A presença e os investimentos japoneses no Brasil (IV)
[...]
VII - Debate aberto sobre as relações econômicas Brasil-Japão
[...]
5. Problemas de cultura principalmente
Sobre os problemas decorrentes da vivência e dos contatos entre empresários japoneses e
brasileiros, falou o sr. Benedito Pires de Almeida, chefe do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp:
"Relativamente às comitivas que vêm ao Brasil,
sentimos sempre aquela dúvida: o que é que realmente elas querem, quais seus objetivos? Não sabemos se desejam apenas se informar sobre o
desenvolvimento brasileiro, estudar e pesquisar para possíveis investimentos - ou se simplesmente aproveitam as oportunidades para sentir o nosso
desenvolvimento industrial e conhecer o Brasil. As comitivas sempre têm uma preocupação total, completa, de fazer anotações, o que não é hábito
brasileiro. Todos ficam anotando e a gente não sabe realmente aquilo que os visitantes desejam, qual o objetivo ou a informação real que buscam. Do
lado brasileiro, essa atitude é altamente negativa, pois nem sempre se sabe o que os visitantes japoneses realmente desejam".
Wolgfang Schoeps abordou o problema das relações entre o Japão e o Brasil dentro de uma tônica
bastante específica:
"Vimos o jornal da Jetro em português, muito
bem feito, que tem uma manchete que fala em casamento perfeito. E eu cheguei à conclusão de que talvez uma das frustrações que nós estamos sentindo
aqui, é a de que não está havendo um casamento muito perfeito, mas sim, um noivado demorado.
"Aliás, casamento perfeito é um objetivo talvez ambicioso demais. É difícil a gente assistir tal
união, tal contrato. O problema das relações Brasil-Japão, evidentemente, situa-se em campos que às vezes são um tanto misturados e tumultuados. Há
o campo político, o econômico e o cultural. Em cada um destes setores há muitos fatos positivos e outros que evidentemente deixam algo a desejar.
"Assim, no campo da cultura, temos deficiências crônicas. O que sentimos é uma ausência de
cooperação técnica em nível de governo. Isso não aconteceu, por exemplo, em relação aos Estados Unidos, onde milhares de brasileiros se formaram e
ainda continuam se formando. O governo americano, por sua vez, manteve aqui no país missões técnicas e assistência durante décadas, em setores
científicos, empresariais, universitários. E nós sentimos que apesar do Japão ter feito alguns projetos de cooperação técnica em todo o país, esses
projetos se constituíram em iniciativas muito isoladas, quase que ilustrativas.
"Assim, temos uma ausência de contatos de bases mais amplas, quer com instituições governamentais,
quer com instituições culturais. E disso decorrem, então, problemas de falta de integração cultural da empresa japonesa no país. Essa integração
poderia ser alcançada desde que venha a existir, um dia, um plano amplo e geral de cooperação, tanto econômica quanto técnica. Um plano a longo
prazo e que necessitaria de verbas, porque um plano destes é dispendioso. E, pessoalmente, sentimos no Japão, em contato com o setor de cooperação
técnica, que ele é um setor muito mal dotado por parte do governo, no que diz respeito a verbas. Então, não existem ainda esses instrumentos básicos
de aproximação. Temos o desejo de ser parceiros no desenvolvimento, mas diria ainda que temos nestas relações uma abordagem bastante casuística".
Paulo Yokota insistiu no problema da diferença existente entre as estruturas empresariais de ambos
os países:
"Infelizmente, os japoneses que estudaram o
problema da diferença organizacional e gerencial das empresas são poucos, e os brasileiros que estudaram o Japão são em número menor ainda. Tudo
isso apresenta dificuldades extremamente acentuadas, mas na medida em que tenhamos consciência mais clara dessas dificuldades, haverá possibilidades
de se evitar uma série de erros que já foram cometidos aqui.
