Imagem: reprodução parcial da matéria
Onde foi parar a areia que estava bem aqui?
Em menos de meio século, trecho da
Ponta da Praia encolhe cerca de 60 metros
Eduardo Brandão
Da Redação
A
força da maré arrasta, lentamente, partículas ao longo do leito de curso da água. Este ciclo natural, que pode levar milênios, está cada vez mais
veloz no já estreito trecho de areia da Ponta da Praia. Com base em fotos antigas, especialistas apontam que o trecho encolheu cerca de 60 metros
em menos de meio século.
Ações humanas e mudanças climáticas, no
entanto, são apontadas como agentes que aceleram drasticamente o desaparecimento do trecho. "O ritmo de redução da faixa de areia (na
Ponta da Praia) é muito grave", alerta a oceanógrafa do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte),
Mariângela Barros.
Desde 2007, a especialista monitora uma área
da orla próximo ao Aquário Municipal e chegou a um triste posicionamento: em poucos anos o trecho poderá sumir. "Temos visto, nos últimos anos, a
intensificação da erosão. Algo tem que ser feito. E urgente", frisa.
Mariângela explica que fatores naturais,
acelerados com a ação humana, carregam com mais força segmentos daquele trecho de areia. "As praias próximas a portos tendem a sumir", pontua.
"Este fenômeno ocorre em toda a costa brasileira e mundial".
As causas do fenômeno são estudadas. No
entanto, pesquisadores apontam provável relação com as atividades portuárias. "As grandes embarcações provocam ondas mais fortes, que, por sua
vez, carregam maior número de sedimentos", explica a oceanógrafa.
As ações de dragagem do canal do Estuário
também são listadas como possíveis agentes causadores da redução. Assim opina o oceanógrafo André Luiz Belém.
Para ele, os efeitos do aprofundamento do
canal sobre a força e a intensidades das ondas são uma "conseqüência física", que não podem ser desconsideradas. Estas ações, por sua vez,
acentuaram o volume de areia carregada com a força da maré na Ponta da Praia.
Erosão
– O primeiro poste da Ponta da Praia ajuda a exemplificar o atual estágio de avanço do mar. Quando foi edificada, a base de sustentação estava
enterrada três metros abaixo do nível de areia e iluminava uma área superior a 30 metros.
Hoje, conforme afirma o secretário municipal
de Serviços Públicos, Carlos Alberto Tavares Russo, a edificação está enterrada a menos de 50 centímetros. A força das ondas e a fuga acentuada de
areia alienaram a edificação, que deverá ser retirada em cerca de 60 dias. "O equipamento está enterrado a menos de 50 centímetros e a água já o
inclinou", cita o titular da pasta.
As duas caixas de contenção de água salgada
também dão sinais claros do tamanho do solapamento. "Elas ficavam com a boca no nível da areia. Agora, estão na água e com 1,5 metro para fora",
diz o secretário.
Marcas na calçada e na escadaria próxima ao
Aquário Municipal dão um panorama da gravidade do problema. Antes niveladas, agora estão a uma distância superior a 50 centímetros da faixa de
areia. "Colocamos mais três degraus e precisamos colocar mais", resume Russo.
Próximas praias
– E os estragos podem se agravar ainda mais." Tememos pelo desaparecimento da Ponta da Praia. Isso não é mais um temor, é uma realidade cada vez
mais visível", cita Mariângela.
A pesquisadora afirma que, aos poucos, os
trechos de orla mais próximos à Ponta da Praia tenderão a reduzir. "Em curto prazo, a erosão irá acentuar até atingir o Canal 4 com mais
intensidade".
A migração do fenômeno deverá estancar, nas
atuais ações naturais e humanas, na região central da orla, na faixa da Praia do Gonzaga. Naquele local está
concentrado o maior número de sedimentos levados da Ponta da Praia pela maré.
"Costumo brincar que, se fosse para comprar
um apartamento em frente ao mar, o Gonzaga é a melhor opção. Pois não vai sumir", diz Mariângela.
PORTO |
6 metros
– já foi a profundidade do Porto de Santos |
17 metros
– é a profundidade projetada para o canal do Estuário com as obras de dragagem |
|
Prefeitura realiza a terceira ação paliativa
O ritmo de redução da faixa de areia coloca
em risco a calçada e a avenida da Ponta da Praia. Para conter a onda de destruição com o solapamento, a Secretaria de Serviços Públicos (Seserp)
iniciou nesta semana ações paliativas em um trecho de 100 metros próximo ao Aquário Municipal.
De acordo com o titular da pasta, Carlos
Alberto Russo, esta já é a terceira ação naquele trecho em menos de um ano. "É o tipo de trabalho que precisará ser feito sempre", relata.
Para reduzir o impacto das ondas, técnicos da
secretaria cavam um dique com três metros de extensão e de profundidade. Este vão será preenchido de rochas e, posteriormente, revestido com
areia. "Com o tempo, esta cama de proteção se acomoda, sendo necessária uma nova camada", diz Russo.
A técnica chamada enrocamento será realizada
em uma área de aproximadamente 100 metros (entre a segunda e a terceira torre de iluminação). Uma manta de metal sobre as pedras vai ser usada
para impedir a fuga acentuada de areia.
Russo destaca que este obstáculo tem duas
funções: evitar a perda gradativa da faixa de areia e proteger as áreas urbanizadas próximas à beira-mar. "Já está solapando por baixo da calçada,
colocando em risco, inclusive, a caixa de água do Aquário", diz.
O representante da administração santista
frisa ainda que estes procedimentos possuem caráter provisório.
"Só faremos um plano definitivo quando
tivermos o estudo sobre a questão, que está sendo realizado pela Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo)", resume.
FENÔMENO |
"As praias próximas a portos tendem a sumir. Este
fenômeno ocorre em toda a costa brasileira e mundial". |
Mariângela Barros, oceanógrafa do Unimonte |
Ações para minimizar o problema
Reduzir a velocidade e a força de impacto das
ondas são os desafios apontados por especialistas para evitar a erosão na Ponta da Praia. Além das ações paliativas no trecho de areia, também
serão necessárias intervenções na água.
Algumas soluções de engenharia aplicadas em
praias que passaram por processo de perda de sedimentos podem ser utilizadas no trecho final da orla santista.
Mariângela indica a construção de estruturas
paralelas à linha da costa. "Estas edificações ajudariam a amortecer o impacto da onda. Assim, (a onda) bateria com menor energia", aponta.
Ela explica ainda que qualquer obstáculo
entre o mar e a faixa de areia evita a fuga de sedimentos. "No Japão, embarcações antigas são deixadas à deriva para que a energia das ondas seja
reduzida".
Com estas ações, a especialista acredita que
os impactos na faixa de areia poderão ser minimizados. "Com a edificação do Emissário Submarino, verificou-se o acúmulo de sedimentos próximos
àquela área", explica.
Dragagem é apontada como causa
A dragagem do canal do Estuário, técnica
usada para aumentar a profundidade do leito navegável do Porto de Santos, é apontada como a hipótese para o encolhimento da faixa de areia na
Ponta da Praia. "É algo físico. Tem-se um solo muito estável, cava-se em um local e em outro há o desmoronamento, afirma Russo.
Para a oceanógrafa, os efeitos da dragagem
ainda precisam de estudos mais complexos para serem medidos com maior precisão. "O que não pode, também, é impedir o processo de dragagem que vai
dinamizar o maior porto da América Latina".
Embora ainda sem dados técnicos que
comprovem uma relação de causa e efeito, a erosão na Ponta da Praia cresceu ao mesmo passo que começaram a ser desenvolvidas ações no canal do
Estuário.
"A profundidade do Porto de Santos já foi de
seis metros. Hoje, os trabalhos estão sendo realizados para que atinja 17 metros, além de se alargar anda mais", destaca Russo.
Em nota, a assessoria de imprensa da Codesp
afirma que é precipitado estabelecer uma correlação entre erosão na Ponta da Praia e dragagem "unicamente baseada em conceitos e fórmulas gerais,
sem que sejam obtidos dados de campo e celebrados estudos mais aprofundados".
Além disso, a empresa propôs um programa
para analisar prováveis modificações na dinâmica sedimentar das praias.
Especialista
– Esta ação foi baseada em estudos de uma das maiores especialistas dessa área no Brasil, a pesquisadora do Instituto Geológico do Estado de São
Paulo (IG), Célia Regina de Gouveia Souza.
A pesquisadora é responsável pelos
principais estudos sobre o avanço da maré no litoral paulista. A conclusão deste trabalho, realizado no final da década de 1990, apontou a
ocupação desordenada da costa, a retirada de areia e aquecimento do planeta como as causas mais prováveis do fenômeno.
A Codesp finaliza, ainda, um amplo estudo
técnico sobre os reflexos da dragagem nas praias da região.
O laudo está previsto para ser finalizado em
setembro. Com base neste documento, a administração santista deverá desenvolver uma ação efetiva a fim de evitar a perda de faixa de areia.
Trabalhos são realizados num trecho de 100 metros próximo ao Aquário Municipal,
na Ponta da Praia
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Secretaria de Meio-Ambiente faz alerta
O avanço do mar e a perda acentuada da faixa
de areia na Ponta da Praia acende o "sinal amarelo" da Secretaria Municipal de Meio-Ambiente (Semam). "Percebemos que os sedimentos levados são
realocados na própria baía", cita o titular da pasta, Fábio Alexandre de Araújo Nunes.
Este material deslocado, conforme destaca o
secretário, contribui para o engordamento da faixa de areia entre a Avenida Conselheiro Nébias e o Emissário Submarino. "O que é necessário saber
é quanto de areia escorregou", cita.
A variação da maré também foi citada pelo
titular da pasta como uma das razões da perda de areia. "Tivemos um mini-tsunami, em 2005, que resultou em fuga grande de sedimentos".
Ele ressalta ainda que as ressacas, típicas
das estações mais frias do ano, também acelerariam este processo.
No entanto, Fabião afirma que é necessário
aguardar o término da dragagem para avaliar os eventuais danos. "Não tem como (a Codesp) mascarar os dados. Será analisado como era antes (da
dragagem) e como ficou ao final", explica.
O representante da administração relata ainda
que "continua em diálogo" com representantes da Codesp.
"Vivemos na era da co-responsabilidade. Não
há uma só causa, são 'n' variáveis. Mas iremos encontrar uma solução", diz.
Base de poste: 50 centímetros abaixo da areia. Antes eram 3 metros
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria |