FEBEANET
Raios! Apagaram o governo!
(Obs.: texto ampliado - outra
vez - com a descoberta de novas besteiras)
Neste
maravilhoso país tropical, por onde passam alguns dos maiores rios
do mundo, onde o petróleo jorra onde sempre se disse que seria impossível
existir, onde tem sol o ano inteiro, onde há 500 anos se planta
e colhe cana-de-açúcar tanto no Nordeste como no Sudeste
e no Centro-Oeste, neste maravilhoso Brasil vai faltar energia elétrica.
Parece crônica da morte anunciada,
e é: não foi por falta de aviso, com tempo de sobra para
que o problema fosse corrigido, o que desde já coloca o caso como
forte candidato a participar deste Festival de Besteiras que Assola a Internet
(Febeanet). E este é o sentimento de
boa parte dos brasileiros: ao promover os apagões a partir
de 1º de junho do primeiro ano do Novo Milênio, o governo ao
estilo do velho milênio está também desligando suas
luzes e se retirando para o canto mais escuro da História.
A
primeira besteira de uma longa série, neste episódio,
foi cruzar os braços por vários anos, mesmo sabendo do quadro
crítico que se avizinhava. Não havia dinheiro? Bem, para
ajudar os bancos a ficarem mais ricos, em apenas alguns dias os bilhões
surgiram, na forma do famoso Proer. Também, na hora em que foi preciso
calar a boca de alguns deputados que teimavam em criar uma comissão
parlamentar de inquérito para investigar corrupção
no governo, apareceu mais dinheiro que a verba que o governo deveria ter
destinado à Saúde. Portanto, dinheiro não é
problema. E nem dá para culpar o governo anterior sem assumir a
própria culpa: afinal, o presidente foi reeleito. Nem para fazer
cara de surpresa como tentam os governantes, pois os alertas sempre foram
dados e ignorados. Numa empresa, um dirigente apanhado em tal situação
seria sumariamente despedido, aliás, se não tivesse a hombridade
de pedir demissão antes...
Além do que, um pouco de incentivo
para que fossem acelerados os estudos sobre fontes alternativas de energia
já estaria trazendo resultados práticos. Por quê não
há incentivo à viabilização de coletores de
energia solar de alta produtividade e baixo custo? Por quê não
temos mais usinas de energia de biomassa (leia-se: do gás produzido
pelo lixo urbano)? Onde foi parar o ProÁlcool, que enriqueceu usineiros
de açúcar e agora anda desaparecido (consta que o projeto
vem sendo bastante estudado nos Estados Unidos, logo reaparecerá
com nome inglês, para todos pagarmos royalties...).
Ah, sim, lembrou um internauta: e
o gasoduto Bolívia-Brasil, pronto mas ocioso por falta de onde empregar
o gás natural por ele transportado? E outro internauta recorda que
alguns países já obtêm energia de usinas movidas pelas
marés. Num país com mais de 8 mil km de litoral, nem estudos
existem sobre essa possibilidade?
A
segunda besteira é os mandachuvas nacionais culparem
o mandachuva São Pedro por não mandar chuva... Ele
deve estar bastante aborrecido com os governantes brasileiros, pois, quando
manda chuva, o governo culpa o santo chaveiro pelas inundações
nas cidades. O que é que ele tem a ver com as obras de saneamento
que não são feitas, ou são mal planejadas?
E no Brasil até chove bastante!
Os carros até viram canoas nas principais capitais, como São
Paulo! Chove até no Nordeste Brasileiro, bem mais que em Israel
- onde se planta "de tudo", até para exportar (com irrigação
adequada, tecnologia já oferecida ao Brasil, como a usada nas vinícolas
da Bahia) -, mas onde os coronéis da política só autorizam
abertura de poços artesianos em suas fazendas (com dinheiro público,
lógico!) e mandam a turma do Projeto Rondon cimentar poços
abertos e produtivos que beneficiariam a população... Existe
até a expressão "indústria da seca", não por
acaso...
A
terceira besteira foi elevar as tarifas de energia elétrica
com a desculpa de que era necessário o aumento para que os recursos
fossem aplicados na melhoria do sistema. O sistema é tão
"bom" que, depois de um suposto raio caído em Bauru/SP apagar as
luzes de metade do País, foi preciso quase um dia inteiro para se
descobrir em que Estado ao menos tinha começado o problema. Isso,
em 1999, em plena era da informática, das telecomunicações,
da Internet. E considerando que um sistema computadorizado deveria dar
tal resposta em apenas alguns segundos, permitindo isolar a área
problemática em alguns minutos...
