Dez anos depois que o serviço de bondes foi extinto em
Santos, esta carta de um leitor foi publicada no jornal santista A Tribuna, em 17 de maio de 1982, na seção Tribuna do Leitor, fazendo
uma verdadeira radiografia dos acontecimentos:
Bonde, transporte que deixou saudades
Foto publicada com o texto
A decadência do transporte coletivo
Sr. redator:
A cada dia que passa a gente da Cidade sente a piora de suas condições de transporte,
na ida e vinda do trabalho ou em seus raros instantes de lazer. Reflexos da má administração deste que deveria ser um serviço público, mas que
parece ter outros fins. Ônibus que atrasam e somem da linha, ônibus velhos que se quebram no meio do caminho, ônibus lotados que nos levam como se
fôssemos galinhas encaixotadas. A elevação do preço das passagens - as mais caras do País - é apenas mais um fato demonstrador dessa seqüência de
erros e más intenções, que fizeram com que a CSTC entregasse um importante número de linhas, essenciais ao transporte popular, às mãos de uma voraz
empresa privada - com resultados imediatos na queda da qualidade de serviços prestados.
Mas, como teve início a decadência econômica do antigo Serviço Municipal de
Transportes Coletivos - SMTC - atual CSTC? Não vamos encontrá-los unicamente no desprezo com que é tratada a ex-autarquia pelos dirigentes
municipais que por aqui passaram - que a ela não destinaram verbas, como que este não fosse um serviço público essencial.
Também não podemos culpar o empreguismo eleitor de vereadores, encarecedor do custo do
transporte com fatores extranumerários; ou as atitudes desastrosas do interventor general Bandeira Brasil, nomeado por Brasília em lugar do prefeito
eleito Esmeraldo Tarquínio. A pretexto da "modernização" da Cidade, esse militar, que veio do Rio de Janeiro administrar nossa cidade, retirou os
bondes e os substituiu por ônibus diesel, jogando às baratas as finanças da companhia. Não é por nenhum motivo destes em particular e sim de todos
estes e mais alguns que acontecem todos os dias: fruto de uma direção desinteressada dos resultados na melhoria do transporte, porque não anda de
ônibus, nem nunca andou.
São incríveis os feitos das direções estranhas ao dia-a-dia de trabalho e condução.
Pode-se citar, por exemplo, o que aconteceu em 1971 sob a interventoria do mesmo Bandeira Brasil. Como Santos tinha uma frota de trólebus em
funcionamento, gastando apenas 6 cruzeiros por dia de energia - graças ao desconto de 75% que dava a Light - cogitou-se transformar toda a frota em
diesel. Dentre as vantagens estava a de gastar 50 vezes mais combustível, ou seja, 300 cruzeiros por dia. Com que interesse? Bem, fez-se uma
experiência-piloto e o ônibus era vermelho e prateado, sugerindo as cores da bandeira santista para o general, começando a circular dia 5 de
fevereiro de 1972, na linha 5. Felizmente não há melhor exemplo.
Hoje, o Governo Municipal autodenominado jovem alardeia à população a
"recuperação a longo prazo" da CSTC - sua transformação em empresa lucrativa. Logo após tomar posse, em abril de 1980, ele pediu um empréstimo para
a Caixa Econômica Federal e dotou a companhia de 100 milhões, com seu irmão na presidência. Depois, conseguiu com a EBTU algumas verbas, para
reforma dos trólebus encostados, e dizem que assim conseguiu equilibrar as finanças da CSTC. Só que os serviços prestados não melhoraram e a tarifa
é a mais cara do País - com o prefeito alegando prejuízos. Não investe fundos municipais públicos na melhoria do transporte público, na redução de
seus custos para o povo. Com as verbas públicas faz concha acústica, muros de arrimo, ilumina a praia e outras obras que considera essenciais.
A culpa não é dele, é também de seus antecessores e dos que deixaram na elaboração do
orçamento que verbas públicas ficassem centralizadas nas mãos de um único homem.
É na ausência de um controle popular de seus próprios interesses, através de suas
entidades, que se cometem esses desacertos, na deliberação das prioridades do orçamento municipal - naquilo que a população tem urgência de solução.
O alcaide nomeado, distante da população que não o elegeu, num raciocínio limitado pensa em dar a dinheiro em caixa o significado de lucro na
empresa pública, quando isso representa a qualidade dos serviços prestados à população.
Não se pode privar o povo de um transporte decente, ainda que seja sob pretextos de
"equilibrar as finanças" ou dar lucro, diminuindo o número de veículos em circulação sob o argumento que eles são deficitários - os ônibus noturnos,
por exemplo. Que se coloquem microônibus em todas as linhas. Trabalhadores de turno ou trabalhadores em lazer também são cidadãos - os que produzem
tudo que há. Não se pode admitir que se diga que um ônibus lotado dê lucro, se ele faz é maltratar ainda mais a vida da população, já explorada e
maltratada no trabalho.
Em mais esse sentido o alcaide nomeado não foge ao modelo econômico imposto ao País
por seus nomeadores, transformando esta nação em uma imensa empresa com quase 120 milhões de escravos - salve-se disso uns poucos. A exploração
popular se dá nas empresas estatais, cuja função precípua deveria ser controlar a economia e impedir essa mesma exploração. Sabesp, Petrobrás,
Eletropaulo estão aí arrecadando muito para investimentos em um futuro inalcançável para nós, simples mortais - que vivemos à espera que este Brasil
grandioso que a TV anuncia com insistência chegue até nós.
Vamos dar um basta a este estado de coisas, ao transporte deficiente após um dia de
trabalho cansativo, a uma Prefeitura que não vê as necessidades de seu povo. É o usuário que deve controlar os custos, linhas, compras e vendas de
sua companhia de transportes. É o cidadão que deve opinar sobre as suas prioridades, através de suas entidades organizadas e definidas -
reguladas em instâncias de decisão por uma Secretaria de Bairros.
Vamos como em 68 começar tudo de novo. Vamos eleger os nomes que a ditadura tentou
apagar, pois Santos resiste heróica aos atropelos brutais. E vai demorar até que apaguem a nossa fé num futuro prodigioso para toda gente.
José Paulo de Oliveira Matos
Mas, depois de chegar ao fim da linha, o bonde retorna.
Até a fábrica... |