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DO TELEGRAMA AO ALTO-FALANTE
A curiosa evolução na arte de informar
Até 1927, os grandes recursos da
imprensa eram o telegrama e o telefone - Foi A Tribuna, naquele ano, quem inaugurou a
era dos alto-falantes - Dos tormentos do "placard" à tranqüilidade das transmissões - Diretamente de São Januário e, mais tarde, da Bahia! - Como se
fez a primeira reportagem "falada" no Brasil
O que se contém nesta reportagem é a narrativa dos métodos postos em ação pela imprensa
brasileira, quando os jornais, em sua constante e infatigável diligência em bem informar o público, lançavam mão de todos os recursos
possíveis, a fim de encurtar distâncias e de diminuir a ansiada angústia das expectativas... |
No princípio, era assim:
- "Alô!... É da redação do Combate?
- "É sim senhor!"
- "Quer fazer o favor de informar o resultado do jogo paulistas e cariocas, realizado
esta tarde, no Rio?"
A resposta vinha numa voz já cansada de repetir a mesma coisa:
- "Ainda não sabemos!"
Entretanto, o cidadão insistia:
- "Mas são seis e meia da noite e o jogo deve ter terminado às 5 horas!..."
- "É... mas não sabemos, não senhor! o telegrama trazendo o
resultado só chegará lá pelas 11 horas!"
***
Depois, melhorou um pouco:
- "Pronto! É do Rebate!"
- "O sr. podia fazer a gentileza de informar quem ganhou o jogo desta tarde entre
brasileiros e uruguaios?"
- "Por enquanto não temos nada! Estamos aguardando o
telefonema do Rio. Volte a perguntar daqui a três horas que, então, talvez possamos informá-lo!"
***
Nas cidades grandes, gordas de população, os jornais dotados de
espírito empreendedor foram substituindo, aos poucos, o telegrama - que se arrastava de muletas - pela lepidez diabólica dos aparelhos telefônicos.
E os Combate e os Rebate, graças ao telefone -
rouquenho mas audível - passaram a afixar placardes à frente de suas redações nos dias de inusitados acontecimentos...
***
Quando havia jogo de futebol de alta ressonância, organizava-se
o que se convencionou chamar, pomposamente, de "Serviço instantâneo de informações", e que consistia no seguinte: - a agência telegráfica telefonava
para a redação do jornal, mediante combinação prévia de uma taxa adicional aos seus informes de rotina, e a notícia era escrita, à pressa, em um
papel de linha d'água, e um contínuo da redação (quando era gol favorável, quem tomava esse encargo era o redator-chefe...) subia a uma escada de
abrir, e colava num placarde o informe do detalhe da peleja: "Os brasileiros estão atacando muito, mas os uruguaios se defendem bem".
E toca a esperar mais 10, mais 15, mais 20 minutos, até que se
conseguisse completar nova ligação interurbana.
E quando todo o mundo, já esquecido de que estava havendo
futebol graúdo, começava a contar anedota nos grupos formados, aqui e ali, na sala da redação, eis que o telefone tilintava. Era outro informe, e
vejam os senhores que preciosidade...: - "Agora são os uruguaios que atacam, mas os brasileiros portam-se bem na defensiva".
Havia o diabo, lá em baixo, na rua, para o povo poder ler o
placarde. Trancos, barrigadas, encontrões, determinavam bate-bocas:
- "No empurra, cidadão!"
- "O sr. é quem está empurrando!"
- "É você, seu estúpido!"
E se fazia ouvir, então, barulhenta, a música da pancadaria,
ao ritmo espocante dos pescoções...
***
O futebol foi crescendo. Foi vestindo roupagens caras. De luxo.
Foi-se tornando a menina dos olhos de muita gente boa. E foi calçando, decididamente, as compridas botas das 7 léguas...
O público aumentava. A ansiedade, nas tardes dos prélios de ampla repercussão, era
cada dia mais intensa, cada vez maior.
Fizeram subir os placardes para um ponto mais alto, para as sacadas dos jornais, e
aumentaram, ao máximo, o tamanho das letras: "O BRASIL ESTÁ EM PLENO ATAQUE, TODAVIA OS ARGENTINOS CONTINUAM FIRMES NA RETAGUARDA".
- "Firmes... aonde?" - indagava alguém, lá na rua.
- "Onde, é que eu também não sei. Não consigo enxergar!"
E os placardes, embora gigantescos, foram se tornando cada vez menores, foram
parecendo minúsculos, pingos d'água no oceano ondulante das multidões que se comprimiam, vibrantes ou angustiadas, frente aos prédios dos grandes
jornais do Brasil.