A
quarta besteira - friso bem a palavra - ocorreu logo em seguida à
elevação das tarifas, quando se privatizou o sistema nacional
de distribuição de energia elétrica e - convenientemente
para alguns, os de sempre, diga-se de passagem - esqueceu-se de
colocar nos contratos a cláusula de que as empresas teriam de investir
na eficiência do sistema. Basta dizer que 30% da energia produzida
é perdida durante a transmissão entre a usina elétrica
e o destino final. 50% mais do que a economia que o governo quer impor
agora à população. Agora, em plena crise, alguém
descobre que precisa estender cabos para aproveitar melhor a energia que
está sobrando em algumas hidrelétricas...
A
quinta besteira - induzida pelas conseqüências das anteriores
- é parar o Brasil com "apagões" que prejudicam a própria
economia, ao paralisarem indústria, comércio e serviços,
e como sempre atingir principalmente os pequenos e médios empresários
e a população em geral - as grandes empresas já estão
providenciando grupos geradores, no-breaks e redundância de
sistemas (logicamente descontando os custos sobre os consumidores). Detalhe:
até recentemente, as empresas eram induzidas a converter seus equipamentos
para o uso de energia elétrica, em função da economia
de petróleo - que a Petrobrás só encontra quando lhe
é conveniente, pois ultimamente, em vez de fazer o petróleo
emergir do mar, a plataforma é que submerge...
Sexta
besteira - convencer o consumidor a economizar energia. Todo brasileiro
sabe que as empresas distribuidoras de energia elétrica dependem
do consumo de eletricidade para obter fluxo positivo de caixa. Se as pessoas
economizam eletricidade, as distribuidoras de energia começam a
chorar, pois a receita cai e aí não dá para suportar
os custos, vão ter problemas de caixa, prejuízo. Rapidinho,
o governo corre a acudi-las, lascando um aumento na tarifa de energia elétrica.
Ou seja, quanto mais o consumidor economiza, mais caro paga.
Sétima
besteira: se as indústrias são responsáveis por
quase metade do consumo de energia no Brasil, por quê descarregar
sobre o lombo dos consumidores residenciais o peso dos "apagões"
e da economia compulsória/multa? Energia, para a indústria,
é um insumo, matéria-prima, como outra qualquer, é
um problema dela buscar formas de reduzir os custos. A besteira no caso
é dupla: das indústrias em fazer ameaças ao governo,
inclusive de se retirarem do País; e do governo, na medida em que
ensaia formas de poupar o parque industrial em detrimento da população.
Oitava
besteira: faltando apenas alguns dias para o início da aplicação
do plano de contingência, não há plano de contingência!
Quando ocorrerão os "apagões", por quanto tempo, que regiões
serão atingidas, como evitar que serviços essenciais (hospitais,
segurança etc.) sejam paralisados... nem o presidente da República
sabe!
Nona
besteira: multar o consumidor que não reduzir em 20% seu gasto
com energia. Quer dizer: se o consumidor já fez, conscientemente,
esse papel, e reduziu ao mínimo sua conta, vai ser penalizado agora?
E se, por algum motivo, o imóvel em questão teve uso reduzido
ao mínimo no período anterior (com os donos viajando, por
exemplo) e agora é retomado o consumo normal, o consumidor vai ser
multado? Ou pior, vai ter de escancarar e explicar seus assuntos particulares
para uma concessionária de eletricidade?
Décima
besteira do governo brasileiro nesses assuntos eletrizantes: há
uma campanha em curso para que as pessoas substituam a iluminação
incandescente pela fluorescente, que consome menos energia. Ora, recentemente
foi descoberto que as empresas produtoras de lâmpadas ditaram ao
governo as normas técnicas para as lâmpadas incandescentes,
fazendo espertamente com que tais lâmpadas fossem inadequadas aos
nossos padrões elétricos (127 volts no lugar dos 110 v da
eletricidade distribuída em boa parte do País) e queimassem
mais rapidamente (depois, vieram dizer que só cumpriam as normas
estabelecidas pelo governo, 'tadinhas...). Talvez por falta de gente culta
no governo federal (não quero pensar na outra hipótese),
o governo endossou a tal norma sem qualquer objeção...
