Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/trilho77.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/04/04 19:32:14
Clique na imagem para ir ao índice de O Bonde/Index: click here
TRILHOS (77)
A decadência, em carta do leitor ao jornal

Dez anos depois que o serviço de bondes foi extinto em Santos, esta carta de um leitor foi publicada no jornal santista A Tribuna, em 17 de maio de 1982, na seção Tribuna do Leitor, fazendo uma verdadeira radiografia dos acontecimentos:

 

Bonde, transporte que deixou saudades
Foto publicada com o texto

A decadência do transporte coletivo

Sr. redator:

A cada dia que passa a gente da Cidade sente a piora de suas condições de transporte, na ida e vinda do trabalho ou em seus raros instantes de lazer. Reflexos da má administração deste que deveria ser um serviço público, mas que parece ter outros fins. Ônibus que atrasam e somem da linha, ônibus velhos que se quebram no meio do caminho, ônibus lotados que nos levam como se fôssemos galinhas encaixotadas. A elevação do preço das passagens - as mais caras do País - é apenas mais um fato demonstrador dessa seqüência de erros e más intenções, que fizeram com que a CSTC entregasse um importante número de linhas, essenciais ao transporte popular, às mãos de uma voraz empresa privada - com resultados imediatos na queda da qualidade de serviços prestados.

Mas, como teve início a decadência econômica do antigo Serviço Municipal de Transportes Coletivos - SMTC - atual CSTC? Não vamos encontrá-los unicamente no desprezo com que é tratada a ex-autarquia pelos dirigentes municipais que por aqui passaram - que a ela não destinaram verbas, como que este não fosse um serviço público essencial. 

Também não podemos culpar o empreguismo eleitor de vereadores, encarecedor do custo do transporte com fatores extranumerários; ou as atitudes desastrosas do interventor general Bandeira Brasil, nomeado por Brasília em lugar do prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio. A pretexto da "modernização" da Cidade, esse militar, que veio do Rio de Janeiro administrar nossa cidade, retirou os bondes e os substituiu por ônibus diesel, jogando às baratas as finanças da companhia. Não é por nenhum motivo destes em particular e sim de todos estes e mais alguns que acontecem todos os dias: fruto de uma direção desinteressada dos resultados na melhoria do transporte, porque não anda de ônibus, nem nunca andou.

São incríveis os feitos das direções estranhas ao dia-a-dia de trabalho e condução. Pode-se citar, por exemplo, o que aconteceu em 1971 sob a interventoria do mesmo Bandeira Brasil. Como Santos tinha uma frota de trólebus em funcionamento, gastando apenas 6 cruzeiros por dia de energia - graças ao desconto de 75% que dava a Light - cogitou-se transformar toda a frota em diesel. Dentre as vantagens estava a de gastar 50 vezes mais combustível, ou seja, 300 cruzeiros por dia. Com que interesse? Bem, fez-se uma experiência-piloto e o ônibus era vermelho e prateado, sugerindo as cores da bandeira santista para o general, começando a circular dia 5 de fevereiro de 1972, na linha 5. Felizmente não há melhor exemplo.

Hoje, o Governo Municipal autodenominado jovem alardeia à população a "recuperação a longo prazo" da CSTC - sua transformação em empresa lucrativa. Logo após tomar posse, em abril de 1980, ele pediu um empréstimo para a Caixa Econômica Federal e dotou a companhia de 100 milhões, com seu irmão na presidência. Depois, conseguiu com a EBTU algumas verbas, para reforma dos trólebus encostados, e dizem que assim conseguiu equilibrar as finanças da CSTC. Só que os serviços prestados não melhoraram e a tarifa é a mais cara do País - com o prefeito alegando prejuízos. Não investe fundos municipais públicos na melhoria do transporte público, na redução de seus custos para o povo. Com as verbas públicas faz concha acústica, muros de arrimo, ilumina a praia e outras obras que considera essenciais.

A culpa não é dele, é também de seus antecessores e dos que deixaram na elaboração do orçamento que verbas públicas ficassem centralizadas nas mãos de um único homem.

É na ausência de um controle popular de seus próprios interesses, através de suas entidades, que se cometem esses desacertos, na deliberação das prioridades do orçamento municipal - naquilo que a população tem urgência de solução. O alcaide nomeado, distante da população que não o elegeu, num raciocínio limitado pensa em dar a dinheiro em caixa o significado de lucro na empresa pública, quando isso representa a qualidade dos serviços prestados à população.

Não se pode privar o povo de um transporte decente, ainda que seja sob pretextos de "equilibrar as finanças" ou dar lucro, diminuindo o número de veículos em circulação sob o argumento que eles são deficitários - os ônibus noturnos, por exemplo. Que se coloquem microônibus em todas as linhas. Trabalhadores de turno ou trabalhadores em lazer também são cidadãos - os que produzem tudo que há. Não se pode admitir que se diga que um ônibus lotado dê lucro, se ele faz é maltratar ainda mais a vida da população, já explorada e maltratada no trabalho.

Em mais esse sentido o alcaide nomeado não foge ao modelo econômico imposto ao País por seus nomeadores, transformando esta nação em uma imensa empresa com quase 120 milhões de escravos - salve-se disso uns poucos. A exploração popular se dá nas empresas estatais, cuja função precípua deveria ser controlar a economia e impedir essa mesma exploração. Sabesp, Petrobrás, Eletropaulo estão aí arrecadando muito para investimentos em um futuro inalcançável para nós, simples mortais - que vivemos à espera que este Brasil grandioso que a TV anuncia com insistência chegue até nós.

Vamos dar um basta a este estado de coisas, ao transporte deficiente após um dia de trabalho cansativo, a uma Prefeitura que não vê as necessidades de seu povo. É o usuário que deve controlar os custos, linhas, compras e vendas de sua companhia de transportes. É o cidadão que deve opinar sobre as suas prioridades, através de suas entidades organizadas e definidas - reguladas em instâncias de decisão por uma Secretaria de Bairros.

Vamos como em 68 começar tudo de novo. Vamos eleger os nomes que a ditadura tentou apagar, pois Santos resiste heróica aos atropelos brutais. E vai demorar até que apaguem a nossa fé num futuro prodigioso para toda gente.

José Paulo de Oliveira Matos


Mas, depois de chegar ao fim da linha, o bonde retorna. Até a fábrica...

Carlos Pimentel Mendes