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Nasce a Cultura da Internet
- Em edição especial de retrospectiva 2000 e prognósticos
para 2001, a revista brasileira Veja questiona os postulados da
nova Cultura da Internet: "Assim como no passado se acreditou que a televisão
iria acabar
com o rádio e o cinema de uma só vez, agora se imagina que
a Internet possa vir a ser o fim da cultura em papel. Parece que não
será. No ano em que Stephen King, um fabuloso vendedor de livros
à moda antiga, fracassou na Internet, as aventuras de Harry Potter,
em papel, foram o fenômeno literário. Mesmo a distribuição
de música gratuita pela rede, via Napster, começou e terminou
no mesmo ano que passou (SIC: a revista é datada de 27/12/2000 e
chegou às bancas vários dias antes). Vai ficando claro que
o encantado mundo da cultura virtual não substitui nem pode existir
sem o mundo das coisas reais".
Algumas datas chaves de 2000, segundo
a publicação:
8 de julho: considerado o
maior sucesso infanto-juvenil de aventuras do ano, o livro (em papel) Harry
Potter and the Globet of Fire (Harry Potter e o Cálice de Fogo)
vendeu mais de 350 mil exemplares no dia de seu lançamento nos EUA.
Até o final do ano, em parte graças a um grande esquema de
distribuição da livraria (virtual) Amazon.com, a série
da escritora escocesa Joanne K.Rowling, já no quarto livro, terá
vendido mais de 66 milhões de exemplares, em 200 idiomas.
17 de julho: nos Estados Unidos,
o grupo Time Warner pagou US$ 7 milhões ao executivo Jack Welch,
que recriou a empresa General Electric, pelo direito de publicar sua autobiografia;
24 de julho: Stephen King
colocou na Internet o seriado The Plant, em que os leitores deveriam pagar
para ter cada um dos oito capítulos da obra (US$ 1 pelo primeiro
e US$ 2 para cada um dos demais). Vendeu 170 mil cópias do primeiro
capítulo e apenas 74 mil do segundo, e ameaçou suspender
a publicação do resto da história. Outro escritor
de sucesso, Frederick Forsyth, colocou em outubro cinco contos na Internet,
mas sem arriscar tanto: o internauta só poderia ler o conjunto de
textos depois de pagar US$ 6.
1º de novembro - na Alemanha,
foi firmado um acordo entre o estadunidense Shawn Fanning (um estudante
de 19 anos que criou o Napster, um programa que permite aos internautas
copiar sem custos as músicas de outros usuários, criando
um dos maiores casos jurídicos da Nova Economia) e a gigante de
entretenimento e comunicações alemã BMG, para que
o Napster passe a vender música dessa empresa. Já o site
MP3.com fez um acordo para pagar US$ 30 milhões às gravadoras
para continuar disponibilizando suas músicas na Internet.
Sem papel? - Destaque ainda
nessa edição de Veja para o artigo "O Destino da Leitura
na Era da Web", de Alberto Manguel, que conviveu com o escritor argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986) e em 1997 editou no Brasil sua obra "Uma
História da Leitura". Em meio às sete páginas do texto
- em que argumenta que o livro, como tecnologia, tem grandes vantagens
sobre as telas dos computadores, sendo tolice culpar a Internet pela dificuldade
que muitos tÊm de encontrar prazer na leitura -, vale registrar o
trecho:
Nossa futura
sociedade sem papel (aliás, definida por Bill Gates em um livro,
quero salientar) é uma sociedade sem história, de vez que
tudo na Internet é instantaneamente contemporâneo e que, graças
aos processadores de texto, não há mais arquivo de nossas
notas, erros, avanços e rascunhos. (...) Para um observador do futuro,
será como se nossas idéias nascessem prontas, qual Palas
Atena inteira da cabeça de Zeus - só uqe, tendo em vista
que nosso vocabulário histórico será esquecido, mesmo
esse clichê não significará nada.
Mais Manguel... - Outro trecho
do artigo de Alberto Manguel:
Em 1948, um
americano chamado James T. Mangan protocolou uma escritura no tabelião
de registro de imóveis do condado de Cook reivindicando a propriedade
de todo o espaço. Depois de batizar seu vasto território
de Celestia, Mangan avisou a todos os países da Terra que não
tentassem fazer viagens à Lua e entrou com um pedido de ingresso
na ONU. O ambicioso empreendimento do sr. Mangan foi agora assumido, num
sentido mais prático, pelas multinacionais. Seus métodos
têm sido muito eficazes. Ao oferecer aos usuários eletrônicos
a aparência de um mundo controlado a partir de seus teclados, um
mundo em que tudo pode ser acessado e tudo pode ser possuído,
como nos contos de fadas, com um simples toque dos dedos, as multinacionais
certificaram-se de que, por um lado, os usuários não protestarão
por ser usados, uma vez que estão supostamente com o controle
do ciberespaço e que, por outro lado, ficarão impedidos de
saber qualquer coisa profunda sobre si mesmos, seu ambiente ou o resto
do mundo.