Bem, considerando isso e também
que não há nenhum controle claro (sem blague!) para o público
sobre a qualidade e a durabilidade das chamadas lâmpadas frias,
e mais, que as tais lâmpadas eletrônicas estão
na prática apresentando vida útil bem menor que as incandescentes
(ao ponto de a mudança de sistema se tornar altamente prejudicial
ao bolso do consumidor), é justo perguntar: o que há por
trás dessa campanha toda? Para que o leitor entenda melhor, na medida
das possibilidades que este jornalista tem de se expressar: quanto dinheiro
está mudando de mãos nesse processo?
A
décima-primeira besteira é assinada pelo próprio
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso: em entrevista
ao Jornal do Brasil no dia 27/5/2001, declarou, em meio ao reconhecimento
de que fez besteira mesmo: "o problema da falta de energia remonta a 20
anos, mas surpreendeu todos". Ora, se remonta há 20 anos, onde estavam
todos? Com o detalhe: o país todo sabia do problema, menos ele e
sua equipe. Bem, tal declaração fecha com chave de ouro esta
série...
Como
queria demonstrar, creio existirem argumentos suficientes para o Febeanet
acolher mais esta inscrição no festival-2001. Não
é, Sérgio Porto? Concorda, meu caro Barão de Itararé?
Chacrinha, quero ouvir sua buzina!
Mensagem recebida via correio eletrônico
em 15/5/2001, transcrevendo matéria da Agência Estado. O comentário
bem-humorado traduz entretanto uma séria preocupação,
com a repetição de fenômeno que costuma acontecer no
mundo inteiro após tais interrupções no fornecimento
de eletricidade...
Leonardo gravada:
Olha
aí pessoal... ficaremos no escurinho....a única coisa que
vai aumentar daqui pra frente com esses apagões... principalmente
se for à noite.. será a população do Brasil
eheheheheheh ... veremos daqui nove meses...
Os
apagões podem gerar uma crise
social,
política e econômica como só
os
países em guerra enfrentam
Alexandre
Secco
O
Brasil tem um encontro marcado com o caos. No dia 1º de junho começa
o plano de racionamento de energia. Primeiro serão atingidos os
Estados do Sudeste, do Centro-Oeste e do Nordeste. Depois, a partir de
agosto, podem entrar no apagão os Estados do Norte e do Sul. Plano
de racionamento foi a expressão elegante que o governo encontrou
para referir-se a um blecaute que vai apagar as cidades brasileiras por
três, quatro ou cinco horas – todos os dias. As pessoas sabem como
é desagradável enfrentar um apagão de horas. Alguns
até já passaram por isso durante dias seguidos. Mas imagine
o que significa ter a energia cortada nesse patamar durante seis meses,
no mínimo. Só países em guerra em geral passaram por
algo parecido.
Sérgio Dutti
JÁ
ACONTECEU ANTES
Há
três anos, o governo ignorou os alertas sobre um grande incêndio
em Roraima. Deu-se o pior. O então ministro Lampreia jogou a culpa
em São Pedro: "Foi um desastre natural" |
Imagine
o drama em casa. A carne pode estragar na geladeira; o freezer, transformar-se
num armário inútil. Na hora do jogo, a televisão vai
estar desligada e a cerveja, quente. (Aliás, esqueça o jogo.
No dia em que tiver luz em sua casa, faltará na emissora. Quando
as duas estiverem plugadas, o estádio estará na escuridão.)
Quem usa chuveiro elétrico tomará banho frio. Quem mora ou
trabalha em prédio vai subir ou descer de escada. Os portões
de garagem serão abertos a mão. Os telefones celulares não
poderão ser recarregados e o interfone e a campainha não
vão funcionar. Serão substituídos pelas palmas e pelos
gritos de "ô de casaaa!". Isso sem falar das pessoas que dependem
de aparelhos elétricos para sobreviver, como as UTIs caseiras que
mantêm a respiração e controlam os batimentos cardíacos.
Nas
ruas, o blecaute produzirá dor de cabeça generalizada. As
secretarias de Segurança do Rio de Janeiro e São Paulo pretendem
reforçar o policiamento ao redor das delegacias e penitenciárias
nos momentos do apagão. Já solicitaram o cronograma dos cortes
de luz para recolher os presos às celas com certa antecedência.
