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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/17/01 11:11:56
Aplicação do Código do Consumidor na Net 

Ângela Bittencourt Brasil (*)
Colaboradora

Diz textualmente o art. 49 do Código do Consumidor que "O consumidor pode
desistir do contrato, no prazo de 07 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio"

As relações on-line não se afastam do preceito acima estabelecido pelo Código do Consumidor, posto que o contrato, por sua característica de livre forma de contratar, é perfeitamente adaptável à aplicação analógica das normas ora existentes às peculiaridades apresentadas pelos contratos eletrônicos. 

Sendo o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico, que depende para a sua concretização do encontro da vontade das partes, ele cria para ambas as partes uma norma jurídica individual reguladora de interesses privados e sem dúvida que também cria direitos e obrigações para as partes. É a aplicação do brocardo latino "pacta sunt servanda". 

Como em qualquer outro contrato feito em ambiente formal, os contratos virtuais contêm os requisitos subjetivos de validade que fazem o seu cumprimento obrigatório, e portanto sujeito às normas do Código do Consumidor. Assim, a existência de duas ou mais pessoas presentes ao acordo, a capacidade genérica das partes contratantes para os atos da vida civil, a aptidão específica para contratar, e o assentimento das partes contratantes estão igualmente presentes nos contratos eletrônicos, não havendo qualquer impeditivo para a avença. 

Entre ausentes - No pré citado artigo, sendo o acordo feito dentro ou fora da Internet, por meio de telefone, fax, carta ou pessoalmente o prazo será de sete dias, conforme o estabelecido. No caso, temos que considerar este tipo de acordo como contrato entre ausentes, o que não muda em nada sobre o que estamos discorrendo. 

A questão a ser debatida aqui é: a partir de que data exata esses sete dias serão contados? Ou seja, em que momento o contrato é concluído, e como podemos auferir o dia do seu desfazimento. Isto é de suma importância para as relações comerciais cibernéticas, porque este prazo é fatal para o cancelamento do negócio e, segundo a lei, passados os sete dias, o acordo não poderá ser desfeito sem que haja uma penalidade civil para o descumprimento ou desistência. 

Se tomarmos os contratos não virtuais veremos que a eficácia da desistência dependerá dela ser recebida antes ou conjuntamente à proposta ou aceitação. Se o meio empregado para a notícia do desfazimento for os correios, isso não seria difícil de se materializar, porque o envio de um telegrama resolveria a questão por sua forma rápida de comunicação. Ocorre que nos contratos via Internet, as propostas são feitas normalmente por e-mail, e tanto o envio da proposta quanto a aceitação são feitos quase que instantaneamente.

O Código do Consumidor, ao estabelecer o prazo de sete dias para a desistência, parece que estava prevendo os casos possíveis de ocorrer com os contratos on-line, porque o tempo fixado é suficiente para que a mensagem eletrônica noticiando  o cancelamento chegue ao seu destino. 

Momento - Mas o ponto nodal da questão é saber em que momento começa a se contar o dia em que uma das partes enviou a notícia do desfazimento. Seria no momento da recepção da mensagem pelo provedor, na hora em que o provedor descarrega a mensagem no e-mail do receptor? Como dissemos acima, esta questão é muito importante, porque dela depende uma sanção para uma das partes, como conseqüência. 

Suponhamos que o computador do ofertante tenha quebrado, ou tenha havido um problema com a conexão do provedor. É claro, estes obstáculos não podem servir de base para prejudicar o desistente e por isso entendemos que a melhor solução seria considerar o e-mail recebido quando há a descarga do arquivo no computador daquele a quem é feita a desistência, isto é, quando o provedor puder comprovar que o e-mail foi enviado e recebido.

Assim, se alguém faz um pedido de compra no dia 1, ele tem até o dia 7 para enviar por e-mail o seu arrependimento e, mesmo que o vendedor só abra a sua caixa postal no dia 10, o negócio pode ser considerado desfeito. O mesmo procedimento deve ser feito para a reclamação dos vícios dos produtos recebidos, ou os mesmos sete dias se o pedido não for entregue neste prazo.

Aplicação perfeita - Como vemos, a teoria dos contratos e as normas legais de defesa do consumidor são ferramentas perfeitamente aplicáveis aos contratos de compra e venda feitas por meios virtuais, aplicando-se desde a teoria da agnição, na modalidade expedição, e da cognição, esta última constituindo-se em exceção à regra geral.

Para lembrar, a teoria da agnição ou declaração, é aquela que entende por concluído o contrato no instante em que o comprador manifesta sua aquiescência à proposta. Dentro desta teoria temos a modalidade da expedição, pela qual não basta a formulação da aceitação, sendo indispensável a sua remessa da aquiescência ao ofertante, quando então podemos dizer que o comprador cumpriu todas as etapas para externar o seu consentimento.

Nos contratos eletrônicos, entendemos que a aceitação é dada quando o comprador envia ao solicitante o número do seu cartão de crédito, para a transferência do valor da mercadoria que pretende adquirir. A da informação ou cognição, segundo a qual o contrato é tido por concluído no momento em que o vendedor toma ciência da aceitação do comprador. Isto ocorre porque não se pode dizer que um negócio jurídico esteja concluído sem que as partes tomem ciência da vontade um do outro.

Concluindo, diremos que o Código do Consumidor, em toda a sua extensão, se aplica analogicamente aos contratos virtuais porque, se não existe ainda uma lei determinando a forma do contrato virtual, então será ele válido, desde que não  contrário ao Direito. Temos apenas que interpretá-lo corretamente.

(*) A colunista Ângela Bittencourt Brasil é membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora do site Ciberlex, especializado em Direito de Informática.