Essa prestidigitação
é executada graças à ênfase na velocidade em
detrimento da reflexão e na brevidade em lugar da complexidade.
Dá-se preferência a fragmentos de notícias e a bytes
às discussões longas e aos dossiês minuciosos, e dilui-se
a opinião fundada com resmas de conversa fiada, conselhos ineficazes,
ersões inexatas e informações triviais, que ganham
atrativo graças a nomes de marcas e estatísticas manipuladas.
A enfadonha Florence Nightingale disse certa vez que, "para entender os
pensamentos de Deus, devemos estudar estatísticas, pois elas são
a medida de Sua intenção". E também a medida da intenção
profana das desabusadas multinacionais.
Tendências
e previsões - Já a revista noticiosa Newsweek
dedica uma edição especial neste final de ano/século/milênio
à análise dos fatos recentes e das tendências para
2001. Nos textos, em inglês, destacam-se os temas relacionados à construção
de um novo ser humano, o homem tecnológico.
Em "O W desaparecido
na Web", a revista mostra como o sistema, pensado para ser mundial (World),
é ainda altamente dominado pelos norte-americanos, mas essa hegemonia
começa a cair, com o crescimento da rede nos mais diversos lugares
do mundo, que entram na cometição para fornecer a moeda corrente
de nossa era: informação.
Outras tendências
atuais são reveladas nos títulos de diversos artigos da revista,
como: "A morte da privacidade", "Os ciber-nômades" (a tecnologia
permite que qualquer profissional trabalhe em qualquer lugar do mundo,
ao mesmo tempo em que muda o conceito de trabalho, com a crescente predominância
de pagamenmto a profissionais na forma de tempo compartilhado, free-lancers
e/ou com contratos de curtíssima duração). Outro tema,
"Protesting Plutocracy", usa as palavras de Bill Gates (emblema da ideologia
que dominou o mundo após o fim da Guerra Fria, de capitalismo global
como panacéia) para mostrar a nova tendência delineada nos
últimos oito anos: se antes a idéia era privatizar o setor
público, agora é tornar público o empreendimento privado,
cobrando das empresas o chamado Balanço Social.
Sem barbearias
- Além de perguntar se a nanotecnologia pode ajudar a construir
um novo (e melhor) ser humano, e de questionar os avanços na Biologia
(com o surgimento de seres clonados e geneticamente modificados), a revista
mostra também como os computadores estão aprendendo a reconhecer
e manifestar emoções, ao estilo do emblemático Hal
9000, do filme antológico "2001, uma Odisséia no Espaço".
Não por acaso, o famoso computador sentimental da ficção
é comparado em um dos artigos com a realidade do verdadeiro ano
2001: "No real 2001, tudo está conectado, de mainframes a laptops,
PDAs (N.E.: assistentes pessoais digitais, como os computadores da linha
Palm) e telefones móveis".
Aliás,
comparando a nave do filme com a Estação Espacial Internacional
que começou a ser construída em 2000, a revista registra:
como no filme, a estação também não tem barbearias.
Novo ser
humano? - O artigo "Building a Better Human" começa lembrando
que em agosto de 1998 o pesquisador Kevin Warwick colocou seu corpo na
rede eletrônica, ao implantar cirurgicamente um microprocessador
em seu braço esquerdo, que habilitava um computador na Universidade
de Reading (Inglaterra) a acompanhar seus passos pelo Departamento de Cibernética,
onde ele leciona. Durante nove dias, o computador o reconheceu ao chegar
à entrada principal, abrindo-lhe a porta do laboratório e
acendendo as luzes à sua chegada, além de lhe transmitir
os recados de voz acumulados. Nos próximos meses, Warwick experimentará
um novo implante com a capacidade de trocar sinais diretamente entre seu
sistema nervoso e um computador - um passo radical na direção
do vínculo direto entre o cérebro humano e as máquinas.
Para pensar:
se os homens tecnológicos ou cyborgs (organismos cibernéticos)
podem cometer menos erros que os humanos convencionais, não serão
também menos criativos, menos capazes de perceber nuances? Inteligência
não é também a capacidade de inovar? A grande questão
do século que termina, para os filósofos, foi definir o que
é humano. Nos próximos anos, com a tecnologia erodindo o
próprio conceito de que inteligência é um atributo
apenas humano, esse vai ser o grande debate da nova era. |