Feirantes pedem maior fiscalização do poder público para coibir irregularidades
Foto feita no dia 27/7/2011 às 10h32 publicada com a matéria
Comércio | Atualizado em
29 de julho de 2011
Mesmo em menor número, feiras-livres
sobrevivem e apostam em reorganização
Em 1990, eram 440 as barracas autorizadas na Cidade. Hoje, o total
registrado pela Sefin é de 252. No entanto, feirantes descartam "morte" do segmento e apontam fiscalização com fator para retomada
Lincoln Chaves
"É
dia de feira / Quarta-feira, sexta-feira, não importa a feira/É dia de feira/Quem quiser pode chegar". O refrão da canção A Feira, da banda O
Rappa, evidencia o quão popular são as tradicionais barracas de frutas, verduras, legumes, pastel, roupas e brinquedos, que ainda hoje, já nos
últimos instantes da madrugada, operam em vias de Santos e de muitas outras cidades do Brasil e do exterior. Uma cultura que faz parte do Município
desde 1923, mas que a cada ano "encolhe" um pouco mais. O que não muda a crença de quem nela trabalha e confia que este comércio não chegará ao fim.
Os números mostram o cenário. Em 1990, eram 440 as barracas autorizadas a atuar na Cidade. Hoje, de acordo com a Secretaria Municipal de Finanças (Sefin),
responsável pelo registro e fiscalização das feiras-livres, essa quantia foi reduzida a 252. Por conseqüência, se antigamente feiras como a da Rua
Oswaldo Cruz eram tão extensas que iam da praia ao Super Centro Boqueirão, atualmente elas atingem a metade do trajeto.
"Há dez anos, havia bastante movimento. Às 5 da manhã, já havia gente comprando na feira. E ao meio-dia, quando fechava, nada sobrava", recorda o
feirante Antônio Medina, o Nenê (foto), que em 2011 completa 24 anos trabalhando em feiras — começou aos 14 em São
Vicente, em uma barraca de batatas — sendo 22 em Santos, onde atua desde 1989. E as explicações para as mudanças estão na ponta da língua, seja de
Nenê ou de boa parte dos colegas: a expansão dos supermercados e as mudanças de hábitos dos consumidores.
"Hoje existem muitos mercados. E na feira, o pagamento é com dinheiro à vista. Não compensa trazer máquina de cartão, já que as pessoas utilizam
cada vez mais o cartão (de crédito ou débito). Primeiro, porque se paga uma taxa mensal e por venda. E também pelo reembolso ser mais demorado",
explica Nenê, em alusão à dinâmica do dia-a-dia da feira, onde, às vezes, os clientes são atendidos ao mesmo tempo. "E existe família que só
come verdura uma vez por mês. Não é como antes", lembra.
Regras - Já a feirante Maria Emília de Oliveira Senra vê que a redução no número de barracas não é sinônimo de perda de público ou interesse.
Pelo contrário. "Acredito que algumas pessoas foram atrás de outras oportunidades. E ficaram os melhores. Não é fácil trabalhar aqui por 12 horas,
no ritmo que a feira pede. Nem todos conseguem. E não vejo que estamos perdendo freguesia. Penso até que quem ficou na feira está muito bem",
analisa, esbanjando confiança. "O feirante está voltando a ter regras e a querer segui-las", acredita.
Regras essas que são apontadas como prioridades do segmento. "Queremos que a fiscalização seja melhorada, para arrumar de vez a feira, evitando
problemas como as metragens erradas das barracas, algumas delas colocadas mais à frente do que deveriam", resume o presidente do Sindicato dos
feirantes, Gil Luiz Diz Senra. Segundo ele, as demandas já foram encaminhadas à Prefeitura e à Comissão Especial de Vereadores que cuida do assunto
na Câmara.
A regulação pedida pelo Sindicato vem pelo desafio de se manter a aceitação das feiras-livres. O que passa também pelo "pós-feira", quando há uma
aglomeração de restos de alimentos durante o desmonte das barracas, a xepa, nem sempre é visto com os melhores olhares. Mas segundo Maria Emília,
tais sobras têm serventia para quem trabalha na limpeza das feiras.
"Essas pessoas trabalham em horário integral e acabam levando muita dessa comida que iria para o lixo, como laranja e verdura, para casa. Se
colocarmos em latões, eles mesmos vão tirar e abrir os sacos para pegar a comida", explica. "Há também o pessoal do Mesa Brasil (projeto do Sesc que
recolhe os restos de alimentos para instituições que atendem pessoas necessitadas), para quem as barracas cadastradas já deixam separadas as
sobras", completa a feirante.
