NOTÍCIAS 2002 -
AMBIENTE
Propostas e debates agitam a Rio+10
Na Audiência Pública com Chefes de Estado, que lotou a
plenária da Rio+10 Brasil, o vice-primeiro-ministro inglês, John Prescott, disse estar esperando que os países ricos, entre eles a
própria Inglaterra, atuem melhor nesse jogo na África do Sul, pois o que estará sendo decidido é o destino da humanidade, o nosso
futuro comum. Outro momento de seu
discurso muito aplaudido foi quando lembrou que a Rio+10 será realizada quase exatamente um ano após os atentados de 11/9/2001,
momento em que o mundo se uniu em torno da dor americana e do repúdio ao terrorismo. "Por que não nos unirmos novamente em
Joanesburgo, em torno de questões que podem garantir ao mundo avançar para o desenvolvimento, com proteção ao meio-ambiente e
justiça social?", propôs.
A Audiência Pública reuniu também os presidentes do Brasil e da África do Sul; o
primeiro-ministro sueco; a princesa da Jordânia, Basma Bint Talal; e a governadora do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva.
Houve consenso por parte de todos no sentido de que é fundamental implementar as ações definidas durante a Rio-92. Conforme destacou
Fernando Henrique Cardoso, há 30 anos, alguns falavam, no Brasil, que não poderia haver desenvolvimento sem poluição, chegavam a
dizer "bendita poluição". "Hoje, nem os mais obtusos diriam isso", enfatizou. O presidente disse ainda que, em Joanesburgo, as
negociações sobre energia e governança precisam avançar.
Da mesma forma se manifestou o primeiro-ministro da Suécia, Goran Persson. Ele apontou que a
próxima reunião de cúpula na África do Sul é uma oportunidade de aprofundar as realizações de 1992. Persson ressaltou ser
fundamental ter-se em mente que é preciso passar das palavras às ações. "Nosso desafio é criar um mundo mais seguro para as pessoas
que estão no limite da pobreza", enfatizou. Persson destacou ainda dois pontos fundamentais para atingir o desenvolvimento
sustentável: os recursos humanos e os investimentos em novas tecnologias. "Os países que estiverem na ponta desses avanços
tecnológicos alcançarão avanços econômicos incríveis", concluiu.
O encontro de 1992, para o presidente da África do Sul, foi de grande importância, mas hoje
a questão, para ele fundamental é a da pobreza global. "Esse, sem dúvida, é um tema que precisa ser discutido em Joanesburgo." Thabo
Mbeki assinalou, no entanto, que preferia ouvir o que seus interlocutores tinham a dizer naquele momento a expressar suas posições
para a próxima reunião. "Prefiro ouvir e levar essas propostas para serem discutidas na Rio +10", decidiu.
As palavras da governadora Benedita da Silva apontaram para uma certa preocupação com vistas
a um possível insucesso no encontro de Joanesburgo. "Devemos levar para a Rio+10 não os fracassos, as metas que não foram cumpridas,
mas o nosso desejo por um mundo melhor."
A princesa Basma Bint Talal, da Jordânia, lembrou a Carta da Terra, idealizada por Maurice
Strong e Michael Gorbatchev e principal contribuição da sociedade civil para a Rio-92. Para ela o conteúdo desse documento - de
visão compartilhada de valores básicos para a construção de uma sociedade global e sustentável - deve orientar a Rio +10 em
Joanesburgo. "A Carta de Terrra articula consensos éticos entre interesses diversos. Reconhece que a paz é resultado da criação de
boas relações entre todas as formas de vida. O desenvolvimento sustentável, portanto, deve adotar como orientadores esses
consensos", propôs.
Energia e Terra - No segundo dia da Rio+10 Brasil foram realizadas duas sessões,
focadas nos informes das iniciativas previstas para a Cúpula de Joanesburgo. A sessão de Informe sobre a Iniciativa de Energia
reuniu, para discutir o assunto, os especialistas brasileiros José Goldemberg e Luís Pinguelli Rosa e os convidados Steve Sawyer,
Benito Mueller, Robert Lion, Christopher Flavin e Jennifer Morgan. Na platéia, Maurice Strong, Ignacy Sachs e Paulo Nogueira-Netto
também falaram sobre o tema.
Christophe Flavin, presidente do Worldwatch Institute, propôs que em Joanesburgo se apóie a
prática de subsídio à geração de energia renovável, já que sua produção é mais cara que a convencional. Disse também que, hoje,
cinco países no mundo se destacam na utilização de fontes de energia alternativa, entre eles, o Brasil, a Alemanha e a Espanha.
