Uma odisséia na Terra
Mário Persona (*)
Colaborador
Em 1968
era lançado o filme "2001, Uma Odisséia
no Espaço". Nas primeiras cenas uma figura simiesca lança
um osso para o alto, símbolo da gênese tecnológica.
Na ficção, o osso sobe rodopiando ao espaço e vira
um satélite em órbita da Terra. Na vida real, teria caído
na cabeça do imprevidente peludo. Nocauteado no primeiro round do
confronto homem-máquina.
Na evolução do sonolento
enredo, só mais tarde encontramos o ser humano lutando com o tecnológico.
Preso do lado de fora da nave por HAL, um computador cujo nome é
formado pelas letras que precedem IBM no alfabeto. E quer dominar o mundo.
As previsões do filme erraram
feio. Cheguei a 2001 sem me vestir igual aos Jetsons. E meu burro notebook
não é capaz de sugerir um tema mais original para este artigo,
que inaugura o terceiro milênio. O centésimo que você
já leu usando o filme de Stanley Kubrick como muleta.
Felizmente meu notebook nunca quis
me dominar ou impedir que eu o desligasse. O Windows já cuida de
travá-lo periodicamente. Mas enquanto escrevo, homens e máquinas
duelam em um centro de pesquisas da IBM em Yorktown, nos Estados Unidos.
Não pela conquista do mundo, mas para ver quem é mais eficiente
nas compras em leilões on-line.
Cientistas apostam que sistemas poderão
rastrear a rede, achar fornecedores, pechinchar e fechar negócios
automaticamente. Desde o reabastecimento de sua geladeira, até a
compra de toneladas de aço poderiam ser feitos por robôs.
Enquanto compradores e vendedores usariam o tempo livre para procurar outro
emprego.
Mas não é tão
simples substituir o humano. O próprio Dr. Steve R. White, responsável
pela pesquisa, admite que os computadores são muito mais rápidos
que as pessoas, mas também muito mais burros. Na sua atuação
mais simples em leilões simulados, os robôs conseguiram uma
vantagem de 5% em performance, comparados com seus colegas de carne e ossos.
O problema começa quando
a negociação exige talento, o que as máquinas não
têm. Negociação envolve relacionamento, algo tão
complexo quanto o ser humano. E aí a tecnologia deve nos ajudar,
não nos dominar. Deve potencializar o talento, não substituí-lo.
"Ciência é tudo o que entendemos o suficiente para explicar
a um computador; o resto é arte", escreveu David Knuth.
A capacidade real da empresa está
nas pessoas, não nas máquinas. Você se lembra de quando
computadores eram caros e programadores baratos? A história hoje
é outra. Até o marketing descobriu que a melhor mídia
não é feita de tinta sobre papel, de ondas de rádio
ou TV, mas de carne e ossos. Pessoas são os melhores fixadores e
propagadores de uma marca. Constrói-se uma marca construindo-se
uma comunidade de aficionados, não um logotipo.
A Internet tem demonstrado isso.
São as pessoas que divulgam, fazem associações e contaminam
o ser humano. Usuários satisfeitos sentem-se donos da marca, cúmplices
de seu sucesso. E usam a tecnologia para potencializar sua disseminação.
Casos de paixão como Linux, Palm, Napster ou ICQ comprovam isso.
Para impregnar pessoas que têm
sangue nas veias, a marca deve transmitir paixão. Novelas e romances
fazem sucesso porque exploram o relacionamento humano. O povo quer circo.
Acrescente paixão humana a uma marca e terá o que o povo
quer. E se o seu produto for consistente como pão, você será
o César de seu mercado.
Se a tecnologia é o osso do
hominídeo de "Odisséia no Espaço", o interesse humano
hoje está na carne. No músculo que balança o osso.
Nem sempre a vida irá querer imitar a arte da ficção.
Seja ela no velho "Odisséia no Espaço" ou no moderno "Matrix",
onde o herói Neo ainda precisa atender ao telefone.
Em "Odisséia no Espaço",
uma cena de trinta segundos mostra HAL vencendo o astronauta Frank Poole
no xadrez. Para mostrar, de leve, a supremacia sobre o humano no mais antigo
e complexo jogo de raciocínio. Não me intimida nem um pouco.
Em minha "Odisséia na Terra", se não conseguir vencer meu
notebook no xadrez, escolho outro esporte. Boxe.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates
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