Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano01/0105b018.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/19/01 13:07:16
O lado bom do apagão

Ana Maria Gonçalves (*)
Colaboradora

Todo mundo só vê o lado ruim deste apagão. Mas, você aí: já parou para pensar com clareza no lado bom da coisa?  Em quantos casamentos poderiam ser salvos? Há quanto tempo será que o casal não faz um jantar à luz de velas? E, depois do jantar, no escurinho do quarto, nem vai dar para perceber que ela não está com "aquele corpinho e conjunto de lingerie de anúncio de revista". Por outro lado, a mulher não vai ficar preocupada com celulites, estrias, depilação impecável. E muito menos vai perceber que o marido não cortou as unhas dos pés e que precisa chamar alguém para pintar teto. 

Sim, este apagão vai ser a chance de acender vários casamentos apagadinhos. 

E para início de namoro, então? Romantismo puro :

- Eu queria te convidar para passar o primeiro apagão do ano comigo. 

Vai até servir de referência :

- Começamos a namorar naquele primeiro apagão.

Ou então :

- O Juninho foi feito naquele primeiro apagão.

Muitos obstetras não vão ter o menor trabalho para determinar a data exata da concepção. Basta fazer a pergunta:

- Quando foi a última menstruação? 

- Ah, doutor. Foi antes do primeiro apagão.

É batata! Taí um grande negócio para as confecções e lojas de artigos para bebê. Montem o Kit Apagão, vendido a preços populares. Para os kits mais sofisticados, façam parceria com as indústrias de geradores e baterias. Já pensou se o bebê teima em nascer justamente na hora de outro apagão? Os casais não vão saber o que fazer com as máquinas fotográficas e filmadoras. 

Não sei também como ainda não surgiu, nas linhas mais alternativas da medicina, algum especialista em parto sem luz. Não existe o parto sem dor? Talvez isto seja um pouquinho mais complicado, porque onde já se viu dar à luz, sem luz? Ai, meu Deus, será que vamos ter que inventar um outro termo para os partos realizados durante os apagões?

Já ouvi dizer que o apagão também vai diminuir a produção e o lucro das empresas, fazendo aumentar o desemprego e preço dos produtos. Sempre os pessimistas de plantão, aqueles que não enxergam a luz no fim do túnel. Vou dar apenas um exemplo de como este problema pode ser contornado e depois cada um que adapte a minha linha de raciocínio: uma fábrica de lâmpadas, por exemplo, pode aproveitar sua tecnologia para produzir lamparinas. 

É claro que, para isto, receberiam incentivo do governo, que vai lucrar ainda mais com a distribuição de combustível para lamparina, via Petrobrás. E parte da população desempregada do país poderia se empregar na ressuscitada função de acendedores de lamparinas, que seriam fixadas nos postes de todas as cidades brasileiras. E este incentivo do governo vai ser pago por quem? Por nós, é claro, que já pagamos o pato e vamos pagar mais um, com o que vamos economizar na conta de luz.

Haveria também um grande aumento no número de vagas como guardas de trânsito, para monitorar os cruzamentos. Distribuidores de alimentos frescos saindo da fábrica (nada de congelados). E, principalmente em uma indústria na qual o Brasil pode se tornar o número um do mundo: fábrica de velas. 

Investidores, se ainda não pensaram nisto, é bom começar a pensar antes que aumente a concorrência. Monte uma fábrica de velas. Já pensou o lucro que vai dar? E incremente seu negócio, pense em algo diferente para promover suas velas. Por exemplo:

Vela ACM - não apaga nem no meio de um vendaval 

Vela Bonde do Tigrão - não apaga nem quando fica tchutchuquinha

Vela Viagra - de grande potência e longo desempenho.

Vela Lembrança de Viagem - Já imaginou? Viria com o seguinte invólucro: "Estive em um apagão em São Paulo e me lembrei de você".

Com a evolução da indústria de velas, logo surgiriam as velas com injeção eletrônica
(auto-alimentadas por sua própria energia, elas reciclariam a própria parafina), velas turbo (vêm com soprinho que as torna mais potentes), velas com ABS (parariam de queimar no exato instante em que são sopradas, sem ficar soltando aquela fumacinha de cheiro desagradável), velas com computador de bordo (regulariam a intensidade da chama de acordo com um comando de voz ou uma pré-programação), vela com airbag (para evitar o contato com a chama em caso de descuido nosso). 

Bem, dei apenas exemplos relacionados com a indústria automobilística porque é onde as velas já são usadas há bastante tempo, não é mesmo? Mas qualquer tipo de indústria, usando a criatividade, poderia tirar grande proveito do fenômeno que vai ser o merchandising da vela.

Os que pensam mais a longo prazo, podem abrir uma empresa de adesivos. Sim, porque imagina como vai ficar o trânsito e a segurança nas grandes cidades, no escuro total? Vai ser uma experiência inesquecível para muita gente, que vai se orgulhar de andar por aí com um adesivo no carro "Eu sobrevivi ao apagão". 

A educação das crianças também vai ser facilitada. Sabe aquele seu filho, que nas horas que não tem apagão, não desgruda do video-game ou adora uma sala de bate-papo na internet? Ameace-o com a multa por aumento de consumo de energia:

- Olha que vou descontar a multa da sua mesada!

No interior, tenho certeza que apagão vai acabar virando sinônimo de bicho-papão, mula-sem-cabeça :

- Menino, vem logo prá dentro senão o apagão vai te pegar!

E, melhor ainda, vai funcionar mesmo. É real.

Aliás, pode até ser um motivo de orgulho para todos nós brasileiros. Estou até vendo as manchetes nos jornais: "Em todo o Brasil, apagão funciona 100%". Agora, como povo azarado que somos, vai que na hora do apagão, com todos os jornais, TVs e revistas internacionais se preparando para fazer a cobertura, não acontece um eclipse solar? (Por favor, astrônomos, certifiquem-se direitinho desta catastrófica hipótese). Ia ser um fiasco, com toda aquela luz ninguém ia ver nada de apagão nenhum... 

Acho até que este país vai ficar mais honesto. Durante o apagão não vai haver votação e nem violação no painel do Senado. Não vai haver desvio eletrônico de verba. Não vai haver nem envio de dinheiro ao exterior. Com menos tempo para roubar, acho que nós, ou roubados, podemos sair lucrando. Ou então, poderemos ser empregados por esta indústria das falcatruas que, tendo que reduzir a jornada de trabalho, vai precisar de mais mão-de-obra para manter a produtividade.

Brasileiros, pensem nisto. No escuro, este país pode dar certo. Não é você que diz estar cansado de ver por aí tanta pobreza, roubalheira, impunidade etc. etc. etc.? Pois bem, no escuro, não vai ver mais nada disto. 

E, se mesmo assim, este bendito apagão não der certo, por incompetência, muita chuva, falta de planejamento ou que quer que seja, nos restará um grande consolo: o último que sair nem vai precisar apagar a luz...

(*) Ana Maria Gonçalves é publicitária e escritora em Jundiaí/SP.

Veja mais, sobre o apagão:
Raios! Apagaram o governo!