"Na realidade, se as empresas japonesas aqui localizadas continuarem mantendo sua atual estrutura,
onde a quase totalidade dos seus diretores são provenientes do Japão, elas levarão muito tempo para que consigam resultados razoáveis dentro das
condições particulares do Brasil, já que existem dificuldades de línguas, de comunicação etc. Existe um relacionamento muito grande a ser feito fora
das empresas, um canal de informações confidenciais a ser desenvolvido, para que as decisões sejam menos erradas".
A isto, acrescentou Benedito Pires de Almeida:
"O empresário japonês se fecha e não dialoga
com aquela franqueza que gostaria de fazê-lo. Nesse tipo de contato, não têm sido muito favoráveis os entendimentos dos setores privados
brasileiro-japonês. Relativamente aos representantes de empresas japonesas radicadas no Brasil, sentimos o mesmo problema que foi apontado em
relação às comitivas ou missões econômicas. Nota-se uma falta de vivência e identificação com os objetivos do governo e o desconhecimento do próprio
meio em que vivem. Seus assessores nem sempre são conhecedores de certas situações peculiares da economia brasileira e preparados para aproveitar as
oportunidades oferecidas pelo governo. Como decorrência dessa situação, são surpreendidos com medidas que, se tivessem uma vivência maior, mais
identificados e integrados com a realidade brasileira, teriam evitado. Isso decorre de uma falta de sensibilidade dos dirigentes de empresas
japonesas, que não ouvem seus assessores por falta de integração ao meio. Tenho ouvido comentários de filhos de japoneses, brasileiros como nós,
cansados de alertar para determinados aspectos. Mas esses dirigentes, não integrados na vida brasileira, fazem questão de desconhecer essa
realidade. De maneira que coloco e retifico alguns aspectos mencionados pelo dr. Paulo Yokota.
"Essa falta de integração e comunicação cria problemas. Se alguém, por exemplo, representando uma
empresa japonesa, deseja importar algum produto ou ter contato com alguma firma brasileira para comprar os seus produtos, sempre há uma preocupação.
Isso não deveria acontecer, porque os empresários estão realmente interessados em conhecer o que estamos produzindo, e no fundo saber e se preparar
para comprar ou vender. No entanto, há dificuldade de diálogo".
Hiroshi Saito, da USP, expôs o problema de comunicação com exemplos práticos e objetivos:
"Recentemente, a Japan Overseas Enterprises
Association, que congrega as empresas japonesas que atuam no exterior, mandou um grupo de pesquisadores para o Brasil, realizar um enorme
levantamento de dados junto às empresas japonesas neste país. O relatório, recém-publicado, mostra como tais empresas estão enfrentando problemas de
adaptação no país. De um modo geral, a adaptação se processa bem, percebendo-se que cada qual trata de desenvolver suas próprias estratégias de
adaptação. Esse processo de adaptação de que falamos é quanto ao processo de transferência de tecnologia gerencial.
"Paralelamente à aceitação de uma situação estabelecida, isto é, como legislação trabalhista,
fiscal e outras praxes brasileiras, trata-se de introduzir e incorporar os métodos japoneses de gerência e administração. A própria tecnologia
gerencial japonesa já é um produto misto, elaborado a partir de suas raízes tradicionais e ao mesmo tempo dosado com métodos modernos de
administração dos países ocidentais. A compatibilização dessa tecnologia gerencial japonesa com as condições predominantes no Brasil deve gerar
alternativas interessantes, não só para essas empresas japonesas, mas principalmente para o empresário brasileiro.
"E nesse sentido, para poder avaliar, em suas diferentes etapas, o andamento desse processo da
transferência e da adaptação da tecnologia gerencial, será necessário que se crie um mecanismo para poder avaliar a troca de informações e amplas
discussões. E este Fórum de Debates constitui, sem dúvida alguma, uma abertura para o encaminhamento desse problema (...).
"Realmente, no passado, houve alguns casos de atritos ou mesmo de conflitos sobre a presença de
nisseis nas empresas japonesas. Mas isso se deve mais à atitude por parte dos empresários japoneses, que viam na presença do nissei, na
personalidade do nissei, o próprio japonês ou a extensão do japonês. Mas não existe concepção mais errada do que essa. Nós sabemos que os nisseis,
em sua maioria, são brasileiros orgulhosos, longe de aceitarem essa falsa condição de
'prolongamento ou extensão do japonês', como certos empresários japoneses pretendiam encarar
(...). A maioria dos dirigentes das empresas japonesas, com as devidas exceções, marca sua presença no país como simples estágio em suas carreiras.
O processo de abrasileiramento dessas empresas implica necessariamente na mudança de mentalidade e maior familiaridade com as coisas brasileiras".
VIII - Destaques no relacionamento Brasil-Japão
Ikuzo Hirokawa, presidente da Câmara de Comércio Japonesa no Brasil, na véspera da visita do
presidente Geisel ao Japão, afirmou o seguinte: "Creio firmemente que o relacionamento amistoso
Brasil-Japão se baseia no tripé constituído pelo Poder Executivo, entidades de classe e o Poder Legislativo de ambos os países. E, nesse contexto,
tal relacionamento será cada vez mais sólido.
"Esse tripé não surgiu como se fosse uma fórmula mágica. Mas, sim, pela sedimentação do longo
relacionamento entre ambos os países através da imigração japonesa de agricultores; pelo intercâmbio constante de parlamentares, industriais e
especialistas".
O Japão sempre mostrou um grande interesse em relação ao interlocutor não apenas em áreas onde está
diretamente interessado, mas naquelas em que há interesse indireto. Um exemplo foi o convite formulado pela Câmara de Comércio Japonesa ao sr.
Roberto Campos, então ministro do Planejamento do Governo Castelo Branco. A palestra que a ilustre figura concedeu a 1º de julho de 1970 no Clube
Nacional, em São Paulo, impressionou vivamente todos os presentes.
Destacaremos a seguir, resumidamente, alguns dos pontos que sensibilizaram os empresários
japoneses:
"Não abraçamos o nacionalismo puro e simples.
Por exemplo, alguns acham que os capitais estrangeiros simplesmente promovem uma espécie de extorsão na economia brasileira, com o argumento de que
suas remessas de lucros são sempre maiores que os capitais investidos (...). Porém, a contribuição do capital estrangeiro não é tão superficial como
aparece nos números. Devemos considerar os aumentos de exportação e substituições de importações oriundas do investimento de capitais estrangeiros,
além da transferência tecnológica e da ampliação do mercado de trabalho.
"As contribuições trazidas à sociedade brasileira pelas empresas Usiminas, Ishibrás, devem ser
divulgadas pro todos os meios disponíveis, para evitar que surja uma interpretação precipitada ou errônea. Estes lamentáveis desvios de
interpretação se verificam até nas faculdades.
"O Japão atualmente enfatiza sua economia aberta. Porém, de acordo com o ponto de vista ocidental,
sua economia é ainda bastante fechada com forte teor de nacionalismo e ninguém pode negar que o investimento estrangeiro em certas áreas econômicas
japonesas é dificílimo, senão impossível. Isto parece ser provocado pelo receio de que dito investimento traz a transferência do poder de decisão
para as mãos de capitais estrangeiros. Na minha opinião, o controle feito pelo Banco do Japão e o Ministério da Fazenda é tão eficiente que este
temos é completamente infundado.
"Poder-se-á dar incentivos para as empresas nacionais nas áreas de tecnologia financeira e
tributária, a fim de que possam criar e desenvolver o poder competitivo no mercado internacional, e quanto às empresas de capitais estrangeiros
poder-se-á aplicar uma lei rígida antitruste. Assim, acho que podemos assegurar a coexistência racional de ambas as empresas.
"Nas várias avaliações de capital estrangeiro, há aquelas justas e outras que não o são. Porém, o
nacionalismo está presente em todos os cantos. É uma realidade. Portanto, sugiro que as empresas que queiram investir no Brasil façam o máximo
possível para adaptar-se à situação local. Esta sugestão é válida tanto para o relacionamento entre empresas privadas ou entre a empresa privada e a
governamental. No México, por lei, a participação estrangeira está limitada a 49%, no máximo. Embora não exista isso no Brasil, é justo e razoável
que se aspire, ostensiva ou potencialmente, que a participação de capital estrangeiro situe-se em seu nível desejado".
