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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Uma big grande bégua santista

Neologismo surgiu em Santos, afirmam Rui Ribeiro Couto e os dicionários

Além da palavra jamegão, mais conhecida, os santistas inventaram outra palavra já dicionarizada: bégua, corruptela do inglês big, com o mesmo significado: grande.

O Dicionário Aulete, em sua versão na Internet (acesso em 10/3/2013), informa:

Imagem: reprodução parcial da página de consulta do site

bégua - adj. || [da linguagem infantil de Santos (Brasil)] grande. (Ribeiro Couto in Diário da Manhã, Lx.ª, 12-IV-43.) F. ingl. Big.

O Dicionário OnLine, igualmente repete a informação (acesso em 10/3/2013):

Imagem: reprodução parcial da página de consulta do site

bégua - adj. || [da linguagem infantil de Santos (Brasil)] grande. (Ribeiro Couto in Diário da Manhã, Lx.ª, 12-IV-43.) F. ingl. Big.

Uma análise sobre o literato santista Rui Ribeiro Couto, na edição 17 (maio;junho de 2004) da revista portuguesa Storm, inclui outras informações sobre essa palavra (acesso em 10/3/2013):

Imagem: Rui Ribeiro Couto, publicada com a matéria

Ribeiro Couto e Portugal

Por Adelto Gonçalves

Ao tempo em que morou em Portugal, Rui Ribeiro Couto (1898-1963), poeta, romancista e diplomata brasileiro, escreveu na imprensa lisboeta. Certa vez, pesquisando na Hemeroteca de Lisboa, em busca de um texto de F.A. Oliveira Martins, "Pina Manique não foi perseguidor de Bocage", que saíra no Diário da Manhã, a 25 de maio de 1943, dei-me com uma crônica de Ribeiro Couto, publicada na primeira página desse jornal na segunda-feira de 12 de abril daquele ano, em que o poeta evocava a linguagem infantil de seu tempo à beira do cais de Santos, onde nascera.

Ribeiro Couto recorda, nesse artigo, da palavra "bígua", que era falada em Santos, mas não em São Paulo, por volta de 1922. Também se falava "bégua" ou "biguaço", dizia o escritor que, em Baianinha e outras mulheres (contos), de 1927, incluiu "bégua". Na crônica, Ribeiro Couto reproduz um diálogo, que, certamente, ouvira em sua infância, entre dois meninos em negócio para a compra de um balão: -- "Quanto?" – "Dois paus!" – Puxa – Mas é uma bégua!" Depois, afirmava que bégua (ou bígua) nada tem a ver com biguá (que vem do guarani mbiguá e quer dizer ave), mas, sim, de big que os meninos do porto ouviam da boca dos marítimos americanos e ingleses.

Mas, a que vêm estas evocações? É que a Academia Brasileira de Letras acaba de publicar Três retratos de Manuel Bandeira, de Ribeiro Couto, com introdução, cronologia e notas de Elvia Bezerra, em que há vários rastros da passagem do poeta por Lisboa, onde ele chegou em 1943 para exercer o cargo de primeiro secretário na embaixada do Brasil, procedente do Rio de Janeiro.

Já era nome consagrado nas letras e diplomata experiente. Em 1934, fora eleito para a Academia Brasileira de Letras e era o seu mais jovem acadêmico. Desde 1928, entrara para a diplomacia como auxiliar extranumerário e sem vencimentos do consulado do Brasil em Marselha. Vivia das crônicas que enviava para o Jornal do Brasil, A Província e O Globo e dos extras que obtinha com despachos nos navios no porto de Marselha.

Foi em 1930, em Marselha, que Ribeiro Couto escreveu Cabocla, romance adaptado por Benedito Ruy Barbosa para novela de televisão em 1979 e que, agora, retorna em nova produção à tela da Rede Globo. Como diz Elvia Bezerra, nesse livro, o autor revive a atmosfera do interior do Brasil em que vivera de 1922 a 1928 nas cidades de São Bento do Sapucaí, Campos do Jordão, Cunha e São José do Barreiro, no Estado de São Paulo, e Pouso Alto, em Minas Gerais. Havia sido delegado de polícia e promotor público nessas andanças.

Quando chegou a Lisboa, depois de ter sido cônsul em Paris, já era conhecido dos portugueses: publicara um livro de poemas, Província, pela editora Presença, de Coimbra, e Correspondência de família, em co-autoria com Adolfo Casais Monteiro, ambos em 1933, e o Cancioneiro de Dom Afonso, que saíra em Lisboa pelas Oficinas Gráficas do Anuário Comercial, em 1939, além vários outros livros no Brasil. Havia sido também publicada a tradução francesa de Chão de França, em 1935, que lhe valera a honra de Chevalier da Légion d´Honneur.

Por isso, os dois anos que passou em Lisboa foram de intensa atividade intelectual, ainda que a Europa vivesse o drama da Segunda Guerra Mundial. De maneira prudente, Portugal não se envolvera no conflito, mas era um local de passagem de espiões e fugitivos. Como diplomata, manteve relações mais do que formais com o governo de Salazar, o que explica que, em 1943, tenha escrito um dos prefácios e o índice das gravuras e legendas para o livro Uma cidade antiga do Brasil: Ouro Preto, álbum de fotografias de Germaine Drull, que saiu em Lisboa por Edições Atlântico (Seção Brasileira do Secretariado de Propaganda Nacional).

Em 1944, publicou Dia longo (poesias escolhidas 1915-1943), Lisboa, Portugália Editora, e Uma noite de chuva e outros contos, com prefácio de Adolfo Casais Monteiro e ilustrações de António Dacosta, pela editora Inquérito, de Lisboa, e foi eleito membro da Academia das Ciências de Lisboa. No ano seguinte, representou o Brasil na Conferência Interacadêmica para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizada em Lisboa.

Ao deixar Lisboa em 1946, foi nomeado cônsul-geral em Genebra e, em 1947, assumiu o posto de ministro plenipotenciário da legação do Brasil em Belgrado, na antiga Iugoslávia, hoje Sérvia e Montenegro, onde em 1952 foi nomeado embaixador. Ficou em Belgrado até 1963 e morreu em Paris, de parada cardíaca, quando começava a viagem de retorno ao Brasil.

Em Belgrado, em 1957, escreveu o "terceiro retrato" de Manuel Bandeira em que, entre outras observações, procura responder a uma palavra do poeta que o magoara, pois dele dissera que a amizade entre ambos fora "fonte de grandes alegrias, grandes ensinamentos e de algumas grandes raivas também". Uma dessas "raivas" Ribeiro Couto supõe que tenha sido a compreensão e a estima que tivera por um chefe português, ou seja, Salazar. "Serei por isso fascista?", questiona, lembrando que tivera compreensão e estima também por um chefe iugoslavo, ou seja, Tito. "Serei por isso comunista?" Ribeiro Couto diz que o essencial é que os homens (os que governam e os que não governam) considerem como tarefa essencial a "fraternidade" do próximo.

O poeta teve tudo para escrever uma biografia definitiva de Manuel Bandeira, mas não o fez. Escreveu "De menino doente a Rei de Pasárgada", em Haia, em 1936, breve perfil do amigo que conhecera em 1918 logo que chegara ao Rio de Janeiro para trabalhar em A Época. O poeta pernambucano era 12 anos mais velho e residia com o pai e irmã na Rua Goulart, no Leme, atual Rua Prado Júnior.

Depois, escreveu o discurso com o qual recebeu o amigo mais velho na Academia Brasileira de Letras em sessão realizada a 30 de novembro de 1940, no qual recorda os anos vividos na Rua do Curvelo, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, quando foram vizinhos, período em que se uniram numa amizade forte. Mais tarde, Bandeira, tuberculoso, foi hóspede do amigo na Rua do Sapo, na montanhosa Campos do Jordão, quando Ribeiro Couto também tratava dos pulmões e depois no Sul de Minas, quando era promotor em Pouso Alto.

Foi em Pouso Alto que, em 1926, deu-se o encontro que reuniu três dos maiores poetas brasileiros do século XX, Drummond, Bandeira e Ribeiro Couto, como observa na introdução Elvia Bezerra, que em boa hora reuniu estes textos em livro.


TRÊS RETRATOS DE MANUEL BANDEIRA, de Ribeiro Couto., com introdução, cronologia e notas de Elvia Bezera. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 87 págs., 2004.


Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – O Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br

O termo biguá também é referido pelo cronista Vicente Cascione, em sua crônica semanal publicada na página 66 de AT Revista, suplemento encartado no jornal santista A Tribuna, em 10 de março de 2013 (trecho relevante grifado em verde):


Imagem: reprodução da página 66 de AT Revista, com ilustração de Alex Ponciano

O último ato

Quando eu era menino, ainda não se erguiam os castelos dos supermercados, nem os fiéis acorriam, em romaria, aos templos dos shopping centers. Havia apenas a modéstia dos empórios, também chamados de vendas, e eu proclamo e elejo o do seu Ferreira como o histórico empório diante do qual os mercadores das Índias sentiriam inveja.

O lar de minha infância era um galeão imaginário a ranger nos espasmos de seu velame durante o curso de minhas viagens sem volta. Na função de taifeiro, cabia-me obedecer ao suave comando materno quando me remetia à venda do seu Ferreira em busca de suprimentos para abastecer as despensas de bordo.

Quando eu chegava ao empório, o ambiente exalava odores de sacos de linhagem plenos de arroz e grãos e os aromas do café torrado e moído além do balcão.

Havia latas de azeite, açúcares, vinagres, azeitonas em tonéis, farinhas a granel e garrafas de aguardente e de conhaque perfiladas no alto das prateleiras. E parecia haver um vago pudor de homens e mulheres de pedir aquelas bebidas que poderiam parecer coisa de gente cachaceira, exemplo ruim para os pequenos taifeiros que se esgueiravam por entre a sacaria e os tonéis como se estivessem nos toscos armazéns onde velhos marinheiros e piratas mutilados deixavam-se ficar indolentes, antes de retornar aos rudes mares do Caribe.

No sólido balcão de madeira, com pequenas vitrines de vidro, brilhavam as cores das bolinhas de vidro, e me fascinavam as béguas, grandes e densas, que serviam para abrir, na terra batida, o côncavo do box, ou para tornar mais intenso o barulho das estecadas.

Interrompo a crônica, e leio agora, no Google, que o nosso imenso Ribeiro Couto deu-me o certificado de autenticidade de que a palavra bégua, extraída de minha memória antiga, tem o significado de "grande na linguagem infantil de Santos", e isso me traz uma indizível emoção. A infância digital que não jogou bola de gude, e não imagina como era o empório do seu Ferreira, deveria reinventar a palavra – bégua – no território livre da internet, em meio às invenções de tanto palavrório.

Feitas as compras, seu Ferreira me perguntava se eu ia pagar, ou era para marcar. Neste caso, na pequena caderneta encardida de tantos fiados e manuseios, ele anotava o preço de tudo, e tudo era mais ou menos acertado num próximo mês.

Ao cair da tarde, havia uma ou outra pequena compra esquecida no rol da manhã. Depois, como o pano de cena do velho teatro, a porta de ferro descia lenta e ruidosa até o despertar do dia seguinte.

Nesta semana deparei com um velho empório escondido numa rua transversal da cidade imensa. Parei diante do vão estreito da entrada e olhei o interior de pálida luz. Uma velha mulher, de passo cansado, saiu levando nas mãos um pequenino embrulho, e me veio a intenção de lhe perguntar sobre o que ela havia comprado ali, naquele espaço restrito de poucas escolhas, sem gôndolas fartas, sem supérfluos ou abundâncias.

Mantive-me em silêncio. Consegui ser discreto. E talvez tenha sido por um sentimento de pena diante do velho vendeiro sobrevivente na amurada de madeira bruta de seu galeão, balcões e lampiões, mares e naufrágios, memórias e cansaços. Dei-lhe um cumprimento respeitoso, desde a porta, e lhe sorri.

Mas não me perdoo por não ter entrado no empório antigo para comprar algo do pouco que teimava em permanecer ali antes de tudo acabar em prateleiras vazias, antes de apagar-se a luz frágil e baça, antes de as portas descerem definitivamente, antes de o pano de cena encerrar o último grito do último ato.

Vicente Cascione é advogado. www.vicentecascione.com.br

 

"Não me perdoo por não ter entrado no empório antigo para comprar algo do pouco que teimava em permanecer ali"

 

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