Empreender sem dor
Mário Persona (*)
Colaborador
O Brasil
é um país de empreendedores. Pelo menos é o que diz
a matéria do USA Today. Deixamos os Estados Unidos para o
segundo lugar. Com tanta gente abrindo seu próprio negócio,
o prêmio do "bloco do eu sozinho" já é nosso. A taça
virá fazer companhia a Jules Rimet. Na galeria dos sonhos derretidos.
Negócio aberto não é
negócio fechado. É candidato às gordas estatísticas
dos que não chegam ao quinto ano. Muitos fracassos ocorrem por culpa
do próprio empreendedor, que quis empreender sem dor. Ou passar
a dor para o sócio. Meu pai sempre dizia que, numa sociedade, um
entra com a experiência e o outro com o dinheiro. No final, o primeiro
sai com o dinheiro e o segundo com a experiência.
Um problema típico do empreendedor
é não compreender o mercado. Na época em que eu tinha
metade da idade e o dobro da energia, acreditava que se todo mundo voltasse
a viver no mato, o mundo seria melhor. Minha santa ingenuidade não
me permitia ver que, ainda que resolvesse o problema da distribuição
de riqueza, criaria o problema da distribuição de mato. Não
haveria mato para todos.
Mesmo assim fui morar na cidadezinha
de Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros. Tão pacata, que
alguns a chamavam de Alto Paradeiro. Lá decidi investir no empreendimento
de um francês. Investir não é bem a palavra. Emprestei
meu sítio e o forno a lenha para ele montar sua padaria. A única
num raio de duzentos quilômetros de cerrado.
Como siriema não come pão,
emprestei também uma velha Variant para o produto poder chegar ao
mercado. Onde se lê produto, leia-se pão de trigo integral
e bolo feito com açúcar mascavo. E onde se lê mercado,
leia-se uma população acostumada a comer de tudo, menos alimento
macrobiótico. Enquanto durou, o negócio garantiu o sustento
do francês e de sua família. Almoçavam e jantavam pão.
Com bolo de sobremesa.
Tipos - Enquanto o produto
do francês ia ao mercado e voltava incólume, há quem
fracasse antes de chegar ao mercado. Geralmente é o empreendedor
que luta até à morte para defender sua idéia. Está
mais apto a brigar do que a abrir uma empresa. Esqueça tentar ajudá-lo.
Vive na defensiva e não aceita sugestões. E quem joga na
defesa nunca descobre o caminho do gol.
Existe também o empreendedor
que acredita ser vítima de uma conspiração de investidores,
que decidiram arruiná-lo. Adora viver sua fantasia de perseguido
e incompreendido. No fundo não quer colocar seu plano em prática,
pois não tem certeza dos resultados. Não faz e não
erra.
Já ouvi falar de um empreendedor
do tipo desconfiado. Parece ter inventado um motor que funcionava a água,
ar, pensamento ou algo até mais barato. Gastou sua vida procurando
quem quisesse investir no protótipo. Mas não mostrava o projeto,
se é que tinha algum. Primeiro a inseminação de fundos.
Ver o filho, só depois de nascido e funcionando.
Mas há o empreendedor sociável,
que conta tudo e até demais. Você se sente na obrigação
de avisá-lo dos furos de seu projeto. Mas após ouvir meia
dúzia de "Eu sei, mas...", conclui que ele não quer sua opinião.
Quer confete. Alguém que elogie e apóie sua idéia
para dar segurança. Quando encontra um falso estribo, vai em frente.
E cai do cavalo.
A Internet revelou uma espécie
singular de empreendedor. Que fala grosso com o dinheiro fácil.
Herói de uma guerra que nunca lutou, pois só coloca em risco
sangue alheio. Não há mérito em se empreender assim.
Na segurança de um passo sem risco, empreender não exige
coragem.
Conheci uma senhora assim em Angra
dos Reis. Foi logo contando de como havia abandonado sua mansão
no Morumbi aos cuidados do mordomo e dos outros empregados, para viver
uma vida humilde na casa e no iate que possuía em Angra. "Não
sou corajosa?", perguntou ela, ao terminar a história de sua vida.
"Muito!", respondi.
(*)
Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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