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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/04/01 13:35:56
Uma questão de estilo 

Mário Persona (*)
Colaborador

Como tudo na vida é passageiro - exceto cobrador e motorista - a farra de empregos na Internet também acabou. Milhares passaram da glória de um cargo ponto-com ao estigma de um ponto-sem. Funcionários comuns são despedidos. Executivos saem para "buscar novos desafios".
Não é vergonha ficar disponível por culpa da acomodação do mercado. Ter sido um destemido marinheiro dos mares virtuais não desqualifica ninguém, muito pelo contrário. O canto de sereia também seduziu os tímidos, mas nunca saíram do porto. Quem se aventurou, errou e aprendeu. Nenhuma escola ensina experiência.

Pior que o desemprego é o veneno da autopiedade. O melhor é virar a página e "buscar novos desafios". Como fazem os executivos. Passei por isso no início dos anos oitenta. Na época ninguém queria construir para não perder o ilusório ganho das cadernetas de poupança. O dinheiro ficava mofando nas contas e os arquitetos nos escritórios.

Cansei-me de lavar panelas em casa e decidi vendê-las. O produto importado, com preço de microondas, chamava-se "Sistema de Cocção por Autoclave". Panelas, para os íntimos. Agendava reuniões e chás em casas de madame e, impecável e sorrindo como o Sílvio Santos, fazia meu show do milhão. Ensinando como cozinhar milho sem perder as vitaminas.

A panela era de aço duplo. Tão resistente, que fazia parte do número correr pela sala e saltar com os dois pés sobre uma delas no chão. Torcendo para a madame não ligar para o manicômio. Uma delas, mais cética, obrigou um colega a tentar o mesmo com uma de suas panelinhas de alumínio. Perdeu a venda. Mas inventou a fôrma de pizza com cabo.

Currículos - Saí do negócio após vender um único conjunto para uma tia caridosa. Decidi "buscar novos desafios". Não demorou e eu estava com o mesmo terno, gravata e cheiro de naftalina, sendo entrevistado pelo gerente de uma grande empresa. Experiência anterior? O currículo deixava claro: "Promoção e Vendas de Sistemas de Cocção por Autoclave". Gerente algum iria perguntar a um noviço o que era aquilo.

Antes de começar, vi que a mesa do gerente estava repleta de porta-retratos com fotos de crianças. Muitos. Demais, até. Para desviar sua atenção de meu nervosismo, perguntei: "Filhos?" Funcionou. Daí em diante só ele falou. Aprendi tudo sobre o parto e currículo escolar de cada um. Mas fui contratado.

Um bom profissional pode ser traído pelo currículo. Como aquele que começa informando o nome do pai e da mãe, endereço e número do certificado de reservista. Só serve para emprego de mercenário e as informações só serão importantes se a empresa precisar devolver o corpo. Informar as palestras que você assistiu também não ajuda. Se ajudasse, eu hoje seria presidente dos Estados Unidos.

Coloque-se no lugar do empregador. Ele quer alguém para suprir necessidades. Descubra quais são e faça de seu currículo uma caixa de sucrilhos. Aquilo que todo mundo lê, mesmo sabendo o que vai encontrar ali. Fortalece, emagrece, embeleza e esconde um prêmio surpresa. Mostre logo de cara o que tem para dar, não o que quer receber. Dizer que quer trabalhar para aprender é queimar o filme. Empresa não é escola e empresário não é tutor. Ninguém compra faca para amolar.

Não se preocupe com salário. Você sempre irá ganhar mais do que merece e menos do que consegue gastar. Mostre estilo. Não importa se vai trabalhar em Hollywood ou num circo, tem que ser artista. Cative as pessoas, demonstre ser o melhor em sua área. Ou perderá seu lugar para quem sabe menos e mostra mais. Não estou sugerindo que fique cheio de si. Ao contrário, olhe no espelho e diga: "Sou um lixo". E corra a se reciclar.

Ter estilo não significa esconder a falsidade sob a capa da verbosidade, como fazem alguns políticos. A câmara dos vereadores de uma cidade vizinha ficou famosa pelo estilo de seus participantes. Um vereador, querendo alfinetar o colega, disparou com pompa e estilo: "Vossa Excelência dá uma no cravo e outra na ferradura." E recebeu o troco: "Mas Vossa Excelência não pára de mexer o pé!".

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.