Sapatos de crocodilo
Mário Persona (*)
Colaborador
Em minhas
primeiras palestras sobre Internet, costumava projetar a imagem de uma
lagoa de águas plácidas, com lírios d'água
decorando a superfície. Fazia um paralelo entre as plantas aquáticas,
se expandindo pela lagoa, e as empresas que logo estariam tomando conta
da Internet. O momento exigia urgência.
Eu nem imaginava que o futuro seria
ligeiramente diferente. Muitas empresas realmente tomaram de assalto a
lagoa internetiana. Mas não passaram de lírios d'água.
Belos, porém frágeis. Apenas flutuaram no mundo dos negócios,
ao sabor do vento da moda. Sem qualquer raiz fincada no solo da realidade.
Um e-mail do australiano John Counsel
do www.profitclinic.com, trouxe
até mim uma figura mais adequada para a atual empresa de Internet.
Nada da beleza fugaz dos efêmeros e coloridos portais, que desejaram
ser tudo para todos e dominar a lagoa. O australiano descreveu os novos
habitantes da Internet como algo menos belo e mais eficiente. O crocodilo,
abundante em seu país.
Estrategista - Vestindo um
modelito fora de moda, emprestado do guarda-roupa do mais extinto dos dinossauros,
o crocodilo é eficiente para sobreviver. Seu único adorno
é o colar de pérolas bucais, que ri por último e melhor
para sua vítima. Enquanto mantém o tosco corpanzil de meia
tonelada funcionando sob a água.
Seus olhos atentos, qual periscópio
estéreo, observam cada movimento do mercado, ponderando qual tecnologia
usar para sua campanha certeira. Enquanto ele engorda, murcham as empresas
cuja liquidez era só aquela que inflava uma porosa estrutura. Vivemos
a hora do crocodilo, das empresas produtivas e bem estabelecidas. Quem
disse que estavam imóveis?
Engana-se quem pensa que, por empresas
convencionais dominarem a Internet, terminou a era dos visionários.
A bordo de seus maravilhosos sonhos voadores, eles continuam na importante
tarefa de correr atrás do arco-íris tecnológico. Enquanto
deixam pelo caminho respingos de suas cores. O conhecimento que é
aproveitado por quem não sabe voar, mas sabe transformar o intangível
no arroz e feijão de cada dia.
Enquanto a Internet dos lírios
boiantes se preocupava apenas em como o livro iria da livraria ao cliente
final, os velhos crocodilos olhavam mais longe. Queriam saber como a madeira
chegaria a livro, passando por todas as etapas de transformação.
Já descobriram. E a plácida lagoa virou um caudal de atividade.
Agitada pela cauda musculosa da cadeia de valor. O tráfego de bits
na rede nunca foi tão produtivo.
Profilaxia - Enquanto isso,
a acomodação tectônica que ocorreu na geologia internetiana
serviu de pasto para a imprensa. Há poucos anos ela pintava a Internet
como a grande novidade, sem que se soubesse exatamente o que fazer com
ela. Depois a mostrou como o remédio para todos os males. Apresentá-la
como o toque digital de Midas, dourando novos milionários, foi apenas
um passo. Até o abismo.
Agora somos avisados de que a coisa
não é bem assim e cada um deve voltar aos seus afazeres.
Mas muitos não percebem que o mercado de Internet sofreu apenas
medidas profiláticas para exterminar os carrapatos. Aqueles que
tentavam sugar dos crocodilos produtivos o sangue que sustentasse sua volúpia.
Os holofotes da imprensa apontam
agora para uma legião de profissionais, órfãos dos
carrapatos e resgatados do naufrágio dos lírios d'água.
Existe mercado para eles? Existe. São pequenos os pássaros
que palitam os dentes do gigante crocodilo. Há trabalho pela frente.
Mas só para quem se desfez de uma mentalidade que ficou velha, ainda
que impúbere.
Chegar hoje numa roda de investidores
para dizer que vai criar um portal disso ou daquilo é ser o chato
da hora. Típico vendedor de rifa ou aromatizador de ambientes, que
chega e espalha a roda. Hoje, quem propõe algo divorciado da produção
e geração de receita é visto como démodé.
Tão velho e enrugado quanto você se sentirá se alguém
elogiar seus sapatos de couro de crocodilo. Sem perceber que você
está descalço.
(*)
Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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