores globais atualizados. Já o Climatic Diagnostic Center (CDC/NOAA/CIRES) tem até um glossário com os termos relacionados com aquele fenômeno meteorológico. Todos eles levam a muitos outros links com endereços da Internet.

Uma das páginas Web sobre o fenômeno El Niño Uma das páginas Web sobre o fenômeno El Niño
Se El Niño é - aparentemente - um fenômeno natural de origem vulcânica, registrado há quase 500 anos, as organizações meteorológicas internacionais não têm dúvidas de que a intervenção humana na Natureza, com as queimadas, a poluição atmosférica e a destruição das florestas, está contribuindo muito para o agravamento das consequências.

“Mas é natural o fenômeno (...) dessa anomalia climática. Porque há longos anos, com persistência que nos faltou para outros empreendimentos, nós mesmos a criamos. Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia” (Euclides da Cunha, em “Fazedores de Desertos”, 22 de outubro de 1901).

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