Uma iniciativa de A Tribuna - A Tribuna participou de toda essa
evolução nos métodos informativos, desde o telegrama de pernas trôpegas e passinho miúdo, até o telefonema que realizava o milagre do informe
instantâneo. Mas aquela conquista do espaço, através dos fios telefônicos, esbarrava, desanimadoramente, na imperiosidade da utilização do placarde.
Todas as virtudes informativas do telefone, toda aquela vertiginosa rapidez que Graham
Bell ensejara, redundara em tempo perdido entre o redigir da notícia no papel, na transcrição do informe numa folha maior, na sua condução e
fixação, em letras garrafais, numa tabuleta a qual só podiam enxergar os poucos privilegiados, que se encontravam postados em lugar melhor, por
haverem madrugado ali.
Urgia pôr em prática - pensou A Tribuna - uma idéia
arrojada, capaz de permitir ao público de Santos um serviço perfeito de informações, que não causasse esticamentos de pescoços, que não determinasse
balbúrdia, que não causasse empurrões, bate-bocas e conflitos, lá na rua apinhada de gente...
***
Iam jogar, no Rio, cariocas e paulistas, decidindo o título de
campeão de futebol.
Na equipe bandeirante figurariam três elementos de Santos - Tuffy, Feitiço e
Evangelista - e tanto bastava para que o natural interesse do público santista em torno da batalha crescesse enormemente. Nunca, até então, um jogo
de futebol despertou tão grande interesse, em Santos, como aquele:
- "Três craques de Santos na representação máxima de São
Paulo!"
***
A Tribuna sempre soube sentir o pulsar do coração do
público santista, e pôde avaliar, por isso, os batimentos cada vez mais agitados que aquele prélio sensacional ia determinando, lá dentro da alma do
povo.
- "Um jogo desses - monologou A Tribuna - um acontecimento dessa natureza,
merece algo de sensacional a lhe vestir os contornos".
E ficou decidido, ficou assentado, que o serviço informativo de A Tribuna ao público
de Santos não seria mais pelo método ronceiro, tardo, obsoleto e já ineficiente, da afixação dos placardes.
- "E como irá ser feito, então?"
- "Por intermédio de alto-falantes!"
- afirmou A Tribuna.
***
"Auto-falantes"... "Auto-falantes"...
(N.E.: com "u" no original, nessa linha).
Que bicho seria esse?
E ninguém sabia dizer que bicho era...
O alto-falante veio extinguir a era dos placardes, possibilitando a audição dos detalhes de uma
peleja de futebol ou de qualquer notícia de interesse popular, a longa distância. Foi a A Tribuna o primeiro jornal, no Brasil, a se utilizar
desse eficiente meio de informação
Imagem e legenda publicadas com a matéria
***
Quem instalou o primeiro alto-falante na sacada de um jornal
editado em território brasileiro foi o sr. Carlos Fonseca, então estabelecido com ramo de eletricidade, à Rua Itororó. Sua perícia no assunto - que
ainda estava no berço... - fez com que se adaptasse um aparelho de telefone a ampliador de som. Duas cornetas "campanas" para alto-falantes foram
construídas com equipamento Western.
E no dia 13 de novembro de 1927 - em 1927, note-se bem - a multidão se estendeu,
comprimida, pela Rua General Câmara, num trecho superior a 200 metros.
O milagre da voz ampliada - Às 15 horas, precisamente, como A Tribuna
havia prometido, estava no ar, pela primeira vez no Brasil, a voz de um locutor em transmissão feita por um jornal de nossa pátria:
"Está falando o serviço informativo de A Tribuna! A
equipe paulista acaba de pisar, neste instante, o campo do estádio de S. Januário, no Rio de Janeiro".
***
Francisco Paino, enviado especial de A Tribuna, falava
diretamente de junto do gramado, para a redação. Fora conseguido, pelo jornal santista, que o Vasco da Gama cedesse, com exclusividade, o seu
aparelho telefônico, e a linha interurbana ficou sendo direta por tempo indeterminado.
Perilo Prado, redator de esportes, datilografava o que Francisco Paino ia
transmitindo.
E a voz que se fazia ouvir através dos alto-falantes, era de
Giusfredo Santini.
***
Não havia solução de continuidade. Lance por lance, detalhe por
detalhe, o público, na rua, o povo, pela cidade, ia ficando a par de um prélio que se desenrolava lá longe, no Rio de Janeiro.
