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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/15/01 08:49:08
Nexo seguro 

Mário Persona (*)
Colaborador

Meu pai não deixava de transformar algo corriqueiro em um bom "causo". Contava, com aromas e sabores, a história da compra de um pernil. O funcionário do açougue gentilmente respondeu que tinha pernil dos bons, e foi logo afiando a faca. Interrompido pela bronca do açougueiro. "Pára de dizer que tem! Se continuar vendendo, o pernil vai acabar!". Meu pai não entendeu.

Ao ler a manchete na Gazeta Mercantil, "Estoque dita ritmo da publicidade", lembrei-me da história do pernil. Segundo o jornal, a GM teria interrompido a campanha publicitária do Celta por não conseguir atender a demanda. A Gradiente teria feito o mesmo com seu DVD, cuja procura foi maior que a produção. E a Semp Toshiba só anunciou sua TV de 43 polegadas para esvaziar o estoque. Para desespero das agências de publicidade, cujos negócios dependem dos humores da indústria.

Se o título fosse "Estoque dita ritmo da demanda", teria mostrado a realidade da maioria das empresas. "Se continuar vendendo vai acabar!", é o berro da indústria atropelada pela demanda. Algo imperdoável em plena era da Internet, quando é possível integrar todos os participantes de uma cadeia produtiva para produzir conforme a demanda.

O modelo todo está errado. O estoque querendo guiar a demanda. O lema é fabricar, estocar e desovar. Fazendo marketing para dilatar a goela do mercado. Quando deveria identificar o apetite da demanda, estimular as glândulas produtivas da indústria e espalhar o aroma de seu forno. Auxiliado por uma gestão afinada do relacionamento com fornecedores e planejamento colaborativo. Vender para produzir, não produzir para vender.

O business-to-business (N.E.: negócios entre empresas, com sigla inglesa B2B) prometia transformar isso em realidade. A imprensa trombeteava as perspectivas de um saboroso futuro para os provedores de soluções. Que correram a oferecer a roupa nova ao rei. Todo mundo virou B2B para ficar bonito ao quadrado na nova economia. Até quem fornecia e-mail entre empresas foi chamado de B2B. Deturpando o mercado e as estatísticas.

Praças de mercado - Portais B2B tiveram seus quinze minutos de fama. Marketplaces abertos, pregavam a liberdade das relações em amplos leitos de amores. Todo mundo ia com todo mundo, para comprar e vender. Nada de nexo seguro, o vínculo que garante fidelidade. Ficou a impressão de libertinagem comercial, uma devassidão que poderia comprometer os negócios. E a imprensa voltou a se ocupar com os portais B2B que fechavam. Joga pedra na Geni.

Embora adequado para commodities, o marketplace aberto não é pãozinho para todos recheios. Cotações, compras, vendas e leilões em mercados amplos, gerais e irrestritos podem não servir para materiais utilizados na produção. Responsáveis por 80% do dinheiro gasto pela indústria e cujo abastecimento é crítico na fluidez da linha.

Para evitar amores de verão em ambientes propícios à promiscuidade comercial, as empresas buscaram marketplaces privados. Esvaziaram os portais, fugindo de aventureiros queimando estoques. Ou de modelos de cobrança por porcentagem sobre a transação, geradores de efeito cascata nos custos dos materiais. Para a gestão segura do ciclo de produção, preferiram uma relação de fidelidade com número limitado de parceiros. Em uma plataforma confortável, que abrigasse suas comunidades de negócios. Alcova familiar para relações seguras.

De olho na fatia - Mostrar que isso era possível, foi o que tranqüilizou o diretor de uma multinacional, cuja fábrica brasileira adotou nossa solução de marketplace privado. "Qual a porcentagem que cobram por transação?", perguntou à queima-roupa. Expliquei que não participávamos da transação. Fornecíamos a plataforma tecnológica que garantia uma relação de privacidade entre ele e seus fornecedores habituais. "É o que procuro", respondeu. "Não quero sócios se alimentando de nossas compras".

Nem meu pai queria, quando conseguiu comprar seu pernil e o deixou para assar em uma pequena padaria. Ao voltar, não encontrou ninguém no balcão. Seguiu o aroma do assado até o forno aberto, de onde sobressaía a nádega crocante do enrubescido pernil. Tendo ao seu lado o padeiro, pãozinho aberto numa mão e faca afiada na outra. Olhando arregalado para meu pai e desejando nunca ter nascido. Mais rápido do que o The Flash, fez sumir a faca e o pão. E meu pai nunca se perdoou por não ter oferecido ao padeiro uma fatia da saborosa iguaria.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.