Paulo Nogueira-Netto, ambientalista brasileiro que foi um dos líderes da Conferência de
Estocolmo, em 1972, propôs que se crie no Brasil o Instituto Brasileiro de Unidades de Conservação (IBUC), para cuidar
especificamente das florestas secundárias, porque são essas que fixam o carbono. Os órgãos existentes, como o Ibama, além de outros
encargos, têm seu foco nas florestas primárias. Paulo Nogueira sugeriu também, para Joanesburgo, a criação de uma rede internacional
para proteção das matas secundárias.
Já Maurice Strong é de opinião que devem ser criados novos mecanismos de implementação de
políticas energéticas alternativas, e não novas instituições, "porque as que existem são suficientes".
A abertura da Audiência Pública com chefes de Estado incluiu uma cerimônia do Movimento
Inter-Religioso do Rio de Janeiro (MIR), cujos integrantes - 12 líderes religiosos, entre os quais pastores, mães-de-santo, xamãs e
monges, convidaram todos a lerem juntos a Oração pela Terra.
André Porto, coordenador do movimento, disse que o objetivo da mensagem é tentar resgatar a
dimensão sagrada do Planeta, sem a qual os esforços dos ecologistas serão em vão. "É preciso reaprender com os povos tradicionais
essa dimensão sagrada da Terra. Os índios Iroquoi, por exemplo, que vivem nos Estados Unidos, ensinam que ao tomar decisões
importantes, um líder deve pensar nos impactos que essas terão sobre as futuras sete gerações. Se o Bush pensasse ao menos na
geração presente, certamente assinaria o Tratado de Kioto.
Gases nocivos - Um dos compromissos assumidos na Rio 92 pelos países participantes
foi de produzirem relatórios com o diagnóstico sobre o que eles emitem de gases nocivos para a atmosfera e o que estão fazendo ou
pretendem fazer para implementar a Convenção de Mudanças Climáticas.
Coordenado por José Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia, o relatório brasileiro
está sendo preparado desde 1996, envolvendo cerca de 100 instituições privadas e acadêmicas, cada uma delas coordenando uma
determinada área do trabalho. "Levantamos todos os setores que tem uma emissão de gás significativa envolvendo as instituições mais
capacitadas para fazer este tipo de análise", esclarece Miguez.
O inventário brasileiro é relativo ao período de 1990 a 94. Trata-se de um trabalho pioneiro
porque implicou na criação de novas metodologia, e na adaptação de outras, como a da ONU, à realidade brasileira. Embora o relatório
não vá ser apresentado na Rio+10, onde não serão discutidas as Mudanças Climáticas, o Brasil pretende apresentar seus resultados até
a realização da Conferência.
"Estamos tentando fazer com que estes documentos estejam disponíveis até a Rio+10, para
mostrar que o país está trabalhando seriamente para implementar os compromissos da Rio 92". Segundo Miguez, o diagnóstico mostra que
as emissões de gases poluentes brasileiras são na sua maior parte provenientes da agropecuária e das atividades industriais, mas são
relativamente pequenas levando-se em consideração a dimensão territorial do país e o fato do Brasil ser a 8ª economia do mundo.
Geleiras - Se todas as geleiras da Terra derretessem de repente, o mar subiria 70
metros e alagaria grande parte das áreas costeiras de todo o mundo. Embora remoto, esse cenário foi desenhado num mapa hipotético,
elaborado pela equipe do glaciologista Maxim Moskalevsky, membro do Instituto de Geografia da Academia de Ciências da Rússia e um
dos convidados da Rio+10 Brasil. Pela segunda vez no Brasil - anteriormente passou por Recife rumo à Antártida - respalda essa
informação, explicando que hipóteses são essenciais para planejar a vida do ser humano no planeta nas próximas décadas.
"Precisamos nos preparar para as mudanças, além de detalhar interações que acontecem hoje no
planeta. Nos últimos 10 anos, a criação de ferramentas muito precisas foram fundamentais, como o sensoriamento remoto, disponível em
satélites, o que adicionou resultados aos estudos já existentes. Por isso, graças a essas tecnologias, a ciência já pode prever os
níveis de elevação do mar nos próximos anos e ajudar as pesquisas, mostrando que o aquecimento global, por exemplo, é de fato um
fenômeno cíclico da história da Terra. Não sendo, portanto, o resultado de emissão de poluentes", afirma Maxim.
Outra proposta que boa parte dos convidados estrangeiros da Rio+10 Brasil levará para a
Conferência de Joanesburgo, será a de que todos os países devem aceitar e aderir aos conceitos de desenvolvimento sustentável. O
colombiano Ricardo Melendez-Ortiz, diretor-executivo do Internacional Centre for Trade and Sustainable Development, acrescenta que
essa é a maneira de acabar com os conflitos econômicos e sociais. "Para que a medida se concretize, o comércio internacional deve
passar da teoria à prática, pensando no bem comum. Caso contrário, as conseqüências serão catastróficas".
Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, sugere como medida efetiva a
abertura do mercado de eletricidade para utilização de energia renovável e de outras fontes, além de oferecer contratos longos de
energia por preço acessível para acelerar o desenvolvimento. Ele acredita que se os governos fizerem isso, encontrarão boas fontes
de energia limpa e criarão vários empregos.
Já o advogado inglês James Cameron, especialista em Direito Internacional e membro do Comitê
de Litígios Ambientais Transnacional, da Associação Internacional de Direito, propôs que os políticos defendam os programas
ambientais quando estiverem em campanha. "Eles precisam ser enfáticos com a população, garantindo que se forem eleitos, terão
empenho em resolver o problema da água, que faltará no mundo em 10 anos, ou da energia, pois sem ela não há economia e emprego".
Na sua opinião, através de encontros como a Rio+10 Brasil, podem-se aprovar programas em
pouco tempo e daí, freqüentemente, saem tratados internacionais para que problemas ambientais sejam solucionados. Ele acredita que
no encontro do Rio possa sair alguma proposta no sentido de ajudar a pauta da Conferência de Joanesburgo e traçar linhas mais
realísticas do que as da Agenda 21, possibilitando o sucesso da Conferência da África do Sul.
Índios protegem ambiente - A inclusão dos povos indígenas nas discussões sobre
proteção ao meio-ambiente é fundamental para assegurar a sobrevivência do planeta, pois nas suas reservas, as florestas, rios e
pesca são preservados, embora utilizem esses recursos naturais para sua sobrevivência, mas sem destruição.
A tese do americano Mark Plotkin, diretor-executivo da Amazon Conservation Team, organização
não-governamental que protege florestas tropicais, obteve aplausos dos participantes de um dos quatro painéis realizados na Rio+10
Brasil. O etnobotânico e também escritor esteve em Mato Grosso e denunciou que naquele estado o desmatamento é grave, pois só se
vêem fazendas com plantação de soja. Ele desenvolveu um estudo na reserva do Xingu, em parceria com a Funai, sobre a tribo kamaiurai.
"Só mesmo na reserva se encontra mato", avisa. E acredita, também, que a demarcação de terras indígenas possa garantir o futuro da
Terra, citando como exemplo os índios do Suriname, que pediram ao governo a demarcação de seu território. Assim, eles garantiriam
uma reserva natural.
Em outro painel, o diretor-geral do Worl Wildlife Fund, o suíço Claude Martin, denunciou a
exploração desordenada do Ártico. "Diversas companhias de petróleo, além de dezenas de projetos no norte da Rússia, podem modificar
o ecossistema da região", ressaltou.
A maioria dos participantes dos painéis da Rio+10 Brasil reclamou que os EUA não estão
investindo no desenvolvimento sustentável, poluindo o planeta de forma desordenada. O conferencista Ian Hartke, representante do
Serviço de Informação americano e presidente do Easth Council Fund, garantiu, entretanto, que o país vem gastando US$ 900 milhões
para a melhoria de qualidade ambiental, além de US$ 4 bilhões para o desenvolvimento sustentável.
Entre as propostas sugeridas pelos palestrantes para serem encaminhadas ao encontro de
Joanesburgo, destacam-se as de Michael Gucovski, assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e a de
Nobutoshi Akao, embaixador do Japão junto à sede da ONU, em Genebra. Gucovski defende a criação de um fundo, em Joanesburgo, de US$
1 bilhão para a energia sustentável. "É preciso que aqueles que não têm acesso à energia possam tê-lo. Isso dará a chance a esses
excluídos terem acesso à globalização." Akao concorda que deveriam existir pagamentos pelos serviços ambientais. "Seria uma forma de
preservação dos recursos ecológicos", ressalta.
Sobre a questão de ratificação do Protocolo de Kioto, Jonathan Lash, presidente da World
Resources Institut, acredita que até 2004 os Estados Unidos deverão aceitá-lo. "Há uma conscientização de boa parte do povo e de
muitas indústrias no sentido de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa. Isso não foi cobrado ainda do governo.
Bush, neste momento, é muito popular, e Washignton vive entrincheirada atualmente. Ainda não houve cobrança por uma posição do
governo", concluiu.
Referindo-se ao Protocolo de Kioto, Luis Gylvan Meira Filho, diretor da Agência Espacial
Brasileira, destacou que haverá um momento em que diversas nações o terão ratificado, enquanto Estados Unidos, Austrália e Nova
Zelândia, não. "Então viveremos por um tempo com duas economias acontecendo no mundo. Acredito, no entanto, que a médio prazo haverá
uma convergência dos países que hoje não pactuam com essas medidas", enfatizou.
