Dr.Guilherme Álvaro
VIII - 1913-1919
(N.E.: não existe no original um capítulo VII, a ordem dos capítulos foi descontinuada)
Depois do estabelecimento do regime republicano no Brasil, dois recenseamentos haviam sido feitos em terras santistas, por ordem do Governo Federal, mas ambos eles por tal
modo haviam sido conduzidos, que muito pouco vieram adiantar, ou por incompletos, ou por duvidosos, tais as contradições e as faltas que vieram com eles a lume. De fato, o censo de 1890 atribuiu a Santos a população de 13.012 habitantes, ou menos
três milheiros do que o verificado em 1886, quando do recenseamento mandado fazer pelo presidente da província de S. Paulo, conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira.
É verdade que no ano de 1889 Santos tinha sido devastado pela febre amarela, perdendo um milheiro de moradores, fugindo muita gente da cidade, mas no ano seguinte, o do
recenseamento federal, a vida santista havia se normalizado, chegando numerosos imigrantes, restabelecendo-se o equilíbrio social no meio que se desenvolvera sensivelmente, com aumento de prédios e de população, desde 1886. O outro recenseamento,
executado em 1900, apurou 50.389 almas para a população do município santista, ou quase o quádruplo da verificada no primeiro.
Teria sido possível tal crescimento, em um decênio atribulado por epidemias repetidas na localidade? Qual dos dois recenseamentos tinha sido bem feito? Teria havido erro para menos em
1890, ou engano para mais em 1900? Resultou daí a impossibilidade de se formar juízo seguro, aproximado mesmo, a respeito da população santista, arbitrariamente calculada desde 1905, entre 45 e 75 mil habitantes, conforme o ponto de vista em que se
colocava o apreciador.
Toda a gente, entretanto, concordava que Santos estava se transformando, crescendo continuamente a sua população, intensificando-se patentemente a vida urbana, surgindo usos e costumes
novos, resultantes naturais do desaparecimento das epidemias desde 1901. Confiava-se no futuro da cidade, onde casas e terrenos se valorizavam continuamente, diminuindo cada mês o número dos diários que viajavam para S. Paulo, ouvindo por
toda a parte afirmações de residência definitiva na cidade.
Era consoladora essa evolução, em contraste com os tempos ainda próximos em que a frase - eu, agora, estou em Santos - caracterizava a instabilidade de grande parte da população, sempre
temendo a volta das epidemias, disposta à retirada assim que principiasse a "safra", como se dizia na gíria comercial, por coincidir a vinda da febre amarela com a época dos grandes e rendosos negócios de café.
A própria vida doméstica santista se transformava, generalizando-se o conforto, popularizando-se as instalações de banheiras, tomando os "interiores" aspecto de mais gosto,
substituindo-se os mobiliários de carregação, fabricados para transporte fácil, por outros mais cuidadosos e custosos.
Em 1908 surgiu a primeira fábrica de móveis de estilo, importados até então do Rio e de S. Paulo, abrindo-se também os primeiros armazéns de louças finas, de cristais e de objetos de
arte, negócios novos para Santos, apesar da sua riqueza e da sua importância anteriores, e resumidos aqui até então na popular Casa do Eugenio, na Rua 15 de Novembro.
Desde 1904 a cidade começara a se transformar, com a demolição dos velhos quarteirões do Largo do Rosário e do Beco do Inferno, aliás o paraíso dos turcos, reedificando-se prédios altos,
arejados e insolados, ali, na Rua 15 de Novembro e outras centrais.
Eram os primeiros resultados da administração do dr. Francisco Malta Cardoso, intendente municipal em 1903, a quem o Município deve serviços relevantes, decorrentes do seu descortino e
da sua orientação prática.
O Código de Posturas de Santos, apesar de vigorar desde 1897 e de ser trabalho de mestre, tinha sido até aquele ano, como sucede com os seus congêneres nacionais, alvo de constantes
violações por parte dos construtores de prédios e o ato do dr. Malta Cardoso fazendo-o observar à risca, no referido capítulo, com o auxílio da Comissão Sanitária, abriu nova era para o município.
