A Cabeça Bem Feita
Resenha/comentário
de livro
João Ribeiro Natário
Neto (*)
Colaborador
Título
da obra: |
Cabeça
Bem Feita - Repensar a Reforma/Reformar o Pensamento |
|
Autor: |
Morin, Edgar |
Editora: |
Cortez |
Local/Ano
da publicação: |
São
Paulo/SP, 1999 |
Número
de páginas: |
128 |
O livro
de Morin - com 9 capítulos e dois anexos (Inter-poli-transdiciplinaridade
e A Noção do Sujeito) - foi desenvolvido em função
da necessidade de uma reforma de pensamento, portanto de uma reforma de
ensino, e não de programa, mas sim de paradigma.
As barreiras disciplinares levam
ao perigo da hiperespecialização; portanto, é preciso
interligar as diversas disciplinas e ciências, promovendo as trocas,
a cooperação, a associação, transformando em
algo sistêmico. O indivíduo age sobre a sociedade e vice-versa:
para o ser humano passar de indivíduo a sujeito, deve ultrapassar
a dimensão biológica, chegar ao conhecimento e atingir a
complexidade à qual todos nós pertencemos.
Educação e ensino
- Nesta obra, são focalizados principalmente os termos educação
e ensino, que se confundem, distanciam-se igualmente, tendo em mente
um ensino educativo.
Educação - "utilização
de meios que permitem assegurar a formação e o desenvolvimento
de um ser humano; esses próprios meios". O objetivo da educação
é transmitir conhecimentos, ensinar a viver, e as escolas da vida
são as que movem nossas
emoções, e aprendemos mais sobre a ética humana, principalmente
através de experiências como literatura, teatro, cinema etc.
A educação deve ensinar a viver, a se tornar cidadão,
que é aquele que é responsável por sua Pátria,
ou Estado/Nação que compreende ao mesmo tempo o espaço
territorial, político, cultural, histórico e religioso.
O ensino é a arte ou ação
de transmitir os conhecimentos a um aluno, de modo que ele os compreenda
e assimile; tem um sentido mais restrito, apenas cognitivo. O ensino
transmite o saber e a cultura que permita compreender nossa condição
e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de
pensar aberto e livre.
Para Morin, a complexidade é
um desafio que ele sempre se propôs a vencer, e Kleist tem muita
razão ao afirmar: "O saber não nos torna melhores nem mais
felizes". Mas a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores,
se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e
viver a parte poética de nossa vidas.
Morin cita Montaigne, "mais vale
uma cabeça bem feita do que uma bem cheia", para firmar que a cabeça
bem feita é a que está preparada para organizar os conhecimentos,
e não somente acumulá-los. Há necessidade de uma reforma
de pensamento referente à nossa aptidão para organizar o
conhecimento, que permita a ligação entre o pensamento científico
e o pensamento humanista, com o surgimento de novas ciências, para
um melhor entendimento do universo, como: Ecologia, Ciências da Terra,
Cosmologia, que englobariam Biologia, Zoologia, Botânica, Geologia,
Meteorologia, Astronomia, Matemática, reflexões filosóficas
etc.
A certeza da incerteza - A
era neoliberal gerou especialistas frios, levados à máxima
especialização que bloqueia a visão global, porque
divide o mundo complexo em pedaços e consquentemente não
consegue ter um pensamento reflexivo e complexo. Em nosso tempo, onde há
um relativo desprezo ao humanismo, o isolamento das disciplinas no ensino,
desde o ensino fundamental, e a proliferação de conhecimento,
com excesso de informação, também são desafios
à complexidade. Os três grandes desafios para religar
os conhecimentos dispersos são: cultural, sociológico
e cívico.
O ser humano é ao mesmo
tempo biológico e cultural; portanto, as ciências naturais,
as humanas, deveriam convergir para a condição humana, envolvendo
a linguagem e as artes em todas as formas.
