O
lado bom do apagão
Ana Maria
Gonçalves (*)
Colaboradora
Todo
mundo só vê o lado ruim deste apagão. Mas, você
aí: já parou para pensar com clareza no lado bom da coisa?
Em quantos casamentos poderiam ser salvos? Há quanto tempo será
que o casal não faz um jantar à luz de velas? E, depois do
jantar, no escurinho do quarto, nem vai dar para perceber que ela não
está com "aquele corpinho e conjunto de lingerie de anúncio
de revista". Por outro lado, a mulher não vai ficar preocupada com
celulites, estrias, depilação impecável. E muito menos
vai perceber que o marido não cortou as unhas dos pés e que
precisa chamar alguém para pintar teto.
Sim, este apagão
vai ser a chance de acender vários casamentos apagadinhos.
E para início
de namoro, então? Romantismo puro :
- Eu queria
te convidar para passar o primeiro apagão do ano comigo.
Vai até
servir de referência :
- Começamos
a namorar naquele primeiro apagão.
Ou então
:
- O Juninho
foi feito naquele primeiro apagão.
Muitos obstetras
não vão ter o menor trabalho para determinar a data exata
da concepção. Basta fazer a pergunta:
- Quando foi
a última menstruação?
- Ah, doutor.
Foi antes do primeiro apagão.
É batata!
Taí um grande negócio para as confecções e
lojas de artigos para bebê. Montem o Kit Apagão, vendido a
preços populares. Para os kits mais sofisticados, façam
parceria com as indústrias de geradores e baterias. Já pensou
se o bebê teima em nascer justamente na hora de outro apagão?
Os casais não vão saber o que fazer com as máquinas
fotográficas e filmadoras.
Não
sei também como ainda não surgiu, nas linhas mais alternativas
da medicina, algum especialista em parto sem luz. Não existe o parto
sem dor? Talvez isto seja um pouquinho mais complicado, porque onde já
se viu dar à luz, sem luz? Ai, meu Deus, será que vamos ter
que inventar um outro termo para os partos realizados durante os apagões?
Já ouvi
dizer que o apagão também vai diminuir a produção
e o lucro das empresas, fazendo aumentar o desemprego e preço dos
produtos. Sempre os pessimistas de plantão, aqueles que não
enxergam a luz no fim do túnel. Vou dar apenas um exemplo de como
este problema pode ser contornado e depois cada um que adapte a minha linha
de raciocínio: uma fábrica de lâmpadas, por exemplo,
pode aproveitar sua tecnologia para produzir lamparinas.
É claro
que, para isto, receberiam incentivo do governo, que vai lucrar ainda mais
com a distribuição de combustível para lamparina,
via Petrobrás. E parte da população desempregada do
país poderia se empregar na ressuscitada função de
acendedores de lamparinas, que seriam fixadas nos postes de todas as cidades
brasileiras. E este incentivo do governo vai ser pago por quem? Por nós,
é claro, que já pagamos o pato e vamos pagar mais um, com
o que vamos economizar na conta de luz.
Haveria também
um grande aumento no número de vagas como guardas de trânsito,
para monitorar os cruzamentos. Distribuidores de alimentos frescos saindo
da fábrica (nada de congelados). E, principalmente em uma indústria
na qual o Brasil pode se tornar o número um do mundo: fábrica
de velas.
Investidores,
se ainda não pensaram nisto, é bom começar a pensar
antes que aumente a concorrência. Monte uma fábrica de velas.
Já pensou o lucro que vai dar? E incremente seu negócio,
pense em algo diferente para promover suas velas. Por exemplo:
Vela ACM -
não apaga nem no meio de um vendaval
Vela Bonde
do Tigrão - não apaga nem quando fica tchutchuquinha
Vela Viagra
- de grande potência e longo desempenho.
Vela Lembrança
de Viagem - Já imaginou? Viria com o seguinte invólucro:
"Estive em um apagão em São Paulo e me lembrei de
você".
Com a evolução
da indústria de velas, logo surgiriam as velas com injeção
eletrônica
(auto-alimentadas
por sua própria energia, elas reciclariam a própria parafina),
velas turbo (vêm com soprinho que as torna mais potentes), velas
com ABS (parariam de queimar no exato instante em que são sopradas,
sem ficar soltando aquela fumacinha de cheiro desagradável), velas
com computador de bordo (regulariam a intensidade da chama de acordo com
um comando de voz ou uma pré-programação), vela com
airbag
(para evitar o contato com a chama em caso de descuido nosso).
Bem, dei apenas
exemplos relacionados com a indústria automobilística porque
é onde as velas já são usadas há bastante tempo,
não é mesmo? Mas qualquer tipo de indústria, usando
a criatividade, poderia tirar grande proveito do fenômeno que vai
ser o merchandising da vela.
Os que pensam
mais a longo prazo, podem abrir uma empresa de adesivos. Sim, porque imagina
como vai ficar o trânsito e a segurança nas grandes cidades,
no escuro total? Vai ser uma experiência inesquecível para
muita gente, que vai se orgulhar de andar por aí com um adesivo
no carro "Eu sobrevivi ao apagão".
A educação
das crianças também vai ser facilitada. Sabe aquele seu filho,
que nas horas que não tem apagão, não desgruda
do video-game ou adora uma sala de bate-papo na internet? Ameace-o com
a multa por aumento de consumo de energia:
- Olha que
vou descontar a multa da sua mesada!
No interior,
tenho certeza que apagão vai acabar virando sinônimo
de bicho-papão, mula-sem-cabeça :
- Menino, vem
logo prá dentro senão o apagão vai te pegar!
E, melhor ainda,
vai funcionar mesmo. É real.
Aliás,
pode até ser um motivo de orgulho para todos nós brasileiros.
Estou até vendo as manchetes nos jornais: "Em todo o Brasil, apagão
funciona 100%". Agora, como povo azarado que somos, vai que na hora do
apagão,
com todos os jornais, TVs e revistas internacionais se preparando para
fazer a cobertura, não acontece um eclipse solar? (Por favor, astrônomos,
certifiquem-se direitinho desta catastrófica hipótese). Ia
ser um fiasco, com toda aquela luz ninguém ia ver nada de apagão
nenhum...
Acho até
que este país vai ficar mais honesto. Durante o apagão
não vai haver votação e nem violação
no painel do Senado. Não vai haver desvio eletrônico de verba.
Não vai haver nem envio de dinheiro ao exterior. Com menos tempo
para roubar, acho que nós, ou roubados, podemos sair lucrando. Ou
então, poderemos ser empregados por esta indústria das falcatruas
que, tendo que reduzir a jornada de trabalho, vai precisar de mais mão-de-obra
para manter a produtividade.
Brasileiros,
pensem nisto. No escuro, este país pode dar certo. Não é
você que diz estar cansado de ver por aí tanta pobreza, roubalheira,
impunidade etc. etc. etc.? Pois bem, no escuro, não vai ver mais
nada disto.
E, se mesmo
assim, este bendito apagão não der certo, por incompetência,
muita chuva, falta de planejamento ou que quer que seja, nos restará
um grande consolo: o último que sair nem vai precisar apagar a luz...
(*)
Ana
Maria Gonçalves é publicitária e escritora em
Jundiaí/SP.
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