Uma questão de estilo
Mário Persona (*)
Colaborador
Como tudo
na vida é passageiro - exceto cobrador e motorista - a farra de
empregos na Internet também acabou. Milhares passaram da glória
de um cargo ponto-com ao estigma de um ponto-sem. Funcionários comuns
são despedidos. Executivos saem para "buscar novos desafios".
Não é vergonha ficar disponível
por culpa da acomodação do mercado. Ter sido um destemido
marinheiro dos mares virtuais não desqualifica ninguém, muito
pelo contrário. O canto de sereia também seduziu os tímidos,
mas nunca saíram do porto. Quem se aventurou, errou e aprendeu.
Nenhuma escola ensina experiência.
Pior que o desemprego é o
veneno da autopiedade. O melhor é virar a página e "buscar
novos desafios". Como fazem os executivos. Passei por isso no início
dos anos oitenta. Na época ninguém queria construir para
não perder o ilusório ganho das cadernetas de poupança.
O dinheiro ficava mofando nas contas e os arquitetos nos escritórios.
Cansei-me de lavar panelas em casa
e decidi vendê-las. O produto importado, com preço de microondas,
chamava-se "Sistema de Cocção por Autoclave". Panelas, para
os íntimos. Agendava reuniões e chás em casas de madame
e, impecável e sorrindo como o Sílvio Santos, fazia meu show
do milhão. Ensinando como cozinhar milho sem perder as vitaminas.
A panela era de aço duplo.
Tão resistente, que fazia parte do número correr pela sala
e saltar com os dois pés sobre uma delas no chão. Torcendo
para a madame não ligar para o manicômio. Uma delas, mais
cética, obrigou um colega a tentar o mesmo com uma de suas panelinhas
de alumínio. Perdeu a venda. Mas inventou a fôrma de pizza
com cabo.
Currículos - Saí
do negócio após vender um único conjunto para uma
tia caridosa. Decidi "buscar novos desafios". Não demorou e eu estava
com o mesmo terno, gravata e cheiro de naftalina, sendo entrevistado pelo
gerente de uma grande empresa. Experiência anterior? O currículo
deixava claro: "Promoção e Vendas de Sistemas de Cocção
por Autoclave". Gerente algum iria perguntar a um noviço o que era
aquilo.
Antes de começar, vi que a
mesa do gerente estava repleta de porta-retratos com fotos de crianças.
Muitos. Demais, até. Para desviar sua atenção de meu
nervosismo, perguntei: "Filhos?" Funcionou. Daí em diante só
ele falou. Aprendi tudo sobre o parto e currículo escolar de cada
um. Mas fui contratado.
Um bom profissional pode ser traído
pelo currículo. Como aquele que começa informando o nome
do pai e da mãe, endereço e número do certificado
de reservista. Só serve para emprego de mercenário e as informações
só serão importantes se a empresa precisar devolver o corpo.
Informar as palestras que você assistiu também não
ajuda. Se ajudasse, eu hoje seria presidente dos Estados Unidos.
Coloque-se no lugar do empregador.
Ele quer alguém para suprir necessidades. Descubra quais são
e faça de seu currículo uma caixa de sucrilhos. Aquilo que
todo mundo lê, mesmo sabendo o que vai encontrar ali. Fortalece,
emagrece, embeleza e esconde um prêmio surpresa. Mostre logo de cara
o que tem para dar, não o que quer receber. Dizer que quer trabalhar
para aprender é queimar o filme. Empresa não é escola
e empresário não é tutor. Ninguém compra faca
para amolar.
Não se preocupe com salário.
Você sempre irá ganhar mais do que merece e menos do que consegue
gastar. Mostre estilo. Não importa se vai trabalhar em Hollywood
ou num circo, tem que ser artista. Cative as pessoas, demonstre ser o melhor
em sua área. Ou perderá seu lugar para quem sabe menos e
mostra mais. Não estou sugerindo que fique cheio de si. Ao contrário,
olhe no espelho e diga: "Sou um lixo". E corra a se reciclar.
Ter estilo não significa esconder
a falsidade sob a capa da verbosidade, como fazem alguns políticos.
A câmara dos vereadores de uma cidade vizinha ficou famosa pelo estilo
de seus participantes. Um vereador, querendo alfinetar o colega, disparou
com pompa e estilo: "Vossa Excelência dá uma no cravo e outra
na ferradura." E recebeu o troco: "Mas Vossa Excelência não
pára de mexer o pé!".
(*)
Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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