Esta filosofia do sr. Roberto Campos continuou válida nos governos dos presidentes Arthur da Costa
e Silva e Emílio Medici. Os ministros da mesma pasta, em ambos os governos, deram continuidade à criação da "ponte entre o Brasil e o Japão: a
mais longa do mundo".
A 13 de dezembro de 1971, Toshio Dokoh, então presidente do Grupo Toshiba e vice-presidente do
Keidanren, visitou o Brasil, renovando sua convicção de que este é o grande país do futuro, propício para investimentos. Aliás, ele mesmo havia
decidido anteriormente um investimento da Ishibrás e, por sua insistência e conhecimento do Brasil, recebeu o apelido de "Ministro para Assuntos
Brasileiros". Realmente, foi o homem que impulsionou o investimento maciço dos capitais japoneses no Brasil, provocando até um "Brasil-boom".
Por ocasião de sua visita, Dokoh teve um encontro com os ministros Delfim Netto e Reis Veloso.
Juntos voaram até o Japão, acompanhados pelo sr. Ikuzo Hirokawa e, naquele país, após um encontro com Eisako Sato, primeiro-ministro japonês, o
então ministro da Indústria e Comércio, Kakuei Tanaka, organizou uma enorme recepção, durante a qual foi distribuído um folheto sobre "As
possibilidades de ampliação de colaboração entre Brasil e Japão nas áreas de economia, comércio bilateral, financiamento e tecnologia". O
documento enfatizava as possibilidades de complementariedade da economia dos dois países, mostrando concretamente onde o Brasil necessitava de
investimento estrangeiro e como o Japão poderia contribuir com capital, tecnologia e apoio financeiro.
Aliás, esta complementariedade da economia não se limita apenas ao mundo empresarial. Há um estudo
expressivo desenvolvido pelo IPEA brasileiro e pelo Centro de Desenvolvimento Internacional japonês, intitulado "Estudo Comparativo entre a
Economia Brasil-Japão", no qual são destacados os seguintes pontos:
1) Aspectos semelhantes
a) Semelhança do PIB brasileiro de 1966-70, com o registrado no Japão na década de 1950.
Embora exista uma diferença de US$ 5 bilhões, há que se considerar a desvalorização do dólar nesse
lapso de tempo. Ambos os PIBs se situam quase no mesmo nível.
b) A produção industrial dos dois países, cujo índice sempre apresenta uma diferença de 15 anos.
Isto pode ser observado na produção de ferro, aço e cimento, com exceção da indústria
automobilística.
c) Os elos de ligação entre a empresa privada e o governo.
Esta colocação surge, concretamente, na forma de empresas de economia mista.
d) A política administrativa da economia é caracterizada pela estabilidade, advinda da
estabilidade política.
e) A ênfase dada à exportação, através de incentivos às empresas.
O nível de exportação alcançado pelo Brasil em 1970 é semelhante àquele registrado no Japão, em
1960.
f) Os esforços para a obtenção da reforma agrária.
A Proterra brasileira é bastante parecida com projetos desenvolvidos no Japão.
2) Aspectos diferenciais
a) Alto poder de capitalização japonês, aliado com o alto nível de alfabetização, o que
contrasta com a situação brasileira.
b) Área geográfica. O Brasil conta com um território 23 vezes maior que o arquipélago
japonês, além de possuir abundantes recursos naturais.
c) O Japão importa grande quantidade de soja, carne e frutas, ao passo que o Brasil exporta estes
produtos.
d) Mão-de-obra. Escassa no Japão e abundante no Brasil.
e) No Brasil, dentre a população economicamente ativa, 44% dedica-se ao setor primário (1970),
enquanto que no Japão, 41% (1955). Porém, no que se refere aos setores secundário e terciário surge uma grande disparidade.
De qualquer forma, estes aspectos diferenciais e semelhantes podem ser
interpretados das mais diversas maneiras.
[...] |