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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/21/01 22:14:58
Sapatos de crocodilo 

Mário Persona (*)
Colaborador

Em minhas primeiras palestras sobre Internet, costumava projetar a imagem de uma lagoa de águas plácidas, com lírios d'água decorando a superfície. Fazia um paralelo entre as plantas aquáticas, se expandindo pela lagoa, e as empresas que logo estariam tomando conta da Internet. O momento exigia urgência.
Eu nem imaginava que o futuro seria ligeiramente diferente. Muitas empresas realmente tomaram de assalto a lagoa internetiana. Mas não passaram de lírios d'água. Belos, porém frágeis. Apenas flutuaram no mundo dos negócios, ao sabor do vento da moda. Sem qualquer raiz fincada no solo da realidade.

Um e-mail do australiano John Counsel do www.profitclinic.com, trouxe até mim uma figura mais adequada para a atual empresa de Internet. Nada da beleza fugaz dos efêmeros e coloridos portais, que desejaram ser tudo para todos e dominar a lagoa. O australiano descreveu os novos habitantes da Internet como algo menos belo e mais eficiente. O crocodilo, abundante em seu país.

Estrategista - Vestindo um modelito fora de moda, emprestado do guarda-roupa do mais extinto dos dinossauros, o crocodilo é eficiente para sobreviver. Seu único adorno é o colar de pérolas bucais, que ri por último e melhor para sua vítima. Enquanto mantém o tosco corpanzil de meia tonelada funcionando sob a água.

Seus olhos atentos, qual periscópio estéreo, observam cada movimento do mercado, ponderando qual tecnologia usar para sua campanha certeira. Enquanto ele engorda, murcham as empresas cuja liquidez era só aquela que inflava uma porosa estrutura. Vivemos a hora do crocodilo, das empresas produtivas e bem estabelecidas. Quem disse que estavam imóveis?

Engana-se quem pensa que, por empresas convencionais dominarem a Internet, terminou a era dos visionários. A bordo de seus maravilhosos sonhos voadores, eles continuam na importante tarefa de correr atrás do arco-íris tecnológico. Enquanto deixam pelo caminho respingos de suas cores. O conhecimento que é aproveitado por quem não sabe voar, mas sabe transformar o intangível no arroz e feijão de cada dia.

Enquanto a Internet dos lírios boiantes se preocupava apenas em como o livro iria da livraria ao cliente final, os velhos crocodilos olhavam mais longe. Queriam saber como a madeira chegaria a livro, passando por todas as etapas de transformação. Já descobriram. E a plácida lagoa virou um caudal de atividade. Agitada pela cauda musculosa da cadeia de valor. O tráfego de bits na rede nunca foi tão produtivo.

Profilaxia - Enquanto isso, a acomodação tectônica que ocorreu na geologia internetiana serviu de pasto para a imprensa. Há poucos anos ela pintava a Internet como a grande novidade, sem que se soubesse exatamente o que fazer com ela. Depois a mostrou como o remédio para todos os males. Apresentá-la como o toque digital de Midas, dourando novos milionários, foi apenas um passo. Até o abismo.

Agora somos avisados de que a coisa não é bem assim e cada um deve voltar aos seus afazeres. Mas muitos não percebem que o mercado de Internet sofreu apenas medidas profiláticas para exterminar os carrapatos. Aqueles que tentavam sugar dos crocodilos produtivos o sangue que sustentasse sua volúpia.

Os holofotes da imprensa apontam agora para uma legião de profissionais, órfãos dos carrapatos e resgatados do naufrágio dos lírios d'água. Existe mercado para eles? Existe. São pequenos os pássaros que palitam os dentes do gigante crocodilo. Há trabalho pela frente. Mas só para quem se desfez de uma mentalidade que ficou velha, ainda que impúbere.

Chegar hoje numa roda de investidores para dizer que vai criar um portal disso ou daquilo é ser o chato da hora. Típico vendedor de rifa ou aromatizador de ambientes, que chega e espalha a roda. Hoje, quem propõe algo divorciado da produção e geração de receita é visto como démodé. Tão velho e enrugado quanto você se sentirá se alguém elogiar seus sapatos de couro de crocodilo. Sem perceber que você está descalço.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.