NOTÍCIAS 2002
Mantendo o ensino à distância
Mário Persona (*)
Colaborador
Educação à distância não é novidade para mim. Desde meu
primeiro contato com uma professora, descobri minha vocação para aluno à distância. Minha mãe me inscreveu num curso de piano antes
mesmo de me ensinarem a ler. Na minha cabeça pequena, era como um curso de datilografia, só que com apenas duas letras: as brancas e
as pretas.
Dois dias depois eu já estava à distância daquele ensino. Não queria ficar ali pintando
bolinhas presas entre as linhas apertadinhas daquele caderno esquisito, enquanto minha irmã tocava de verdade. Desse dia em diante
procurei ser um bom aluno à distância. Procurava me manter à distância do ensino. Não pense mal de mim. Eu gostava de aprender, mas
só o que gostava de aprender. Não o que o ensino regulamentar gostava de ensinar. Se é que gostava.
Assim que aprendi a ler passei a devorar livros e gibis. Principalmente ambos. Sabia de cor
e salteado o "Tesouro da Juventude". Lia até as revistas "Mecânica Popular" em espanhol que meu pai assinava, provando que a melhor
professora de idiomas é a dona Vontade. Quando queria um ensino ainda mais à distância, ia até a casa de minha tia, compradora
contumaz de todas as enciclopédias. Daquelas vendidas nas bancas, cujos fascículos ninguém manda encadernar. Ela mandava.
Atlas - Meu primeiro contato com um ensino à distância mais formal foi aos dez ou
onze anos, quando alguém tentou me vender um curso de segunda mão. Ou de segundo punho, já que o sujeito das fotos aparecia sempre
de punhos fechados, naquelas poses de cotovelos em ângulos esquisitos, para cima e para baixo, como as figurinhas nas paredes das
tumbas egípcias. Aquilo sim era cultura - cultura física. No curso, Charles Atlas prometia que eu ficaria com um físico igual ao
dele, para atrair as garotas. Naquela idade eu não tinha muita certeza da utilidade disso.
O menino magrinho que queria vender o curso não saiu da primeira lição. A que ensinava a
comer um caminhão de proteínas. Não conseguiu convencer a mãe a cozinhar uma granja inteira de ovos e fritar um boi fatiado todas as
manhãs. Nem a comprar as pêras e maçãs, importadas na época, que o cardápio traduzido ordenava. Tampouco a tomar canja todas as
noites. Frango, na casa do magrinho, só quando um dos dois ficava doente.
Não comprei o curso, mas a partir daquela época grudou em mim a vontade de estudar à
distância. Mas isso você só vai ler no próximo bloco. Pois se existe algo que todo ensino a distância que se preze deve ter é a
técnica de Sherazade. Nome da princesa de "Mil e Uma Noites", cuja vida seria ceifada na manhã seguinte se não conseguisse manter o
príncipe entretido para adiar a execução. Para ganhar a vida, ela contava histórias e as interrompia no ponto certo, como faço aqui.
Não me pergunte a razão da preferência do príncipe por ouvir histórias justo na noite de
núpcias. O que importa é que Sherazade mantinha o curso da cimitarra à distância de seu pescoço, interrompendo a história sempre um
pouco antes do amanhecer. Bem na parte mais interessante, para deixá-lo louco de vontade. De ouvir o resto da história, claro.
A continuação? Ele que aguardasse a próxima noite. Sherazade tinha a fórmula que todo ensino
à distância gostaria de ter para reduzir os índices de evasão por falta de interesse. Ela conseguia manter seu aluno por mil e uma
noites só contando histórias, interrompidas na hora agá. E o príncipe, todo ouvidos naquelas noites em claro. Isso talvez
explique o fato do café ser originário daquelas terras e época. Só não podia ser expresso.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.
P.S.: esta crônica teve continuação:
Diminuindo a distância do ensino à distância |