Imagem: reprodução parcial da capa com a matéria original
IMIGRAÇÃO JAPONESA
Um navio carregado de esperança
No dia 18 de junho de 1908, o vapor japonês Kasato Maru atracava junto ao
armazém 14 do porto de Santos. Nele vinham os 781 primeiros imigrantes japoneses, para trabalhar nas lavouras do café. O início da imigração
japonesa completa, portanto, 99 anos. O Museu do Café organizou uma exposição reunindo fotos, objetos e documentos, como o diário de viagem de Ryu
Mizuno, presidente da Companhia de Emigração Imperial do Japão
O Kasato Maru, atracado em Santos em junho de 1908
Foto publicada com a matéria
Beto Paschoalini
Quando às 17 horas do dia 18 de junho
de 1908 o vapor japonês Kasato Maru pôs fim à sua jornada de 52 dias, concretizava-se um processo que começou muitos anos antes em dois
países diametralmente opostos, na história, na formação cultural e na geografia. Japão e Brasil uniram seus destinos naquela tarde no Porto de
Santos, mas as condições para que isso acontecesse foram criadas pelas necessidades internas de duas nações que buscavam construir novos caminhos.
O Brasil, ao abolir a escravatura e, posteriormente, optar pela República, abriu as suas fronteiras
para massas de imigrantes, indispensáveis para substituir a mão-de-obra escrava nas lavouras de café e impulsionar a ocupação do território.
No oriente, o império japonês, sob o imperador Mutsuhito, tentava sair do feudalismo que emperrava
a modernização do país. As conquistas tecnológicas do ocidente começariam a ser incorporadas à economia japonesa, foi feito um grande esforço para a
unificação do território e o desemprego na área rural seria combatido com uma política de emigração que duraria décadas.
O diário de Ryu Mizuno
Foto publicada com a matéria
Em 1895, seria assinado um Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e
Japão, abrindo a picada por onde trilharia Ryu Mizuno, presidente da companhia Companhia de Emigração Imperial. Mizuno veio ao Brasil em 1906 em
missão precursora. Visitou centros agrícolas para observar as condições de trabalho nas lavouras.
E ele mesmo, no dia 27 de abril de 1908,
estava à frente dos 781 passageiros que embarcaram no Kasato Maru no Porto de Kobe, com destino a um lugar que poucos ali tinham ouvido falar
e nenhum, além de Mizuno, fazia a menor idéia de como fosse. Eram trabalhadores rudes, das roças de Okinawa, Kagoshima, Kumamoto, Hiroshima,
Yamaguchi, Aichi, Koochi, Miyaqui, Niigata e Tókio.
Mizuno fez um diário dessa viagem pioneira (que se encontra em exposição no Museu do Café,
ver matéria). E descreveu: "Os passageiros usam trajes ocidentais confeccionados na
Europa. Os homens deixam de lado o quimono e vêm de terno e gravata, chapéu e bota. Alguns trazem no peito condecorações de guerra com a Rússia.
(...) Agora todos são 'soldados da fortuna' querem enriquecer e voltar dentro de cinco anos."
Ryu Mizuno, ainda durante a longa viagem, seria vítima de um atentado. O foguista Kataoka, à
meia-noite de 15 de junho, armado de uma faca, tentou matá-lo, mas foi contido por seu chefe, Seizo Yokoyama, que acabou sendo ferido gravemente na
barriga. Este tripulante morreu na Santa Casa de Santos, vítima dos ferimentos.
Ao atracar no armazém 14, os imigrantes a bordo do Kasato Maru agitavam bandeirolas de seda,
do Brasil e do Japão. Mas só poriam os pés em terra firme no dia seguinte, quando foram levados imediatamente de trem para a Hospedaria dos
Imigrantes em São Paulo. De lá, seriam despachados para as fazendas de café do interior do estado.
Daquele dia do ano de 1908 até o final de 1961, período mais importante da imigração japonesa,
entraram no Brasil pelo Porto de Santos 229.404 imigrantes.
Exposição japonesa no Museu do Café
Foto: Beto Paschoalini, publicada com a
matéria
No Museu do Café, a saga dos imigrantes
"O café e a imigração japonesa no Brasil" é o tema da exposição que está acontecendo no Palácio da
Bolsa Oficial do Café, numa promoção do Museu do Café, como parte das comemorações do centenário da chegada do navio Kasato Maru ao Porto de
Santos, às 17 horas do dia 18 de junho de 1908. A mostra vai até o dia 2 de dezembro.