O ser humano precisa se preparar
para enfrentar o inesperado, que nos cerca diariamente e de forma geral,
porque há ainda muita incerteza sobre a origem da vida, influenciando
nossas vidas e nossos pensamentos, as incertezas históricas e as
cognitivas. Enfim, só temos certeza da incerteza. Após
descrever três viáticos (a ecologia da ação,
a estratégia e o desafio), Morin afirma que precisamos enfrentar
a aventura da incerteza como uma aposta.
Morin entende como fundamentais os
três graus de ensino: o primário, o secundário e o
universitário. Na escola primária teria início um
percurso que ligaria a indagação sobre a condição
humana à indagação sobre o mundo. As matérias
poderiam ser diferenciadas, distintas, mas não isoladas, porquanto
sempre inscritas em seu contexto. À medida que as matérias
são distinguidas e ganham autonomia, é preciso aprender a
conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo.
Daí em diante, seria possível aprender a considerar as coisas
e as causas e formar uma consciência capaz de enfrentar complexidades.
A escola primária deveria
ter disciplinas biológicas e culturais, relacionadas e contextualizadas,
além do ensino da língua, da Ortografia, da História,
do Cálculo etc. A escola secundária ensinaria a verdadeira
cultura, que estabelece diálogo entre cultura das humanidades e
cultura científica, levando em conta a reflexão sobre as
conquistas, o futuro das ciências, e considerando a Literatura como
escola e experiência de vida.
Para o círculo da docência,
seria importante e necessário o conhecimento da cultura de mídia
para compreender os processos multiformes de industrialização
e supercomercialização cultural, além das aspirações
e obcessões próprias a nosso "espírito da época".
As matérias básicas seriam História, Literatura, Filosofia,
Cultura Científica, Cultura das Humanidades etc.
A universidade deveria ter um centro
de pesquisas sobre os problemas de complexidade e de transdisciplinaridade,
bem como oficinas destinadas às problemáticas complexas e
transdisciplinares. A pesquisa e a formação de uma cultura
deveriam ser continuamente estimuladas.
O pensamento de Pascal - Compreender
o pensamento de Pascal - "o conhecimento das partes depende do conhecimento
do todo e o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes" -
é o que destaca Morin, nos sete princípios do pensamento:
1) sistêmico
ou organizacional (liga as partes ao todo);
2) hologrâmico
(a parte está no todo, como o todo está na parte);
3) do
circuito retroativo (a causa age sobre o efeito e o efeito sobre a causa);
4) do
circuito recursivo (o produto também é produtor e vice-versa);
5) da
autonomia/dependência (auto-organização - os seres
vivos são livres, mas dependem do meio-ambiente para sobreviver);
6) dialógico
(descreve a dialógica entre ordem e desordem);
7) reintrodução
do conhecimento em todo conhecimento (restauração do sujeito),
que revela o problema cognitivo central: da percepção à
teoria científica, todo conhecimento é uma reconstrução/tradução
feita por uma mente/cérebro, em uma cultura e épocas determinadas.
Toda reforma depende de vontade política,
de interesses econômicos e recursos financeiros e, para haver uma
reforma do ensino e das instituições, é preciso, também,
reformar as consciências.
Certamente, a reforma do ensino proposta
contará com uma grande resistência dos docentes e do rígido
e inflexível sistema, porque Morin trabalha com um sistema aberto,
desafiando incertezas que comandam as posturas transdisciplinares. Para
construção de uma educação pluralista, transgressora
e democrática, repensando um mundo mais ético, responsável
e humanista, a reforma do pensamento teria que atingir todos os setores
da cultura, e ter o amparo de uma política educacional contraditoriamente
forte e direcionada, e garantida por interesses econômicos.
(*) João
Ribeiro Natário Neto é jornalista e publicitário em
Santos/SP, mestrando em Gestão de Negócios, MBA em Administração
com Pesquisa em Comércio Exterior, contador, relações-públicas,
assessor em Câmbio e Comércio exterior, e ex-gerente geral
de Câmbio em uma das principais instituições financeiras
do Brasil.
Trabalho apresentado no curso
de pós-graduação em Gestão de Negócios
- Teoria das Organizações, orientado pela professora Maria
Aparecida Ferreira de Aguiar, na Universidade Católica de Santos
(Unisantos).
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