Várias cidades preparam brigadas para atuar nos momentos críticos
como forma de minimizar o caos no trânsito. O que acontecerá
com os semáforos? Para evitar colisões, uma das soluções
é fechar o acesso a algumas avenidas nos entroncamentos mais movimentados.
Claudio Rossi
|
PLANO
DE EMERGÊNCIA
Setores
essenciais, como hospitais (ao lado) e polícia (abaixo),
precisam
de tratamento special no período de racionamento. Por essa razão,
a Federação Brasileira de Hospitais pediu ao governo na semana
passada o cronograma de blecautes previstos para o segundo semestre. As
secretarias de Segurança de São Paulo e do Rio de Janeiro
tomaram atitudes semelhantes para poder reforçar o policiamento
ao redor de delegacias e penitenciárias |
Rogério Montenegro
|
Os
hospitais merecem atenção especial. Boa parte deles possui
geradores, mas só os maiores são potentes o bastante para
manter o prédio inteiro aceso. O resultado é que pacientes
poderão ficar no escuro. O desafio é manter o funcionamento
das áreas críticas dos 6.200 hospitais do país, como
berçários, UTIs e blocos cirúrgicos. A Federação
Brasileira de Hospitais enviou na semana passada uma carta endereçada
à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) solicitando
que todos os estabelecimentos sejam avisados com alguns dias de antecedência
sobre os períodos de blecaute. Com esse calendário em mãos,
pretende organizar a agenda das cirurgias que não são feitas
em caráter de emergência. Os apagões podem interromper
o sistema de atendimento eletrônico nos bancos, assim como as transações
e compensações de cheque. Alguns bancos, como Bradesco e
Itaú, já iniciaram seu próprio programa nacional de
racionamento de energia. A medida inicial de ambos será a redução
do horário de funcionamento de seus luminosos publicitários
e das placas e sinalizadores das agências, bem como um reforço
nos geradores.
O
Brasil já passou por grandes crises. Enfrentou a quebradeira dos
países da Ásia, a crise do México e a da Rússia.
A crise do momento vem da Argentina. Sempre se disse a mesma coisa a respeito
delas: que poderia haver desemprego, que elas poderiam derrubar
as expectativas de crescimento econômico, que poderiam abalar
a economia. Todas provocaram prejuízos, mas as previsões
mais pessimistas nunca se realizaram. Pois bem. Em relação
à crise energética a coisa é diferente. Apagões
produzem desemprego e prejudicam o crescimento econômico. O que todas
as outras crises tinham de possível essa tem de real. Ou seja, o
país teve energia para suportar os efeitos da globalização,
e pode cair de joelhos por causa de um problema prosaico como a falta de
luz.
Oscar Cabral
|
AUTO-SUFICIENTE
Entre
as maiores empresas do país, a Companhia Siderúrgica Nacional
é uma exceção. Auto-suficiente, ela pode até
vender o excedente de energia que produz para outras indústrias |
Na
semana passada, a Fundação Getúlio Vargas divulgou
um estudo simulando o impacto do racionamento para a economia. Trabalhou
com cinco cenários, prevendo cortes de 5% até 25% no suprimento
de energia. No mais pessimista, se o corte for da ordem de 25%, o produto
interno bruto não vai mais crescer 4,5% neste ano, mas 2,5%. Segundo
alguns especialistas, essa redução tem um impacto sobre a
economia brasileira mais forte que o provocado por uma eventual quebra
da Argentina. Mais de 1 milhão de postos de trabalho deixariam de
ser criados, haveria um déficit na balança comercial da ordem
de 2 bilhões de reais e o governo perderia 8 bilhões na arrecadação
de impostos.
Num
ambiente de falta de energia, a produção industrial cai e
os preços dos produtos tendem a subir (leia-se inflação).
Para reequilibrar o mercado, é preciso reforçar as importações,
o que significa aumentar as despesas do país em dólar. Os
especialistas acreditam que o corte no suprimento de força deve
situar-se entre 15% e 20%, mas há quem aposte num apagão
da ordem de 35%.. São especulações. O governo só
deve definir o patamar no fim do mês. "Agora não adianta reclamar,
o estrago foi feito e isso vai nos atingir seriamente", diz o empresário
Antônio Ermírio de Moraes.