Painéis com fotos antigas, documentos, objetos e vestimentas trazidos ou usados pelos imigrantes,
embalagens modernas de café comercializado no Japão e muito da história da saga iniciada pelos 781 passageiros do Kasato Maru estão expostos
no segundo piso do prédio da Bolsa.
A exposição ilustra o quadro histórico que levou o império japonês a escolher o Brasil
como um dos principais destinos da sua política emigratória. E mostra muito da cultura japonesa e do ambiente econômico de uma época de grandes
sacrifícios, de aventuras quase épicas e de introdução de importantes elementos para a formação do Brasil que temos hoje.
Entre os objetos expostos, estão quimonos, calçados típicos, passaportes e contratos
de trabalho, jogos de chá, roupas usadas nas lavouras, utensílios de cozinha, uma armadura samurai e a peça mais valiosa, o diário de Ryu Mizuno,
escrito ao longo dos 52 dias de viagem do Kasato Maru, entre Kobe, no Japão, e o Porto de Santos.
"É fundamental amar a terra escolhida para
emigrar e é ato supremo não abandoná-la, fixando-se nela e lhe amando como se fosse seu primeiro e único amor".
A frase, de autoria de Mizuno, está inscrita no painel de abertura da exposição e diz muito da importância da disciplina e do caráter hierárquico da
cultura japonesa. Ryu Mizuno era o presidente da companhia Koukoku Shokumin Gaisha (Companhia de Emigração Imperial) e responsável por trazer as
primeiras levas de imigrantes.
Entre as fotografias antigas expostas em grandes painéis luminosos, as mais curiosas
são as de grupos de crianças, a bordo do navio Santos Maru, fantasiadas para a comemoração da passagem pela linha do Equador, numa viagem de
1933. A impressão que se tem é que a rigidez e o formalismo japoneses cedem sob o sol do trópico, um esboço de adaptação ao carnaval brasileiro, em
pleno apogeu naqueles anos 30.
O Museu do Café, à rua XV de Novembro, 95, no Centro de Santos, funciona de
terça-feira a sábado, das 9 às 17h, e no domingo das 10 às 17hs. A bilheteria fecha às 16h15 e os ingressos custam R$ 5,00 (inteira) e R$ 2,50
(meia). A entrada gratuita para crianças com menos de 5 anos. Adultos com mais de 65 pagam meia. Tel.: 3219-5585. Na Internet:
www.museudocafe.com.br
Alunos da Escola Japonesa, na década de
1930
Foto publicada com a matéria
A influência japonesa em Santos
Thalita Peres
Segundo pesquisa do historiador Waldir Rueda, antes da chegada do Kasato Maru
já havia alguns japoneses no Brasil. "Temos poucos registros, mas desde 1884 há japoneses aqui. A primeira
leva grande foi a do Kasato Maru. Quando chegaram ao Porto de Santos, as opções que tinham era ir para o Interior ou para o Vale do Ribeira.
Poucos ficavam em Santos. Quem optou ficar aqui se instalou no bairro do Marapé".
Para manter a sua cultura em um lugar tão diferente, a comunidade japonesa criou
a Sociedade Japonesa de Santos, instalada numa casa na rua Paraná, 129. A entidade tinha como objetivo ensinar o idioma aos filhos dos associados. "Era
o único ponto de referência que os japoneses tinham, em um país tão diferente cultural e socialmente".
Por causa da 2ª Guerra Mundial, em 1939, a Sociedade teve que mudar o nome para
Instrumentiva Vila Mathias, para que suas atividades não fossem prejudicadas. "Em 1943, Getúlio Vargas
decretou que alemães e japoneses deixassem suas casas em 24h, por causa da guerra". O Estado tomou a sede da
entidade, que só foi devolvida aos japoneses no ano passado, 60 anos depois do confisco.
Outras associações foram criadas pela colônia japonesa em Santos, como o
Atlanta, o Estrela de Ouro Futebol Clube e o G.R. Nissei Vicentino. A Sociedade Japonesa de Santos foi reconstituída, sob o nome de Associação
Japonesa, e o imóvel recém-devolvido da rua Paraná será transformado num centro cultural. "Eles terem
conseguido novamente a Associação é um marco, uma grande vitória. Espero que consigam manter a tradição. Seria legal a construção de um museu, com a
história completa da vinda deles, que ainda é muito difícil de se encontrar, com registros e arquivos fotográficos".
diz o pesquisador.