De 2007 para cá, houve redução de 23% no total de barracas na feira. Do ano passado até o atual, a queda foi apenas de 0,8%, inferior aos 1,6%
vistos entre 2009 e 2010. Até por isso, o discurso dos feirantes é de confiança no futuro do segmento. "A feira faz parte da nossa cultura. O
brasileiro gosta de escolher a fruta, o legume. Ele não é condicionado a um produto embalado. A feira proporciona uma variedade maior de
mercadorias, desde as mais acessíveis a outras mais selecionadas. Infeliz daquele que não consegue ir a uma feira (risos)", enfatiza Maria Emília.
Confiança - A secretária de Finanças, Miriam Cajazeira Diniz, mostra-se otimista quando o assunto são as feiras-livres. Segundo ela, o
trabalho de fiscalização — tida como principal demanda da categoria — tem tido boa aceitação pelos feirantes e mostrado resultados. No entanto,
Miriam reconhece que ainda há questões de cunho cultural a serem aprimoradas.
"Nós não estamos aqui para punir. A finalidade é trabalhar junto dos feirantes, dos clientes e dos moradores do entorno. Temos observando que as
coisas estão caminhando bem. Mas há esse desafio de atuar junto aos usos e costumes. Por exemplo, quando o permissionário que tem um produto extra
aumenta a barraca para a frente ou para os lados e a fiscalização, sem poder de polícia, nada pode fazer", explica. "Mas é um exercício de
convivência, que necessita de calma, para que o resultado final seja bom a todos", completa.
De fato, durante caminhadas em feiras-livres da Cidade, a reportagem do Boqnews constatou organização e limpeza na maioria das barracas. Tal
comportamento, no entanto, não é uma unanimidade. "Ainda observamos alguns feirantes que usam a faixa de pedestres, e em um caso, que utilizaram
dois tambores e uma fita para fechar um acesso na rua", conta Cláudio Roberto dos Santos, fiscal tributário e desde junho responsável pelos
trabalhos de fiscalização nas feiras. "A lei permite que o feirante, se julgar necessário, aumente o tamanho de sua barraca e espaço. Basta fazer o
requerimento na secretaria", adiciona.
Conforme Miriam, já está em discussão um novo regulamento para as feiras, que será discutido com o sindicato. "Já nos reunimos com a CEV (Comissão
Especial de Vereadores) do segmento. Os vereadores já receberam a minuta do projeto. Em seguida, levaremos para discussão com o sindicato da
categoria. Havendo o consenso, não será problema aprovar o novo regulamento na Câmara", garante.
Miriam, aliás, considera que embora as feiras possam causar transtornos no trânsito e mesmo ao morador que utiliza garagens, elas fazem parte da
tradição da Cidade e são importantes para a rotina de consumo da população e até mesmo no regulamento de preços. "Há a identificação do consumidor
com o feirante. Além disso, o produto (da feira) é mais bonito e fresquinho. A feira é uma cultura mundial, a daqui é bem igual a da França, por
exemplo. E também evita que os mercados elevem os preços para que não percam a concorrência. O que é importante também economicamente", conclui.
Maria Emília e Gil: um casal que surgiu na feira
Foto feita no dia 27/7/2011 às 10h37 e publicada com a
matéria
Casório - Feira não é apenas lugar para compra e
venda de frutas e legumes. Para Gil e Maria Emília Senra, o local foi também o ponto em que, em 1980, ambos se encontraram pela primeira vez. Em
meio a uma venda aqui e outra ali, os dois foram se conhecendo melhor. Trinta e um anos depois, o casamento permanece sólido e feliz.
E ao que parece, nem o tempo, nem o atendimento intenso à freguesia que passa pela barraca de laticínios do casal é capaz de deteriorar o
sentimento. "Ele não é lindo?", repetia uma animada Maria Emília enquanto Gil conversava com a reportagem do Boqnews — que, mesmo aparentando
ser um homem mais sério, não escondia o sorriso pela demonstração de carinho da esposa.
A Rua Ricardo Pinto, na Aparecida, foi o ponto de partida para o início do relacionamento. "Meu cunhado tinha uma barraca de calçados e ele
trabalhava numa barraca de roupas. Quando nos conhecemos, falei para minha irmã, na época, que iria casar com ele. Nossas barracas eram uma ao lado
da outra. Com o tempo começamos a sair juntos, viajar... E em alguns meses, casamos", lembra a feirante.
O casal, aliás, tem um filho, que desde pequeno freqüenta a feira. E segundo Maria Emília, mesmo já crescido, o rapaz dá indícios de que vai seguir
no negócio da família. "Ele chegou até a trabalhar em outro serviço, mas voltou para a feira. Disse que não queria sair, que gosta demais dessa
correria (risos)", conta.
Antonio Medina, o Nenê
Foto feita no dia 26/7/2011 às 13h10 e publicada com a
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