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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Uma batalha entre São Paulo e Santos... (1)

Este relato de Menotti del Pichia - que logo depois se celebrizaria como um dos mentores da Semana de Arte Moderna de 1922 - foi publicado em sua coluna regular no jornal santista A Tribuna, em 27 de janeiro de 1921 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Batalha em Santos

A estrada do Cubatão serpeja entre as gargantas da serra. Uma vegetação áspera e bruta, lembrando a dantesca "selva aspra e forte", ensombra o caminho que liga o planalto paulista ao litoral vicentino.

Em mesnada guerreira, a gente bravia de Thimotheo Corrêa marcha em direção a Santos. Sobre o pó ruivo mais de mil guerreiros avançam, tendo à frente uma singular amazona, de feições severas, busto imponente, olhar duro, d. Angela de Siqueira.

Em coluna de assalto seguem-se notáveis paulistas com seus clãs, rígidos varões senhoriais, perfis de valentes, pupilas de gerifaltes. Pedro Tacques, Fernão Paes de Barros, gente dos Pires, dos Almeidas, dos Tacques, dos Barros, soldados da vila de Parnaíba, chefiados pelo valente Pedro Frazão de Brito, hordas de cafusos, boujames, mamelucos, índios frexeiros, agregados de arcabuz, cavaleiros de espada.

Vão combater Diogo do Rego, santista de largo prestígio, que protegeu José Pinheiro, desrespeitador da autoridade de Thimoteo Corrêa, provedor da fazenda. Diogo do Rego deu homízio a Pinheiro, seu compadre e protegido, que fraudou o fisco. Não querendo pagar imposto de um volume depositado na Alfândega arrebatou-o com violência, fugindo. O provedor prendeu-o. Diogo do Rego, que estendia seu prestígio ao criminoso, vai à prisão, arranca das trêmulas autoridades o detido, dá-lhe liberdade. Rompe a guerra.

Por três dias, lenta e segura, Caminho do Mar, marcha pela estrada do Cubatão a gente do regedor. São mil homens aguerridos, bem armados. A passo cadenciado, caudalosa e solene, serpeja a coluna da batalha. Desce a serra fragosa, entre o escachoar das cachoeiras longas como estrias de prata; costeia a lomba escarpada, onde o caminho abre sulcos na rocha viva, dependurado, em caracol, sobre o abismo.

Longe, esfumado, azulengo, a mesnada vê o mar. Desce mais, lenta, segura, como uma avalanche. Entra em Santos. Procura o inimigo que, avisado pelos seus sequazes, transforma sua casa em fortaleza.

A gente paulista inicia o assédio. É um cerco clássico, como aos bons castelos feudais. É que Diogo do Rego, reunida sua gente, em todas as seteiras, pôs arcabuzes, em todas as frinchas bocas de fogo, nos paióis pólvora e balas, nos celeiros mantimentos e água.

A princípio, a mesnada do planalto hesita. A casa do santista é um baluarte. Aproximar-se é provocar a morte. Por cem armas despejar-se-ão balas nos sitiantes. Cauto e heróico o santista minou o assoalho. Tomado o reduto, estourará, estraçalhando os vencedores.

Que fazer? Thimotheo Corrêa vacila. Os chefes, acampados fora do raio da ação dos arcabuzes, reúnem-se em conselho. Impossível assaltar o inimigo. Sitiá-lo também é impossível. O valente santista resistirá por longo tempo. Que fazer?

Toda a cidade freme. O povo da vila, as autoridades, os jesuítas, sem se imiscuírem na próxima batalha, seguem, ansiosos, os seus preparativos. S. Paulo e Santos vão travar combate. Sorriem da hesitação dos paulistas os valentes do litoral. Voltarão vencidos, humilhados, pelos ínvios caminhos da serra?

Intervêm, em vão, os padres carmelitas.

Pedro Tacques, o velho, vulpino e experiente, é ouvido pelo conselho reunido. Os briosos Pires e Almeidas aconselham o ataque. Frazão estuda. Impossível: a casa de Diogo do Rego é inexpugnável. Atirar-se contra ela é afrontar, a descoberto, o fogo de uma fortaleza. Por fim, depois de longas discussões impacientes, o velho Tacques tem um expediente:

- E se mandarmos buscar os canhões do forte?

- Por S. Thiago que acertastes, d. Pedro – brada Lourenço Castanho, estendendo-lhe a manápula – Ide, d. Guilherme, com gente da nossa guarda ao forte e trazei as peças. Mandaremos esses perros (N.E.: cachorros, em espanhol) ao demo, com canhonaços!

Os soldados paulistas grimpam as rochas dos fortes que olham para o mar. A braços conduzem os canhões curtos, de bocarras de bronze escancaradas e largas, assestando-os contra a casa de Diogo do Rego. Os sitiados vêem nesses círculos diabólicos, os olhos vazios da morte... Os santistas estão perdidos! Daí a momentos, a pólvora dos países ajudará, deflagrando a ação destruidora das peças inimigas. Não há senão render-se. A desigualdade de armas torna impossível e desleal a luta.

Partem parlamentares agitando bandeiras brancas. Os paulistas esperam:

- Entregamo-nos. É impossível resistir. Sois agora mais fortes. Acreditais, porém, que em igualdade de condições, a gente de d. Diogo do Rego saberá resistir até a morte.

Estipulam-se as bases da capitulação. José Pinheiro é entregue à justiça e a gente de Santos e de S. Paulo, pacificada, abraça-se – irmã que sempre foi – entre o bimbalhar festivo de todos os sinos.

Assim terminou a batalha que nunca se iniciou...

Menotti Del Picchia

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