O sansei Sadao Nakai, terceira geração dos imigrantes que criaram suas raízes na
cidade, afirma: "Eu conheci o meu avô, que veio em busca de uma vida melhor. Na época, ele falava em japonês
com a minha avó. Infelizmente, a quinta e a sexta gerações, e as seguintes não vão conhecer os legítimos japoneses, nem a cultura em si. Aos poucos
foi se perdendo".
Sadao é presidente da Associação Japonesa Estrela de Ouro, que tenta manter a
cultura dos seus antepassados. "Aqui na Associação, há um entrosamento entre japoneses e brasileiros, desde a
culinária até o futebol".
A preservação da cultura é o que mais preocupa Sadao. "A
maioria dos jovens só lembra de suas raízes quando se olha no espelho. São mais brasileiros do que japoneses. O que mais os atrai é a culinária, com
nossos sushis e sashimis. Mas a parte cultural ainda é falha. Alguns sabem poucas palavras em japonês e não participam dos esportes, como o
gateball".
Jogando gateball no Estrela de Ouro estava Tokuji Ono, de 72 anos. Ele
pratica o esporte há oito anos. "Aqui em Santos, o esporte não é muito procurado. Eu participo de campeonatos
e em cidades menores há mais atletas do que aqui". Uma prova de que brasileiro também gosta da cultura
oriental está o jardineiro João Evangelista, que treina com o senhor Tokuji há dois anos. "Por ser parecido
com o bilhar, o gateball é emocionante".
Dirigentes da Sociedade Japonesa, pouco antes do início da 2ª Guerra
Foto publicada com a matéria
Influências que vêm do outro lado do mundo
As influências da cultura japonesa são tantas, e tão incorporadas ao nosso cotidiano,
que muitas vezes passam despercebidas para pessoas de outras origens. Veja algumas:
Artes Marciais: Técnicas de defesa pessoal. Em Santos os mais praticados são o
judô (em português, caminho suave), que tem uma doutrina de valores morais, desenvolvidos através da prática esportiva. Foi fundado por
Jigoro Kano, em 1882. O karate-do (caminho das mãos vazias) contém alguns elementos do budismo, como meditação. O jiu-jitsu (arte
suave) utiliza golpes com imobilizações e torções em articulações, como braço, tornozelo, cotovelos e ombros. Foi o esporte mais praticado no Japão,
antes de o judô aparecer, e era proibida sua prática fora do país. Quem desobedecesse, era considerado traidor e condenado à morte.
Anime: No Brasil, é todo desenho animado vindo do Japão. Mas no Japão é
qualquer tipo de desenho, seja nacional ou internacional. Algumas características dos personagens são os dentes e os chifres aparentes quando estão
com raiva, ou diminuídos, quando os personagens estão com vergonha da situação.
Sushi: Prato à base de arroz temperado com vinagre e combinado com peixe cru,
frutos do mar, vegetais, frutas ou ovo.
Sashimi: Prato com cortes de peixe cru.
Gateball: Jogo entre duas equipes, branca e vermelha, com cinco jogadores de
cada lado, com duração de 30 minutos. O praticante precisa passar a bola em três portões, com o auxílio de tacos e, por fim, acertar o pino central.
Ganha quem fizer mais pontos. No dia 24 de junho, o Estrela de Ouro organiza um campeonato da modalidade. A entrada é gratuita. O endereço é rua Rei
Alberto I, 372, Ponta da Praia. Telefone: 3261-2179.
Sadao Nakai: esforço para manter a cultura dos antepassados
Foto publicada com a matéria
Festival de cultura no Mendes Convention Center
Em comemoração do centenário da imigração, o Festival de Imigração Japonesa no Brasil preparou
workshops para os amantes da cultura oriental, entre 21 a 24 de julho, no Mendes Convention Center. Serão dez cursos e palestras: A estética
andrógena na moda Japonesa; Workshop de pintura digital de Mangá; Concurso de Visual; Ballet Yuba; Campeonato de Parapara, Projeto 100% Bateras e
Byakko Taikô; Concurso de Cosplay; Workshop de Desenho, Gastronomia e Mostra Coletiva de Artes Visuais. A entrada custa R$ 5,00 mais um
quilo de alimento não-perecível, que será doado ao Fundo Social de Solidariedade (FSS).
Tokuji Ono, jogando gateball no Estrela de Ouro
Foto: Leandro Amaral, publicada com a
matéria |