Apesar da popularidade, esculturas não têm valor artístico, diz o crítico de arte Roberto Peres: "Elas não foram entalhadas em pedra"
Fotos: Fernanda Luz e arquivo (P&B), publicadas com a matéria
ESCULTURAS
Obras foram confeccionadas por autores diferentes
Leão e "leoa" do jardim da praia são cenários de fotos de turistas e santistas
José Luiz Araújo
Da Redação
Bem distante de seu habitat natural africano, o leão e a leoa parecem tranquilamente instalados no jardim da praia, entre as ruas
Marcílio Dias e Quintino Bocaiúva, no José Menino.
Confeccionadas em cimento, há décadas as obras servem de cenário para as fotos de várias gerações de santistas turistas, mas são poucas as informações oficiais sobre as esculturas, que nem
mesmo formam um casal, como todo mundo pensa: foram feitas por autores diferentes e, como alguns já desconfiavam, a leoa, na verdade, é um jaguar...
Sabe-se que o leão foi feito pelo escultor espanhol Sigismundo Fernandez, em sua empresa de esculturas, a Labor, na década de 40, por encomenda da Prefeitura para ornamentar a primeira etapa da
montagem dos jardins. Esta é a única informação oficial nos registros da Fundação Arquivo e Memória de Santos.
Versão idêntica tem a historiadora Wilma Therezinha de Andrade, do Centro de Documentação da UniSantos. "É o que temos em nosso arquivo e resulta de um depoimento feito
pelo escultor e ator Serafim Gonzalez", diz ela, ressaltando que a história não se faz somente com fatos políticos ou positivos. "O leão está no imaginário coletivo dos santistas, incorporou-se à cultura da
Cidade. Portanto, é um componente da nossa história".
Polêmica - Quanto à leoa, sabe-se somente que foi feita na mesma época, na Oficina de Fundição Artística do Colégio Escolástica Rosa.
Waldemar Tavares Júnior, historiador e professor daquela unidade estadual de ensino responsável pelo Centro de Memória do Trabalho, conta que nos arquivos do Escolástica Rosa não há
registro sobre quem fez a peça, nem de como ela foi parar no jardim.
Estilo livre - Populares e muito queridas, as esculturas não têm valor artístico e não estão inseridas em nenhuma escola acadêmica, alerta o crítico de arte Roberto Pres.
"Elas não foram entalhadas em pedra. São de cimento, aplicado em um molde. O leão está bem caracterizado. Já a leoa, creio que o autor utilizou a liberdade de criação e fez uma interpretação
livre, não uma representação fiel do animal. Daí a polêmica se é leoa ou jaguar".
Artista plástico e carnavalesco, Roberto Peres já esculpiu leões para ornamentar carros alegóricos de escolas de samba, o que o levou a fazer pesquisas sobre a relação dessa espécie com as várias
civilizações.
"Na cultura oriental, o leão é o guardião do lar. Por isso encontramos patas de leão nos pés de móveis antigos, bocas de leão em puxadores de gavetas e leões em formato de fontes de água nos
quintais. Talvez as esculturas estejam lá para guardar os jardins".
Família Santander: três gerações clicadas ao lado do leão
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
Turistas revisitam local
"Todos em nossa família, ao longo dos anos, já posaram montados nas esculturas", conta Carmen Santander, de 58 anos, residente em São Paulo que sempre passa o verão na Cidade. "São apenas
50 minutos de casa até aqui", justifica ela.
São três gerações clicadas no leão ou na leoa, e esta semana parte da família aproveitou para reviver o célebre momento. Carmen Santander estava acompanhada de Débora Freitas, de 35 anos (sua
filha); Vinicius Reis Freitas, de 2 anos; Lucas Reis Freitas, de 8 (seus netos); Matheus Reis Prado, de 12; e Pedro Toledo Hares Fongaro, de 13 (sobrinhos de Débora Freitas).
Ana Lúcia Campos: "A Cidade é muito gostosa e os jardins são lindos"
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
Mineira fotografa sobrinhos
Mineira de Santo Antônio do Amparo, Ana Lúcia Campos, d 23 anos, passa as férias na Cidade pela primeira vez. Passeando pelos jardins com as sobrinhas Amanda Cristina Nascimento, de 10 anos, e
Maisa Silva, de 8 anos, ela não resistiu.
"A Cidade é muito gostosa e os jardins são lindos. Estamos adorando. Claro que vamos tirar uma foto ao lado da leoa", diz, sorrindo.
Ana Lúcia não sabia nada sobre as esculturas, e como no local não há placa com informações, estava curiosa: "Qual a relação delas com os jardins da praia?"
Confirmado: "É um jaguar"
Filetti fez a distinção pela cauda
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria
Afinal, é leoa ou jaguar? Para acabar com a polêmica, a reportagem de A Tribuna
recorreu a um especialista. O veterinário Eduardo Filetti foi ao jardim para analisar a escultura e afirma, com todas as letras: "É um jaguar".
Pelo formato que o autor deu ao focinho, é impossível fazer a distinção; pela cor da pelagem (a da leoa é toda marrom, enquanto o jaguar tem pintas pretas) também, já que a obra está pintada de
branco. Filetti recorreu à anatomia.
"A cauda da leoa tem, em média, de 30 a 50 centímetros, enquanto a do jaguar é mais longa. A da escultura tem 1,20 metro. É um jaguar", conclui.
Para o veterinário, o autor deve ter se baseado em uma foto. "De qualquer forma, é um contraponto ao leão, originário do continente africano. O jaguar, também conhecido como onça pintada, é da
América do Sul". |