De fato, desde 1903 vinha sendo exigida, para todas as construções e reformas de prédios, a apresentação das plantas detalhadas segundo o Código Municipal, sendo enviadas à Comissão
Sanitária para que tomasse conhecimento e desse parecer, antes da aprovação definitiva pelo Executivo Municipal. Deste modo, todas as obras eram projetadas e executadas regulamentarmente, com prestígio para as autoridades, vantagens para a saúde
pública e economia para os interessados, livres certamente de embargos e intimações decorrentes de facilidades, ou mal-entendidos, dos fiscalizadores das mesmas.
Foi tal a influência moral dessa aliança das duas repartições que, apesar de todas as vicissitudes da política local acanhada, tem sido mantido conchavo tão prático e inteligente,
chegando a Câmara Municipal de 1907 a associar a Repartição de Saneamento a essa obra de bom senso, votando a lei 288 de 27 de novembro.
Por esta salutar medida, as plantas enviadas à Prefeitura Municipal, para aprovação de construções ou reformas de prédios, devem conter os projetos dos esgotos respectivos, organizados
pela Repartição de Saneamento.
Desta tríplice união das autoridades responsáveis pela saúde pública local resultou a existência, hoje, em Santos, de mais de cinco mil prédios rigorosamente regulamentares, ou quase
dois terços dos que a cidade possui. Foi padrinho de tal lei o falecido coronel Francisco de Almeida Morais, presidente da Câmara Municipal durante muitos anos, que bem compreendeu a idéia prática e salutar de Saturnino de Brito, ao terminar a rede
de esgotos local.
Em 1907 caíam demolidos a velha Matriz e o legendário Arsenal de Marinha, ambos reduzidos já ao estado ruinoso que contemplamos, ninhos de ratos, centros de insalubridade, surgindo no
local em que existiram, a vasta praça ajardinada e arborizada, onde no ano seguinte foi erguida a estátua de mármore de Braz Cubas.
Em 1908 realizava-se a inauguração dos trabalhos da Comissão de Saneamento, desde a rede de esgotos, com as suas instalações domiciliares a rigor, até a bela trama e canais
transformadores de vastos alagadiços, serviços terminados cinco anos depois, como atestado eloqüente do valor de Saturnino de Brito, de Miguel Presgrave e seus auxiliares.
Continuava-se o alargamento de várias ruas, remodelava-se o princípio das de General Câmara e Rosário, no largo do mesmo nome, calçava-se grandes extensões da cidade, terminava-se a Doca
do Mercado, o edifício do Corpo de Bombeiros, a abertura de novas ruas na cidade e nos arrabaldes, aqui margeando e ligando os canais de drenagem.
O cais da Companhia Docas seguia para além do Paquetá, buscando os Outeirinhos que desapareciam já, desfeitos em aterros e empedrados, para a regularização dos contornos do porto, à
margem do qual a mesma Companhia preparava área extensa para a edificação de armazéns e oficinas modelares.
Aumentava o movimento da cidade, crescia o do porto, onde mais de duas dezenas de embarcações se enfileiravam, ponta a ponta, encostadas no cais, reorganizava-se o serviço das
repartições municipais, criava-se a Escola de Comércio, depois José Bonifácio, montava-se a repartição, também municipal, de aplicação de tuberculina às vacas leiteiras, fazia-se a apreensão dos cães vadios, reformava-se o velho matadouro,
insuficiente então para os seus trabalhos diários.
Apenas a limpeza pública, problema insolúvel no Brasil, entregue a empresário ignorante e protegido, era a nota dissonante das iniciativas do grupo partidário que, vencendo as eleições
municipais em toda a linha, acabava de tomar conta da administração do município.
Em 1909 a eletricidade substituía o gás, generalizando-se por ela a iluminação das avenidas, das praias e dos arrabaldes, e a tração animal começava a desaparecer dos carris de Santos,
marcando o fato era nova para a cidade, remodelando-se definitivamente usos e costumes antigos. A vida social intensificou-se, povoando-se de itinerantes o centro urbano, as praias e os arrabaldes; as famílias habituavam-se às excursões bem mais
freqüentes do que as raras saídas de outrora, para compras, nas poucas lojas de fazendas e armarinhos, que ainda conhecemos, baixas, escuras, e pobres de sortimentos, a "Flor de Maio", a "Casa do Tito", a "Casa Bordes", último reduto do comércio
francês, onde a "Madaminha" fazia os melhores vestidos e chapéus.
Em 1911 e 1912 ultimava-se o grande arranco dos melhoramentos municipais, com o alargamento e a reedificação da rua e da travessa de S. Antonio, obras que tiraram ao centro urbano a
derradeira feição colonial, com o calçamento e o asfaltamento de várias ruas e avenidas, com a arborização cuidada dos logradouros públicos. As edificações continuavam a surgir numerosas em toda a cidade, todas elas de tipo novo e adequado ao clima
local, multiplicando-se o uso de jardins floridos e alegres em torno de prédios de gosto e de valor.
Os automóveis expulsavam das vias públicas as raras e desajeitadas carruagens de aluguel, os cinemas se popularizavam e desdobravam pelos arrabaldes, provocando até hora avançada da
noite desusado movimento na cidade, procurada já por companhias teatrais, dramáticas e de operetas, que outrora não ousavam incluí-la no seu itinerário.
Era um Santos inesperado que surgia, transbordante de viço, chegando esse surto de progresso ao seu apogeu em fins de 1913, quando as edificações novas subiram a centenas, foram
terminadas as obras de Saneamento, inaugurou-se o Hospital de Isolamento modelo, as rendas municipais alcançaram quatro mil contos, os carris urbanos, eletrificados todos, transportaram onze milhões de passageiros, o movimento do porto excedeu de
outros tantos milhões de toneladas, entradas e saídas, e o valor da sua exportação atingiu trezentos mil contos de réis.
"Rede de esgotos domiciliar em 1894"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...
{1913}
Todos ansiavam por saber ao certo a população de Santos, calculada sempre arbitrariamente, e a Câmara Municipal resolveu em boa hora recensear a população do seu território, organizando
para esse fim, com todo o esmero, os múltiplos serviços indispensáveis a esse trabalho, que veio a se realizar em 31 de dezembro de 1913.
Os resultados obtidos vieram compensar as despesas e os esforços empregados, e se o referido recenseamento não é obra perfeita, é incontestavelmente o melhor dos que se tem executado no
território nacional, dando idéia bastante exata da vida de Santos, sob todos os seus aspectos demográficos. A cidade foi dividida em 8 distritos, compreendendo as zonas urbana e suburbana, e a zona rural em 9; para os 6.790 prédios das duas
primeiras zonas foram fornecidas 9.262 listas e para os 3.788 da zona rural, 3.299. Começada em 2 de janeiro, a arrecadação dos boletins ficou terminada em 15 do mesmo mês, iniciando-se logo a apuração do censo e que durou 40 dias.
As despesas totais com os vários serviços montaram a 88:124$900, cabendo a cada habitante 90 réis. Em 7 de maio de 1914, o prefeito municipal aprovou os quadros censitários e fez público
que a população do Município de Santos se elevava a 88.967 almas, das quais 71.236 residentes nas zonas urbanas e suburbanas e 17.731 na zona rural, composta das enseadas, das praias, das ilhas, das margens dos rios, dos morros e dos sítios do seu
território.
Dos habitantes das três zonas, 49.482 pertenciam ao sexo masculino e 39.485 ao feminino; eram menores de 15 anos 31.169; maiores, de 15 a 60 anos, 56.099, havendo 1.576 com idade
superior a esta última, não se tendo conseguido apurar a de 123 pessoas.
A população adulta representava, assim, mais de 65% do total recenseado, a infantil chegava a cerca de 35%, cabendo à velhice menos de 2% do total geral. Quanto à instrução, excluídas as
11.131 crianças de menos de 6 anos, metade da população era analfabeta, sendo para notar que apenas metade da população infantil em idade escolar (17.826 pessoas) recebia instrução.
Quanto à raça, foram achadas 77.255 pessoas que se qualificaram de brancos, representando 85% da população, onde o número dos pretos descera a 3,53%, o dos pardos a 7,80%, o dos caboclos
a 1,17% e o dos amarelos a 0,66%. Em 1872 o número dos brancos atingia 55% do total da população, cabendo 18,75% à raça preta.
Dos nacionais residentes em Santos, os paulistas eram os mais numerosos, 38.771, vindo em seguida os fluminenses, 1.592, os catarinenses, 719, os sergipanos, 568, os mineiros, 518. Os
pernambucanos eram mais numerosos do que os baianos, notando os recenseadores que os sergipanos eram realmente mais abundantes do que a cifra apurada, em conseqüência de descuidos no enchimento dos boletins por parte daqueles nortistas, tão
populares em Santos. O Estado brasileiro menos representado aqui era Goiás, por três pessoas, 1 homem e 2 mulheres.
Quanto ao seu espírito religioso, a população compunha-se de 88,36% de católicos, 4,66% de acatólicos, tendo 6,97% de indivíduos declarado não ter, ou não seguir nenhuma religião.
A colônia estrangeira mais representada era a portuguesa, com 14.986 homens e 8.069 mulheres; em seguida vinham os espanhóis, 4.779 homens e 3.512 mulheres e os italianos, 1.719 homens e
1.445 mulheres. Os turcos eram 911, os japoneses 651, os alemães 478, os ingleses 309, os austríacos 226, os franceses 218 etc.
Quanto ao estado civil, os habitantes maiores de 15 anos repartiam-se do seguinte modo: 23.895 eram solteiros, 30.179 casados e 3.724 viúvos.
Relativamente às profissões, excluindo-se naturalmente os 22.540 indivíduos menores de 10 anos, 38.578 homens e 27.849 mulheres acusaram possuí-las, ou exercê-las, verificando-se que da
população válida exerciam sua atividade profissional 86% dos homens e 17% das mulheres, sendo os restantes 83% destas representados pelas donas de casas e suas filhas, mantidas pelo chefe da família.
O comércio e classes correlativas ocupavam o maior número de atividades, com o total de 9.161 indivíduos; no comércio atacadista e varejista havia 1.764 patrões, 2.549 caixeiros e 190
operários. No comércio comissário trabalhavam 141 patrões, 1.332 empregados e 1.740 operários; eram capitalistas e proprietários rendeiros 3.431 homens e 165 mulheres, empregando-se 3.515 pessoas nos serviços domésticos, sendo 2.978 do sexo
feminino. As profissões liberais eram exercidas por 108 engenheiros, 47 médicos, 58 advogados, 52 arquitetos, 217 professores, 61 farmacêuticos, 36 dentistas, 12 parteiras.
A população marítima, composta de embarcadiços que se achavam no porto, a bordo dos seus barcos, era de 2.323 pessoas, das quais 138 do sexo feminino. Os prédios do município, em número
de 10.578, estavam assim: habitáveis 10.190, em construção 96, em reconstrução 55, vagos 12, fechados pela Comissão Sanitária por insalubres 237. Eram térreos 7.357, assobradados 957, sobrados de um andar 520, de dois andares 46, de três andares 1.
Eram casebres, em geral de madeira, nos morros e no Campo Grande e no Macuco, 1.697. Dos prédios ocupados, 7.830 constituíam domicílios exclusivamente, 897 eram mistos, 1.284 eram casas comerciais e 56 repartições públicas. Em 1872 Santos continha
1.407 prédios. A densidade da população predial na cidade era muito alta, de 14 pessoas, descendo a 4,70 na zona rural, sendo a média, no município, de 10,19 habitantes por prédio.
O movimento da população em 1913 foi o seguinte: 3.072 nascimentos, 573 casamentos, 1.637 óbitos e 222 natimortos. A duração média da vida foi achada de 23 anos.
A renda municipal atingiu 4.500 contos, elevando-se a dívida consolidada a 1 milhão de libras, sendo bem apreciável a flutuante.
Em 1913 ocorreram em Santos 9 casos de peste, com 2 óbitos. A doença principiou no mês de janeiro, com 5 casos, terminados todos eles pela cura. O primeiro pestoso foi removido no dia 8,
da Rua Constituição 65; a 13 foi recolhido o segundo, do Hospital da S. Casa, residente no morro do Fontana. Ambos os doentes eram jornaleiros e portadores de bubões crurais. A casa número 36 da Rua Júlio Conceição, próxima a uma grande cocheira,
forneceu dois doentes no dia 22; eram crianças, apresentando bubões crurais, de forma benigna, quase ambulatória, casos confirmados pelo exame bacteriológico do suco ganglionar. O derradeiro pestoso do mês foi removido no dia 25, da Rua 7 de
Setembro 36-C; era trabalhador dos armazéns do cais.
A 13 de fevereiro apresentou-se na sede da Comissão Sanitária um chinês, foguista do vapor britânico atracado ao cais desde 20 dias e que apresentava a forma ambulatória da doença, com
volumoso bubão crural, quase em supuração; removido para o Isolamento, dali saiu curado em fins de março.
A 20 de julho veio da Beneficência Portuguesa, para o Isolamento, um empregado do comércio, residente na Rua S. Antonio e gravemente atacado da doença, de que veio a morrer no dia 24. Em
agosto o nosso hospital recebeu dois pestosos; o primeiro, entrado a 19, residia na Travessa Caiubi 28, veio a falecer a 26; o segundo, vindo da S. Casa e morador na Rua Visconde do Rio Branco, restabeleceu-se. Ambos os doentes eram jornaleiros,
trabalhavam no cais e apresentavam bubões crurais.
Passou-se o resto do ano sem que nenhum outro caso de peste tivesse chegado ao conhecimento da Sanitária, que empregou todos os meios ao seu alcance para evitar e combater o mal, desde a
distribuição sistemática de veneno nos lugares freqüentados pelos ratos e a vigilância sanitária dos focos, até a desinfecção e a reforma dos prédios contaminados.
A varíola ameaçou Santos ainda uma vez, principalmente durante o primeiro semestre do ano. Em janeiro, uma família recém-chegada do Estado do Rio e residente na Rua D. Ana Carvalhais
forneceu 7 casos da doença, aliás benignos, e removidos logo para o Hospital de Isolamento.
No mesmo mês, o vapor Aquitaine trouxe-nos 5 imigrantes variolosos, espanhóis, removidos também para a Filosofia; eram casos muito graves, tendo 2 terminado pela morte. Do Cubatão
veio 1 varioloso em março, saindo curado no mês seguinte. De abril a outubro, cada mês deu um bexiguento na cidade, de forma benigna, porém, de modo que todos os 7 se curaram. O último doente entrado para o hospital veio de Uberaba em dezembro,
tendo alta curado no mês de janeiro seguinte. Ao todo, em 20 casos, houve 2 óbitos.
Em agosto deixamos a direção da Comissão Sanitária de Santos, para assumir a Diretoria Geral do Serviço Sanitário em substituição ao dr. Emílio Ribas, e obtivemos do Governo do Estado a
execução de lei de 1892, que estabeleceu a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola no Estado de S. Paulo, de sorte que o nosso sucessor em Santos, o dr. S. Zamith, pôde, duma vez, fazer cessar as ameaças constantes da doença, praticando-a
sistematicamente. De janeiro a agosto tínhamos conseguido, com bastante dificuldade, vacinar e revacinar 590 pessoas; de setembro em diante 2.477 receberam a vacina. Em Xiririca (N.E.: antiga denominação da cidade de
Eldorado/SP) foram vacinadas durante o ano 1.020 pessoas, em Iguape 540 e em Ubatuba 671.
Dos 120 doentes recolhidos aos hospitais de isolamento de Santos, 81 tinham sarampão, quase todos imigrantes chegados com a doença, havendo apenas 1 óbito. De difteria estiveram
hospitalizadas 8 crianças, curando-se 6. Houve ligeiro aumento dos casos desta doença, fato que atribuímos antes à popularização da notificação, coisa que outrora era discutida em meio mais atrasado, sendo relativamente comum a sonegação de
diftérico, em que o diagnóstico final de bronco-pneumonia encobria tal proceder. A coqueluche reinou no inverno, causando 13 mortes, e o sarampão 9, cujos casos, na mesma época, foram bem mais numerosos.
Das outras doenças transmissíveis, a tuberculose foi a que, como sempre, causou mais estragos, matando 188 pessoas, apesar da campanha sustentada pela Sanitária, com as desinfecções dos
domicílios contaminados, com as reformas dos prédios insalubres, com a melhoria dos lugares de trabalho, coletivo ou não. O operário em Santos vive num meio mau, alimenta-se defeituosamente e abusa, geralmente, das bebidas alcoólicas, em quem pensa
encontrar vigor e energias para o trabalho, ou consolo para as mágoas e contrariedades da vida. A gripe vitimou 48 pessoas, o impaludismo 14, e o tétano dos recém-nascidos mais de 35. O número de óbitos de disenteria baixou a 3, ou metade dos
causados pela febre tifóide, elevando-se os produzidos pelos cancros a 20.
Durante o ano os inspetores sanitários fizeram 16.208 visitas domiciliares, expediram 1.472 intimações para obras, reformas, asseio e vacinações e dirigiram 109 desinfecções por doenças
contagiosas, na maioria por tuberculose. Foram desinfetadas 146 casas vazias e interditadas 189 para obras de asseio, ou de reformas. Os fiscais sanitários fizeram 28.659 visitas em áreas, porões, quintais e terrenos. Durante o ano foram
construídos 277 prédios, reconstruídos 87 e reformados regulamentarmente 312, tendo 380 recebido melhoramentos diversos.
O Desinfetório incinerou 722 ratos comprados para exame, desinfetou 176 prédios contaminados e 543 vazios, desinfetou 40.542 bocas-de-lobo, passou pela estufa 3.911 peças de roupa,
conduziu 399 cadáveres para o Cemitério Municipal, sendo 306 da S. Casa, 6 do Hospital de Isolamento, 3 do Hospital da Filosofia, 82 a pedido da polícia e 2 de domicílios, de gente pobre.
A Brigada contra moscas e mosquitos intensificou os seus trabalhos em Santos, limpando 170.496 metros de valas e rios, beneficiando 820 terrenos baldios, enterrando 66.271 recipientes
abandonados, petrolizando 27.799 bocas-de-lobo na cidade, 10.782 no cais das Docas e 20.997 registros de hidrantes em frente aos armazéns da mesma companhia. Destruiu 151 focos de larvas de mosquitos e entregou 135 multas.
Em S. Vicente limpou 5.239 metros de valas, beneficiou 4.611 terrenos, enterrou 22.148 recipientes, extinguiu 187 focos de larvas de mosquitos, petrolizou 277 bocas-de-lobo e entregou
417 intimações. Em Guarujá, as valas foram limpas (1.700 metros), os focos de larvas extintos (19) e as vasilhas abandonadas enterradas (520). Foram feitas 629 visitas e aplicadas 19 multas.
Em 11 de abril foram inaugurados o Hospital de Isolamento, em meio de extenso parque, no antigo Caminho Velho da Barra, depois Rua Oswaldo Cruz, e o Desinfetório Central, ao lado do
antigo Isolamento, na Rua Luiza Macuco.
O Hospital de Isolamento faz honra a qualquer cidade moderna, tendo 80 leitos, em quartos e pequenas enfermarias, distribuídos por três pavilhões, construídos a rigor sanitário; o
Desinfetório, com a cocheira complementar, bastará por muitos anos, estando perfeitamente montado.
No mesmo dia, também na presença das mesmas altas autoridades do Estado, foram inaugurados os serviços de saneamento de Santos, completando-se quase os planos de Saturnino de Brito, a
quem tanto deve Santos.
"Rede de esgotos domiciliar em 1895"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...
{1914}
Em 1914 a peste não figura no obituário de Santos, onde nenhum caso da doença foi notificado, apesar da mesma reinar nos estados do Sul, na Argentina e em alguns estados do Norte. O ano
sanitário foi melhor do que o anterior e o de 1912, sendo o número de óbitos de 1.603, baixando os da própria tuberculose, o espantalho atual de Santos, a 173, cifra igual à de 1905.
A varíola causou um falecimento; foi o resultado de pequena epidemia causada por duas pessoas vindas de Pernambuco e tratadas ocultamente em habitação coletiva, em arrabalde, mas abafada
logo pela vacinação em massa em toda a zona, tendo sido punidos severamente os faltosos.
A gripe determinou 35 óbitos, o tétano das crianças 25, o sarampão 13, a febre tifóide 11, a coqueluche 8, a difteria 7 e a disenteria 2. Houve na cidade aumento dos casos de difteria, o
quádruplo dos doentes que na média costumavam aparecer por ano, e sendo, em geral, tardias as notificações, quase todas de laringites, resultou também daí mortalidade mais do que dupla da costumeira.
O número dos casos fatais de doenças transmissíveis chegou a 315, ou menos 43 do que no ano anterior, sendo a porcentagem dos óbitos por aquelas 19,6% em relação ao obituário geral.
Foram recolhidos ao Hospital de Isolamento 44 contagiosos, dos quais 19 sarampentos, 15 diftéricos, 6 variolosos, 11 doentes de varicela e 2 anginosos, para observação. Faleceram 5 diftéricos e 1 por septicemia, consecutiva a fleimão do pescoço.
Os inspetores sanitários, nos 5 distritos em que continuou dividida a cidade, fizeram 22.715 visitas e vacinaram e revacinaram 11.839 pessoas, contra a varíola. Prosseguiu o trabalho
sistemático de remodelação dos domicílios, rareando cada vez mais os prédios de porão sem impermeabilização, ficando interditados 166 por insalubridade, 232 construídos, 59 reconstruídos, 405 reformados e 595 melhorados. Para se obter este
resultado foram expedidas 1.554 intimações e aplicadas 128 multas. Todas as obras referidas foram fiscalizadas pelos inspetores sanitários e executadas regulamentarmente. Os fiscais sanitários auxiliaram os inspetores, principalmente na promoção do
asseio das habitações e dependências, em que fizeram 79.263 visitas.
Pelas turmas do Desinfetório foram espurgados 197 prédios contaminados por doentes contagiosos e 538 vazios, para alugar; foram passadas pelas estufas 3.206 peças de roupa e pela câmara
de formol 497, incinerando-se 679 ratos comprados para exame bacterioscópico, relativo à peste, encontrada em alguns provenientes de cocheiras, alvo todas de vigilância e providências regulamentares.
Os serviços da Brigada contra mosquitos e moscas prosseguiram com perfeita regularidade, limpando-se e nivelando-se 198.783 metros de valas e riachos, enterrando-se 32.539 vasilhas
abandonadas e destruindo-se 167 focos de larvas de mosquitos. Foram feitas 37.631 visitas a chácaras, terrenos, quintais e cocheiras, limpezas em 1.140 terrenos e quintais, petrolizações em 10.114 ralos e locais de águas estagnadas e 8.601
registros de hidrantes do cais, em cujos armazéns foi distribuído mensalmente veneno para ratos.
Em Guarujá foram visitados 1.183 terrenos, enterrados 1.137 recipientes abandonados, destruídos 2 focos de larvas e limpos 4.500 metros de valas, visitados 5.630 terrenos, chácaras e
cocheiras, enterradas 10.398 vasilhas abandonadas, petrolizadas 781 bocas-de-lobo. Foram expedidas 95 intimações para asseio e vacinadas e revacinadas 477 pessoas. Em Vila Bela o fiscal sanitário fez 350 vacinações contra a varíola, tendo o de
Iguape feito 600, o de S. Sebastião 264, o de Ubatuba 248 e o de Xiririca 536. Ao todo, os fiscais sanitários do interior da nossa zona sanitária fizeram 1.998 vacinações e revacinações.
Durante o ano de 1914 nasceram em Santos 3.033 pessoas, tendo havido 496 casamentos e 1.603 óbitos, excluídos os 208 natimortos, ou 2,08 por mil.
"Rede de esgotos domiciliar usada desde 1908"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...
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