Bips - o PC popular brasileiro
Um dos
temas de mais acirrado debate no Brasil, no momento, está sendo
o anúncio do governo federal de que pretende fomentar a produção
de computadores a custo mínimo (menos de R$ 500,00 por equipamento)
e em grandes quantidades (para equipar até 23 milhões de
lares) - com financiamento em até 10 ou até 24 meses pelos
bancos oficiais -, para dar acesso à Internet a grande parte da população
de baixa renda. De um lado, há os que consideram todo o projeto
do PC popular como um ato demagógico, impraticável. Para
outros, é altamente elogiável e exeqüível.
Apoiado por uns, torpedado por outros,
o plano anunciado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo ministro
das Comunicações, João Pimenta da Veiga, e pelo ministro
da Educação, Paulo Renato, é baseado em estudos feitos
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Características - Os
técnicos mineiros indicam ser possível comercializar por
menos de R$ 500,00 um micro com processador similar ao Pentium de 500 MHz
(possivelmente o AMD K6-II 500 MHz) e 64 MB de RAM, modem 56 kbps, alto-falantes,
teclado, mouse, placa de rede Ethernet, monitor de 14 polegadas, disco
Flash de 16 MB (o computador não terá disco rígido),
portas para conexão de periféricos USB.
O micro virá com software
gratuito e de domínio público (sistema operacional Linux
e aplicativos como navegador para Internet, editor de apresentações,
processadores de texto e de planilhas). O usuário poderá
incrementar o equipamento adquirindo posteriormente periféricos
como o leitor de CD-ROM. O equipamento também não tem drive
de disquete. O ambiente gráfico considerado é o XWindows,
com gerenciador de aplicativos KDE e navegador Konqueror. O pacote de aplicativos
(editor de textos, planilhas etc.) considerado é o KOffice.
O protótipo do equipamento
foi apresentado ao presidente da República, pelos ministros Pimenta
da Veiga, de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e da Casa
Civil, Pedro Parente (que também é presidente executivo do
projeto Governo Eletrônico). O financiamento poderia chegar a 24
meses pela Caixa Econômica Federal. A produção será
fixada na Lei de Informática e o micro terá sua aplicação
indicada pelo Comitê Gestor da Internet para programas desenvolvidos
com recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações
(Fust), que financiará a compra de computadores para doação
a escolas, postos de saúde e pequenos centros comunitários.
Não está definido ainda
quem fabricará os computadores, mesmo com a oferta pelo governo
de não cobrar impostos das empresas dispostas a produzir esses equipamentos.
Ainda assim, a expectativa do ministro das Comunicações é
que as primeiras unidades já estejam disponíveis no mercado
dentro de 120 dias.
Indústria é contra
- Já no ano passado, o ministro Pimenta da Veiga consultou a indústria
de computadores sobre a possibilidade de criar um PC popular. a Associação
Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee)
respondeu que no mínimo um equipamento "o mais básico e racional"
ficaria acima de R$ 1 mil. Diante dessa resposta, o governo encomendou
(por R$ 154 mil) um projeto ao Departamento de Ciência da Computação
da UFMG. Foram montados dois protótipos, ao custo individual de
R$ 1 mil, mas o coordenador do projeto, Sérgio Vale Campos, explica
que ao ser feita a produção em escala industrial o custo
cai para menos da metade.
Fernando Loureiro, diretor de Assuntos
Corporativos da fabricante de computadores Dell, critica o projeto por
não incluir disco rígido (HD), o que obriga os usuários
a dependerem muito da rede para usar programas, ficando sem espaço
no próprio equipamento para manter e manipular arquivos. Para ele,
o mercado consumidor não quer um PC apenas para navegar na Internet,
o que levou sua empresa a desistir de um projeto semelhante nos Estados
Unidos. Ivair Rodrigues, do IDC, reforça a argumentação
lembrando das fracassadas experiências nacionais com produtos que
transformam televisor em computador. Até o chip AMD é criticado,
lembrando-se que a empresa fabricante deve encerrar em breve a produção
desse processador.
Paulo Alouche, diretor da Microtec,
duvida que o projetado PC popular chegue a um preço final inferior
a R$ 500,00, no que é acompanhado pelo diretor de Assuntos Corporativos
Gilberto Galan, ao recordar que é preciso considerar também
custos de distribuição, suporte técnico e manual.
Nem mesmo o uso de Linux é poupado pelos críticos, que consideram
esse sistema operacional ainda muito complicado para o usuário leigo.
Vantagens indiretas - Apesar
das críticas, o projeto poderá deslanchar se o governo e
o empresariado considerarem nos cálculos as muitas vantagens indiretas
possíveis. A principal delas é o significativo aumento do
número de usuários de computadores e da Internet, abrindo
um importante mercado para os serviços eletrônicos (banco
residencial, comércio eletrônico, telecomunicações
etc.). Só isso já justificaria que muitas dessas empresas
subsidiassem ou facilitassem a realização do projeto, contando
com os benefícios da expansão da base de usuários.
O próprio governo se beneficia
diretamente, na medida em que pode estender a uma parcela maior da população
os serviços de governo eletrônico, dos quais o mais conhecido
é a declaração do Imposto de Renda pela Internet.
Tais serviços virtuais têm custo consideravelmente menor que
os correspondentes na forma convencional.
O principal benefício do computador
popular é reduzir o chamado "analfabetismo digital", que em muitos
países já é considerado tão grave como o analfabetismo
comum - cada vez mais, para ingressar e se manter no mercado de trabalho,
a pessoa precisará ter conhecimentos de informática, e em
muitas profissões esta já é uma barreira real, mesmo
no Brasil.
Fontes - O uso do sistema
operacional Linux no projeto do PC popular é polêmico, mas
tem
muitos defensores ativos. Um dos problemas atribuídos ao Linux
- e destacados nos últimos dias, em meio a esses debates - é
a questão das fontes de letra, pois muitas das fontes mais conhecidas,
usadas pelos programas em Windows, são patenteadas e não
contam com licenças para Linux.
Porém, as principais fontes
de letra já possuem versões Linux e os interessados no tema
podem obter mais detalhes nos sites Fighting
Font Frustration, How
to get proper fonts in Netscape on Linux/FreeBSD e XFree86
Font Deuglification Mini Howto.
Segurança e operações
- Entre os usuários de sistemas de computação, existem
comentários sobre aspectos de segurança do Linux, que estaria
diminuindo em meio às tentativas de tornar o Linux mais fácil
de instalar e usar para o usuário. A própria semelhança
visual crescente com o MS Windows pode gerar problemas, ao induzir o usuário
a pensar que são sistemas semelhantes e plenamente compatíveis
entre si.
Mas há também o aspecto
positivo da multiplicidade de escolha, tanto de ferramentas e programas
como de interfaces gráficas, com código não proprietário,
havendo uma legião de aficcionados em todo o mundo que estão
continuamente aprimorando o sistema, sem custos. |