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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/24/01 14:45:50
"APAGÃO"
Os dois pólos da mesma tomada 

Além de retomar a questão da vazão necessária nos rios, esta mensagem postada em 19/5/2001 por César Boschetti, na lista de debates sobre negócios Widebiz aborda a questão dos horários de maior consumo versus os comentários das autoridades sobre como seriam os apagões a partir de 1º/6/2001 - temporariamente descartados depois, mas que poderão ser definidos a qualquer momento:

Os dois pólos da mesma tomada

Tecnicamente não faz muito sentido falarmos em polaridade para a energia doméstica ou industrial. Esta forma de eletricidade alterna sua polaridade 60 vezes por segundo, daí seu nome: corrente alternada de 60 Hertz. Todavia, do ponto de vista político e econômico, a estória tem dois pólos bastante evidentes. Mesmo que as divergências e os tradicionais apagões de memória se alternem em meio às autoridades "despolarizadas", a frequência não chega a ocultar os dois pólos igualmente negativos dessa bateria de estórias mal contadas.

Em primeiro lugar, o descaso para com a infra-estrutura do setor elétrico, sobretudo com a transmissão de energia é, lamentavelmente, um fato incontestável e injustificável. Não importa muito se o problema vem de longe. Isto não altera em nada a responsabilidade dos tecnocratas de plantão. Nenhum governo, mesmo sem muita luz própria, poderia, ou pelo menos não deveria, falar em crescimento econômico sem investimentos paralelos permanentes e proporcionais no setor de geração e distribuição de energia.

De outro lado, a opinião pública precisa ser melhor esclarecida sobre essa crise emergencial causada pelas travessuras de São Pedro. Se neste País a roubalheira já não é pouca à luz do dia, imaginem no escuro como é que vai ser! Não! Não me venham dizer que estou fazendo calúnias, querendo pôr fogo no circo ou virei partidário fanático da teoria da conspiração. Não fui eu quem fez das falcatruas uma moda de sucesso e da impunidade uma regra. É apenas por conta disto que tenho minhas dúvidas quanto à real dimensão da crise.

Seguindo a tradição brasileira, é perfeitamente possível que a incompetência para gerir o problema seja bem maior que o próprio problema. Ou, quem sabe, tudo não passe de uma "providencial" coincidência de pretextos para aumentar o preço da energia. De um modo ou de outro, está difícil de engolir este sapo. Como que uma situação, facilmente previsível e evitável, pode pegar um governo de surpresa? Mais ainda, porque ameaçar cortes longos de energia se o horário de pico de consumo residencial fica por conta do banho entre 18:00 e 22:00 horas. Por que deixar logradouros e monumentos públicos às escuras entre 22:00 e 6:00 horas da manhã? Nesse período, mesmo considerando o baixo nível das represas, a demanda residencial e industrial, seguramente, está bem abaixo da capacidade geradora.

Admitamos que estejam querendo poupar água já que a energia gerada não dá para armazenar. Ocorre que não se pode fechar completamente as comportas de uma represa. Será que a vazão mínima já não é suficiente para satisfazer a demanda energética da madrugada? Com relação ao consumo, que critérios foram utilizados para definir as faixas? Qualquer aprendiz de eletricista sabe que uma casa de 5 pessoas com 1 chuveiro, uma geladeira e meia dúzia de lâmpadas deve gastar mais que 200 kWh por mês. 

É óbvio que, mais uma vez, estão querendo que a sociedade como um todo pague o pato e não apenas os esbanjadores. Acho que o mínimo que se pode esperar é uma explicação decente para isso tudo. É como diz o velho dito popular, gato escaldado tem medo de água fria. Que em meio a toda essa secura de idéias e de vergonha tem muita água suja correndo. Ah isso tem! 

César Boschetti
Tecnologista
INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais