06/09/2009
Cultura
Quem é que entende o Hino Nacional?
Vitor Gomes
Sério e com postura ereta, o pequeno Felipe Delfino coloca sua mão
direita sobre o lado esquerdo do peito, em um ato de respeito. Rodeado por seus colegas do 2° ano da Unidade Municipal de Ensino Edmea Ladevig,
o garoto de sete anos canta com muito vigor o Hino Nacional, na Praça das Bandeiras, no Gonzaga.
Em um coro de vozes infantis, a música segue com fluência, até a garotada lançar o trecho "Brasil, um sonho
intenso, um raio vívido". Neste momento a canção perde toda sua força, mas os lábios do pequeno menino apenas balbuciam, enquanto seus colegas
cantarolam a melodia da frase sem formar nem mesmo uma palavra.
"Fulguras, garrida, lábaro, florão... o que significam?" É o que
pensa o garotinho enquanto canta. Como a criança ainda está passando pelo processo de alfabetização, é compreensível que ele não conheça todas as
palavras de uma música, ainda mais uma canção complexa como o Hino Nacional. Além das palavras pouco usuais, o hino brasileiro é rico em metáforas
e seu estilo parnasiano contribui para que muita gente grande tenha dificuldade em compreender e interpretar corretamente a letra, embora esteja
claro que se trata de uma grande exaltação à "pátria amada".
De acordo com o professor de Português do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Luciano Martins, a forma do poema é rigorosamente
parnasiana, porém o seu conteúdo é romântico, inserindo-se nas propostas dessa escola literária quanto à exaltação ufanista. "Os textos
parnasianos privilegiam a beleza da forma textual. Isto justifica as palavras rebuscadas e o fato de as frases serem montadas de modo indireto,
fazendo com que a clareza do texto fique comprometida, o que, para muita gente, causa dificuldades de compreensão", explica o professor.
A música - A melodia e a harmonia da composição também são muito complexas. Segundo o maestro regente
titular da Orquestra Sinfônica Municipal de Santos, Luis Gustavo Petri, a parte musical do Hino foi composta dentro do melhor estilo do
Classicismo, em 1831, pelo compositor Francisco Manuel da Silva. Quase um século depois, em 1909, a obra recebeu a letra de Joaquim Osório Duque
Estrada, e por isso a melodia foi simplificada.
Mas, além da alteração melódica, a canção também recebeu nova tonalidade. "Quando era apenas instrumental, o Hino
era executado no tom de Si bemol. Logo que recebeu a letra, foi transposto para Fá. Com a simplificação e a transposição da tonalidade, a melodia
do Hino, embora ainda seja bastante sofisticada, ficou mais acessível e confortável para a maioria das pessoas. Caso estas alterações não
ocorressem, apenas um cantor lírico conseguiria cantar o Hino na versão instrumental", ressalta.
Curso de Hinos - Uma das preocupações da professora da U.M.E. Edmea Ladevig, Ana Maria Pinho, é de que os
seus alunos conheçam bem o Hino. Para isso, no ano que vem, ela levará as crianças ao Museu de Arte Sacra de Santos para participarem do curso de
hinos. Este curso é voltado para crianças de escolas da região e é aberto e gratuito também para grupos de adultos interessados em conhecer melhor
o significado e a história da canção.
As aulas são divertidas e, nelas, o silêncio é proibido. "Aqui, as crianças não têm tempo para bocejar. Eu falo
uma estrofe do hino e pergunto: cadê o coro? Empolgados, eles repetem e logo explico o significado do trecho", diz a musicista e professora do
curso, Anete Fernandes.
Segundo a professora, a única desculpa que uma pessoa pode dar para não saber cantar o Hino é a preguiça: "Muitos
chegam aqui e cantam 'de um povo louco e brado retumbante', ou então 'entre os Brasil és tu Brasil'... Agora entender o Hino já é outra questão".
Terça-feira, dia 4, foi a vez dos alunos do 6° ano da U.M.E. Mário Almeida de Alcântara, de Santos. Em um pequeno auditório, as crianças se
divertiram no curso. "Este projeto é muito interessante. Os alunos aprendem de forma lúdica e atrativa o significado e a história do Hino
Nacional. Por ser em um lugar tão belo e de grande importância histórica para a cidade, tenho certeza de que nunca se esquecerão desta aula",
acredita a professora de língua portuguesa da turma, Rita de Cássia Morais.
Todos os alunos que concluírem o curso receberão um livro infantil que explica e contextualiza o Hino Nacional (Juca
Brasileiro e o Hino Nacional, de Patrícia Secco, patrocinado pela Cosipa e Usiminas). Os interessados pelo projeto deverão entrar em contato
com Museu de Arte Sacra pelo telefone (13) 3219-2898 www.museuartesacrasantos.com.br.
Introdução desconhecida - A parte instrumental que introduz a letra do hino também era cantada. Porém, de
acordo com o professor de língua portuguesa e literatura Márcio Fragoso, este trecho de autoria do então presidente da província do Rio de
Janeiro, nos anos de 1879 e 1880, Américo de Moura, não foi incluída na versão oficial do hino. "É notável a diferença entre os estilos dos
dois textos. Esta parte, ao contrário do resto do hino, é mais fácil de entender, pois as frases foram montadas na ordem direta", explica.
A musicista Anete Fernandes diz que é importante que o hino tenha uma introdução instrumental: "É importante para
que as pessoas, ao iniciarem o hino, reconheçam a nota que deverão entrar. Se o início desta música fosse letrado com o texto de Américo Moura,
além de todos começarem a cantar no susto, a desafinação seria total. Cada um entraria em uma nota diferente, seria um desastre. E para evitar
essa confusão, só criando uma introdução".
Espera o Brasil
Que todos cumprai
Com vosso dever
Eia avante, brasileiros,
sempre avante!
Gravai com buril (instrumento de gravação)
Os pátrios anais (registros históricos)
Do vosso poder
Eia avante, brasileiros,
sempre avante!
Servi o Brasil
Sem esmorecer
Com animo audaz
Cumpri o dever
Na guerra ou na paz
À sombra da lei,
À brisa gentil
O lábaro erguei
Do belo Brasil
Eia Sus, oh Sus - Sus: interjeição latina motivadora que significa "elevar", "avante", "em frente".
A compreensão complicada
Por Mauri Alexandrino
Suponha trazer Joaquim Osório Duque Estrada para os dias de hoje pretendendo que ele compreenda, de bate-pronto,
a letra de uma canção de Arnaldo Antunes. É algo parecido com a perplexidade da maioria dos brasileiros. Duque Estrada usou palavras e
versificações de seu tempo ao escrever os versos do Hino Nacional, em 1909 - embora, mesmo na ocasião, não tenha feito a menor questão para ser
popular, mais interessado que estava em agradar os gabinetes que as ruas, segundo dizem. Disso resulta a polêmica de hoje em dia.
Não existe uma interpretação oficial daqueles versos cheios de palavras complicadas. Há centenas extra-oficiais.
A encrenca vai desde o Arquivo Nacional até as Forças Armadas, passando pela Maçonaria, filólogos da Universidade de São Paulo e da Universidade
de Brasília, semiólogos de institutos de variados calibres e curiosos em geral. É uma batalha que começa nos dicionários, passa por profundos
estudos sobre poesia do século 19 e não chega a terminar.
O trecho em que o Hino diz "formoso céu, risonho e límpido", por exemplo, aparentemente não tão deixa dúvidas.
Aparentemente. Uma pesquisa mais profunda indicará que a palavra "risonho", como foi empregada no verso, deve ser entendida como "repleto de
promessas", e não como "alegre" ou "feliz", como normalmente se faz, e com a palavra "promessas" significando perspectivas. E "límpido",
geralmente explicado como "sem nuvens", na verdade quer dizer "nítido". Ou seja, o autor falava de um belo céu, repleto de promessas nítidas de um
futuro grandioso.
Mais complicado ainda é o famoso "Mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à
luta". Uma corrente, que é a mais aceita, defende que o verso significa "se, em defesa da justiça, tiveres de ir à guerra, verás..." Mas outra
corrente defende apaixonadamente que as palavras, de fato, significam "se levantas as armas da violência acima da justiça, verás..." Parece pouca
coisa, mas com um pouco de atenção se pode perceber que os sentidos são opostos. A primeira fala do Brasil para outras nações, a segunda do povo
para seu próprio governo.
Se o Hino fosse um manifesto, ele seria mais ou menos assim:
O Brasil agora é independente como resultado da luta dos brasileiros que equipararam sua terra às outras nações
da Terra. Somos um povo livre e confiante, que ama seu país. Não hesitaremos em defender a liberdade conquistada, mesmo à custa de nossas vidas.
Viemos para ficar.
Desde agora e para sempre, nosso maior desejo é que haja apenas amor e esperança em nossa terra, essa mãe
generosa, e que sejamos, desse modo, uma inspiração para todos os povos.
Este é um país que nasceu grande e está destinado a um futuro brilhante, que será construído por nosso povo
destemido com o exemplo de nosso passado glorioso.
Também a beleza do Brasil não deve nada a outros países da América, ao contrário, é ainda mais belo.
Queremos que esta seja a pátria do amor e da paz, mas se formos levados à guerra em defesa do que é justo, não
fugiremos à luta nem temeremos a morte, porque, entre as coisas que mais prezamos, está o nosso profundo amor pelo Brasil.
Hino Nacional
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.
Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!
Parte II
Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!
Do que a terra, mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores."
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
- "Paz no futuro e glória no passado."
Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!
"TRADUÇÃO"
As margens tranqüilas do rio Ipiranga ouviram o grito forte de um povo heróico
e o sol da independência brilhou no céu da Pátria, em raios faiscantes, naquele momento.
Se, com nossa firmeza, conseguimos conquistar o direito à igualdade com outras nações, agora que somos livres
nosso coração desafia a própria morte.
Ó pátria amada,
adorada,
salve!
Enquanto a imagem da constelação do Cruzeiro do Sul brilhar em teu céu belo e repleto de promessas nítidas, o
sonho de amor e de esperança existirá na terra.
És grandioso desde que nascestes, és belo, és forte, um gigante destemido, e teu futuro refletirá essa grandeza.
Terra adorada,
entre outras mil
és tu, Brasil,
ó pátria amada,
a mãe generosa dos filhos desse solo.
Pátria amada Brasil.
Parte II
Ocupando para sempre este lugar magnífico, ao som do mar e à luz do céu de azul intenso, tu brilhas, Brasil,
beleza da América, iluminado ao sol do Novo Mundo.
Teus agradáveis e lindos campos têm mais flores do que a terra mais vistosa. "Nossos bosques têm mais vida" e
"nossa vida mais amores" vivendo aqui.
(as partes em aspas são da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias)
Ó pátria amada, adorada, salve!
Brasil, que a bandeira estrelada que exibes seja símbolo de nosso amor eterno, e que o verde e o amarelo
signifiquem paz no futuro e glória no passado.
Mas se, em defesa da justiça, tiveres de ir à guerra, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme a própria
morte quem te adora.
Terra adorada,
entre outras mil,
és tu, Brasil,
ó pátria amada,
a mãe generosa dos filhos deste solo.
Pátria amada Brasil.
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