O
Brasil sempre foi a terra da energia abundante e barata. As pessoas se
acostumaram tanto com essa fartura que nunca passou pela cabeça
de ninguém que seria preciso mandar a sociedade apagar a luz. Muita
gente sabe o que é um apagão. Em 1999, o país sofreu
o blecaute mais abrangente e prolongado de sua história. Dez Estados
e o Distrito Federal ficaram sem luz por quatro horas entre 10 da noite
e 2 da manhã. O trânsito parou nas maiores cidades, os bombeiros
receberam centenas de chamados de pessoas presas em elevadores e houve
acidentes. Alguns analistas têm comparado o que vai acontecer por
aqui a partir de 1° de junho com o que está ocorrendo na Califórnia,
onde os habitantes vêm sofrendo cortes programados de energia elétrica.
Os casos são semelhantes nas causas.
O
racionamento americano é conseqüência de um desastrado
programa de privatizações que deixou as duas principais empresas
de energia do Estado à beira da falência. Lá, o governo
privatizou as geradoras de energia, mas engessou as tarifas de tal forma
que as empresas não investiram em geração enquanto
o consumo subia. No Brasil, o colapso começou um pouco antes, com
a opção por uma matriz energética concentrada em hidrelétricas,
responsáveis por 97% da energia consumida. A maior parte dos países
mantém uma matriz diversificada, com termelétricas e usinas
nucleares. A concentração hidrelétrica fragiliza o
país, pois passa-se a depender mesmo das chuvas. Outra razão
para o colapso está no volume de investimentos feitos no setor.
Até o início da década de 90, aplicavam-se 20 bilhões
de reais por ano no sistema. Nos últimos anos, o investimento caiu
a menos da metade. No processo de privatização, o governo
cometeu diversas falhas, entre elas a mesma restrição tarifária
que provocou o blecaute americano. A diferença entre os casos está
na fase de execução do apagão. Lá, os cortes
não são diários e apenas grupos de 300.000 pessoas
ficam no escuro a cada vez. Além disso, a luz é desligada
por um tempo relativamente reduzido, entre trinta minutos e uma hora e
meia.
André Valentim
|
A
REAÇÃO DO CAPITAL E A DE FIDEL
O
presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel (foto), ficou
tão assustado com a perspectiva de enfrentar um blecaute que ameaçou
mudar a fábrica do Brasil. O governo recebeu com ironia: "É
bom ele inventar uma fábrica com rodinhas para facilitar a volta",
disse uma autoridade do setor energético. Em Cuba, os blecautes
são tão comuns que o presidente Fidel Castro criou um tipo
de discurso próprio para abordar o assunto. Ele diz: "O apagão?
O que é o apagão?" E continua: "O coração do
verdadeiro revolucionário tem sua própria luz" |
A
falta de investimentos no Brasil fez com que o sistema apresentasse uma
série de buracos. O maior deles é irônico. Os reservatórios
do Sul e do Norte estão transbordando. No entanto, não há
linhas de transmissão de alta capacidade para levar a energia de
onde ela está sobrando para onde ela falta. Foi só no meio
da crise da semana passada que a equipe econômica autorizou a construção
de uma nova linha de transmissão a partir da usina de Tucuruí.
A
energia consumida no Brasil é distribuída em terços:
um terço residencial, um terço industrial e um terço
comercial e público, aproximadamente. Num primeiro momento, o governo
pensou em ordenar um racionamento linear que obrigasse a todos cortar 20%
do consumo. Haveria até uma multa para quem não cumprisse
a meta. Num gesto de lucidez do presidente Fernando Henrique Cardoso, a
punição foi eliminada. Surgiu em seu lugar a figura de uma
bonificação a quem reduza o consumo, mas tudo pode mudar.
Segundo informações dos técnicos do setor, dificilmente
o governo vai aplicar uma contenção linear. Pode, por exemplo
reduzir o consumo de energia com a iluminação pública,
desligando metade das lâmpadas das ruas. Essa atitude geraria uma
economia da ordem de 2%. Pode obrigar os grandes consumidores de energia
a interromper a produção durante um mês, dando férias
coletivas. Haveria outra redução significativa. Pode ainda
restringir o horário do comércio. Nos shopping centers, discute-se
a possibilidade de alterar o horário de funcionamento desde já.
Vários shoppings estão incrementando esquemas de economia,
como aumentar a temperatura dos aparelhos de ar condicionado de 22 para
25 graus Celsius. Só então se promoveriam os apagões.
Na
semana passada, o governo se comportava como se tivesse sido pego de surpresa
pela necessidade de recorrer ao apagão. "Nossa parte nós
fizemos. Retomamos as obras paradas e estamos fazendo investimentos. O
problema é que choveu muito pouco", afirmou José Mário
Abdo, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel). Na última quinta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil,
Pedro Parente, encarregado de chefiar um grupo de trabalho para orientar
o apagão, avisou: "É muito mais grave do que imaginávamos".
Repare bem. O Estado possui três órgãos que cuidam
de energia: além da Aneel, há o Ministério das Minas
e Energia e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), empresa
que monitora a rede física que permite à eletricidade viajar
por todo o Brasil. Pois nenhuma das três anteviu o problema. Como
isso é possível? Aliás, fizeram mais do que isso.
Prometiam um céu de brigadeiro para este ano. "Eu garanto: vamos
chegar a 2001 sem racionamento e com mais energia", afirmou o engenheiro
pernambucano Mário Santos, presidente do ONS, em novembro do ano
passado. Até a sexta-feira, desvendado o erro de avaliação
e conhecidos os estragos que o apagão pode gerar, nenhum dos três
titulares se sentia envergonhado o bastante para pedir demissão.
Entre
os especialistas, o racionamento é um risco antigo. Do ponto de
vista objetivo, desde 1997 o nível dos reservatórios brasileiros
vem baixando em virtude da falta de chuvas. O país atravessa a fase
de mais baixo índice pluviométrico dos últimos sessenta
anos. Além disso, não faltaram alertas. Em 1995, o diretor
da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação
de Engenharia (Coppe) da UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, entregou um relatório
ao vice-presidente da República, Marco Maciel, afirmando que o modelo
de privatização das elétricas não previa a
expansão do setor, o que poderia acarretar a falta de abastecimento
no futuro. Em setembro daquele ano, a Eletrobrás alertou o Ministério
das Minas e Energia sobre os riscos de um racionamento da ordem de 10%
a partir de 2001. "Se o governo tivesse aumentado os investimentos na ocasião,
a situação seria outra", diz o engenheiro elétrico
João Mamede Filho, que na época era diretor da Companhia
Energética do Ceará.
Em
janeiro de 1999, o Rio Grande do Sul teve 31 cortes de luz. Na ocasião,
a secretária de Energia do Estado alertou autoridades do governo
federal para o fato de que o problema fatalmente se estenderia para o resto
do país. Numa reunião ocorrida em Brasília alguns
meses depois, o então ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho
Neto, foi apresentado a fatos que relacionavam o apagão à
vulnerabilidade do sistema. Em abril do ano passado, na reunião
do conselho de administração do ONS, o presidente da Companhia
Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, Vicente Sauber,
propôs um racionamento de energia para aquele ano no país.
A proposta de racionamento não foi aprovada. Em setembro, o presidente
da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, Horácio Lafer Piva, divulgou uma "mensagem de alerta à
indústria paulista" prenunciando uma eventual escassez de energia
elétrica no Estado. Por que, com tantos alertas, o governo não
tomou providências? A resposta é que ele contava com os céus,
com os deuses da chuva.
Não
é a primeira vez que o governo age tardiamente e atribui a responsabilidade
às forças da natureza. Há três anos, houve um
incêndio monstro em Roraima. Normalmente úmida e imune ao
fogo, a floresta ficou vulnerável em virtude da seca, do vento e
das temperaturas recordes. Mais de 15% do Estado foi destruído,
uma área maior que a Bélgica. A exemplo do risco de blecaute,
o governo vinha sendo alertado para o perigo das queimadas em Roraima.
Quando isso ocorreu, ele mostrou-se surpreso. Na ocasião, o ministro
das Relações Exteriores era Luiz Felipe Lampreia. "O que
aconteceu foi um desastre natural, e não um problema de gerenciamento
ecológico", afirmou o ministro, também responsabilizando
a natureza.
Não
se pode dizer que a crise energética nasceu com Fernando Henrique.
Em 1968, o economista Roberto Campos já fazia alertas sobre a fragilidade
do sistema nacional de geração de energia. Vinte anos depois,
em 1988, outro economista, João Paulo dos Reis Velloso, escreveu
um artigo lembrando que todos os sonhos de crescimento do país se
frustrariam sem mais investimentos no setor elétrico. Nada se fez.
A mais evitável das crises se tornou inevitável. Agora, juntamente
com a gestão do racionamento, o governo prepara-se para acelerar
um programa de obras capaz de evitar que a crise se estenda mais do que
o necessário. Uma das prioridades é concluir a construção
de 49 termelétricas. As usinas haviam sido prometidas em solenidade
no Palácio do Planalto, mas apenas nove delas estão dentro
do cronograma. Outra prioridade é retomar a construção
de algumas hidrelétricas. Além disso, o governo estuda iniciar
um plano de racionalização do uso da energia. Faz sentido.
Uma geladeira velha gasta 40% mais energia que os modelos mais novos. As
lâmpadas incandescentes podem ser substituídas por fluorescentes,
que consomem metade da energia. Desafio maior é vencer o chuveiro
elétrico. Presente em mais da metade das residências brasileiras,
o chuveiro elétrico é o sistema de aquecimento de água
usado por 90% das pessoas que tomam banho quente no país. Tanto
sucesso se deve basicamente a dois fatores: é a solução
mais barata e simples sob qualquer ponto de vista. Enquanto um aquecedor
a gás não sai por menos de 800 reais e a instalação
de um sistema de aquecimento solar custa 1.500 reais, pode-se comprar no
mercado um chuveiro elétrico a partir de 15 reais. O problema: gerar
energia nova para um chuveiro funcionar durante uma hora por dia, todos
os dias, ao longo de um mês, exige investimentos em geração
e distribuição de 10.000 reais. Gastar é simples e
barato. Gerar é caro e complexo.
Em
tempo: O termo blackout popularizou-se na língua inglesa
no início do século passado. Era usado no teatro para designar
o momento em que se apagavam as luzes para separar as cenas. A palavra
ficou famosa durante a II Guerra, quando os militares mandavam apagar todas
as luzes da cidade para dificultar a ação dos bombardeiros
inimigos. Pode ficar mais famosa ainda no Brasil como blecaute, que já
está dicionarizado.
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AS
RAZÕES DO COLAPSO...
O modelo
brasileiro é baseado quase que exclusivamente em hidrelétricas,
que produzem 97% da energia consumida no país. Sem chuva, entra
em colapso
Até
1989, investiam-se mais de 20 bilhões de reais por ano no setor
energético. Nos últimos anos, esse valor caiu para 8 bi
O processo
de privatização foi feito de forma estabanada. Não
se exigiu que as concessionárias gerassem energia nova, o que aumentou
a defasagem entre produção e consumo
Embora
o Estado mantenha sob seu controle 80% da geração e 30% da
distribuição, a equipe econômica proibiu as estatais
de energia de fazer investimentos
Houve
atraso na licitação de novas usinas
O governo
criou um programa de termelétricas que previa a construção
de 49 usinas, mas apenas nove ficarão prontas no prazo
Há
uma visível confusão administrativa entre a agência
reguladora, a Aneel, e o Ministério das Minas e Energia
A tarifa
média cobrada do consumidor está num patamar que dificulta
novos investimentos em geração de energia
A energia
produzida em excesso numa região não pode ser aproveitada
em outra por falta de linhas de transmissão
O nível
dos reservatórios da Região Sudeste está em declínio
há anos, chegando a apenas 33% de sua capacidade
...E
SUA CONSEQÜÊNCIA
Celio Junior/AE
Blecaute
em São Paulo, em 1999 |
De
1990 até hoje, o consumo de energia elétrica cresceu 4,1%,
mas a geração só aumentou 3,3%. Para se equilibrar,
o sistema precisaria de uma nova hidrelétrica de Tucuruí,
que custou 11 bilhões de reais
Estudo
da FGV mede o impacto do racionamento de energia sobre a economia brasileira
em determinados cenários. Observe o que acontece em alguns deles
se o governo cortar 20% da energia durante seis meses:
PIB
Em
vez de crescer 4,5% em 2001, a economia vai crescer apenas 3,5% – efeito
quase equivalente ao que teria para o Brasil a quebra da Argentina
EMPREGO
Por
causa do apagão, mais de 850 000 empregos deverão deixar
de ser criados
BALANÇA
COMERCIAL
O
racionamento deverá provocar um déficit adicional de 1,6
bilhão de dólares
IMPOSTOS
O
governo perde 7 bilhões de reais em arrecadação –
algo como meio ano de CPMF |
Com
reportagem de Adriano Ceolin, José Edward, Lia Abbud,
Ricardo
Mendonça e Vanessa Guerreiro, de São Paulo,
e
Lourenço Flores, de Brasília, com sucursais
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