Ajuda dos ricos - A ajuda dos países ricos aos países pobres e a necessidade da
capacitação de recursos humanos como parte da efetiva implementação do desenvolvimento sustentável foram bastante debatidos
nos painéis da Rio+10 Brasil.
No Rio desde a abertura da Conferência, o suíço Branislav Gosovic, do South Center, destacou
que a questão do desenvolvimento sustentável passa obrigatoriamente pela pauta Norte-Sul: a ajuda obrigatória dos países ricos aos
pobres, que desde 1992 caiu para um terço do estabelecido. "As ondas de sustentabilidade foram atacadas por dois furacões: o ajuste
estrutural e a globalização", alertou Álvaro Umaña, do PNUD.
"Conseqüentemente à falta de mais investimentos, a questão da capacitação dos recursos
humanos ficou à margem, impedindo a inclusão de grande parte da sociedade ao mundo globalizado", afirmou Thaís Corral, diretora da
Rede de Desenvolvimento Humano e uma das responsáveis pela elaboração da Agenda 21 de Ação das Mulheres por um Planeta Saudável.
"Devemos levar em conta que as mulheres fazem parte da parcela mais pobre do país e, queremos combinar nossas ações com as Metas do
Milênio para alterar esse quadro até 2015", completou.
Um outro enfoque para a inclusão das pessoas e a revitalização das suas ambições foi
apresentado pelo jordaniano Hisham Al-Khatib, que defende a criação de um fórum para a mobilização de recursos financeiros. "A
pobreza caminha junto com a degradação ambiental. Enquanto isso, os avanços tecnológicos fazem com que o conhecimento humano dobre a
cada cinco anos. Precisamos fazer a transferência tecnológica para incluir essas pessoas", determinou.
A princesa jordaniana Basma Bint Talal, presidente da mesa, destacou que a necessidade de
união dos paises do sul para lutarem juntos em Joanesburgo é fundamental. "É preciso ter cuidado com o poder de lobby de certas
delegações. Isso já ocorreu em Bali; em Joanesburgo, precisa ser diferente", alertou.
O secretário da Biodiversidade e Floresta do Ministério do Meio-ambiente, José Pedro de
Oliveira Costa, enfatizou que, hoje, o conceito de desenvolvimento sustentável já é conhecido e aceito por todos. "O problema é sua
implementação e seu uso, não para fins políticos, e sim como parte da política dos países." Para Mario Mantovani, presidente da SOS
Mata Atlântica, no entanto, o termo desenvolvimento sustentável foi banalizado. "Vemos políticas suicidas usando como escudo a
sustentabilidade. Em 1992, saímos daqui animados. No entanto, as empresas, mesmo as que estão em Cubatão, não cumpriram suas
agendas", sentenciou.
Worldwatch - O presidente do Worldwatch Institute, uma das mais importantes
organizações não-governamentais do mundo - no qual ele coordena equipe de estudos sobre clima e energia -, declarou no Rio de
Janeiro que “a chave para o desenvolvimento sustentável é ver que a saúde do planeta e do povo são mais importantes do que o
crescimento da economia.” O grande desafio agora, em sua opinião, é criar novas estruturas governamentais para regulamentar e guiar
essa economia. Assim, ao mesmo tempo em que formamos nacionalmente uma forte economia industrial, criamos também fortes instituições
governamentais.
Para ele, o que se pode concluir nos últimos 10 anos é que a globalização da economia está
indo muito além da globalização das estruturas governamentais, que são designadas para proteger as pessoas e o meio-ambiente
mundial. Flavin fundou, em 1982, o Business Council for Sustainable Energy (em Washington D.C.) e atua nas áreas de mudanças
clmáticas desenvolvimento de novas estratégias energéticas. Diplomado em Economia e Biologia pelo Williams College (Estados
Unidos), foi consultor da ONU (Organização das Nações Unidas) para desenvolvimento sustentável. Participa ainda, pelo Worldwild
Institute, da edição do relatório anual Estado do Mundo.
Ele ressalta que o mais importante da Eco 92, no Rio, foi ter criado uma infra-estrutura
internacional para debater os problemas do meio-ambiente e da biodiversidade e elaborado a Agenda 21, que definiu uma série de
objetivos. Flavin destaca nos últimos 10 anos um pequeno progresso rumo a um mundo sustentável em nível global. “Ainda há liberação
de gases poluentes, florestas sendo destruídas, e a população continua crescendo rapidamente, mas vemos também, em algumas partes do
mundo, o início de intervenções políticas, tecnológicas e sociais, que vão eventualmente ajudar a solucionar esses terríveis
problemas.
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