A transmissão era instantânea, porque à medida que Francisco Paino falava, que Perilo
Prado gravava no papel, Giusfredo Santini ia lendo.
E o público, maravilhado, repetia a cada instante:
- "Mas isso é um assombro!... Isso parece um sonho!.."
E parecia, mesmo!
Quatro fase na evolução dos meios informativos: - o telegrama, sempre moroso, apesar de
urgentíssimo; o telefone, que ainda nem sonhava em ser automático; o par de fones com bocal móvel empregado nas recepções e transmissões de
noticiário e o placarde, sempre feito à pressa, com palavras erradas, tal como ocorreu com o "Friendereich", que tem o "n" mal colocado, e que só
era lido pelos que deles estavam perto. O telegrama já existia quando o futebol passou a ser praticado no Brasil; o telefone veio a ser útil aos
jornais a partir de 1919; o serviço conjugado de fones, bocal e máquina de escrever também principiou a ser usado no citado ano e até hoje ainda
presta bons auxílios no panorama de rotina; o placarde viveu em conseqüência do telegrama e do telefone, e desapareceu quando outro sistema mais
eficiente - o alto-falante - começou a surgir
Imagens e legenda publicadas com a matéria
Só muito tempo depois... - Ficou sendo A Tribuna durante muito tempo, a
única fonte informativa a se valer de ampliadores de som.
Um ano e tanto depois é que o "Bar Meia Noite", em São Paulo, instalado nas imediações
do vale do Anhangabaú, passou a apresentar, também, a transmissão do som. Todo o aparelhamento para o "Bar Meia Noite" foi copiado do existente em
A Tribuna, e o seu montador foi o mesmo sr. Carlos Fonseca, que construíra o equipamento para A Tribuna.
Record de distância - Durou muito tempo, até ser igualada, a
exclusividade, para A Tribuna, das transmissões "altofaladas", em território nacional. Mais tarde, um ano depois, é que a idéia foi ganhando
imitadores, mesmo porque, com a escassez de grandes jogos, rarearam, em muito, as oportunidades de se fazer reportagens como aquela de 13 de
novembro de 1927. Mas toda a vez que um ensejo se deparava, lá estavam os famosos alto-falantes de A Tribuna a cascatear informes.
Em 1929 o Santos F. Clube fora realizar a sua mais brilhante excursão de todos os
tempos, jogando na Bahia.
Na manhã do prélio contra o selecionado baiano, A Tribuna noticiava:
"Sendo de grande importância o jogo desta noite, na Bahia,
A Tribuna, não olhando obstáculos nem despesas, e querendo brindar o público esportivo de Santos com um serviço que o satisfaça inteiramente,
transmitirá, a partir das 20 horas, todos os detalhes da grande luta, por intermédio de seu poderoso alto-falante".
***
Da Bahia para Santos não existia telefone. Só telégrafo. A
cidade do Salvador não era logo ali, como o Rio era...
Mas a direção de A Tribuna resolveu enfrentar,
intrepidamente, o fantasma da distância.
***
A Rua General Câmara, desde a Praça Mauá
até muito além da Rua Martim Afonso, nunca vira tanta gente junta como naquela noite de 23 de maio de 1929.
A multidão que ali se postara desde as primeiras horas da noite foi de tal ordem que a
Cia. City, cujo serviço de tráfego era superintendido pelo inspetor Figueiredo, suspendeu o trânsito - e isso jamais
sucedera antes e nunca mais aconteceria, nem mesmo em todos os carnavais com ou sem aspas que temos tido - suspendeu o trânsito, dizíamos, pela Rua
General Câmara, desviando-o para outras vias.
E aquele mundo de povo, calculado em mais de 15.000 pessoas, ficou acompanhando,
detalhe por detalhe, o desenrolar do prélio que se disputava lá na longínqua e simpática "Boa Terra".
Vejamos como foi possível - Arrojado, destemeroso e sem precedentes na história
da imprensa brasileira, o plano de ação, posto em prática, naquela noite, pela A Tribuna, a fim de permitir aos santistas um serviço de
recepção e transmissão cem por cento perfeito.
Vejamos como ele se processou: o enviado especial de A Tribuna foi, novamente,
Francisco Paino, que, no "Estádio da Graça", na capital da Bahia, redigia os telegramas, entregava-os a um estafeta e esse, por sua vez, em
automóvel, rumava para a agência da Western Telegraph, onde, por um cabo especial, o informe era passado à agência de
Santos, e dali vinha, em desabalada carreira, rumo à A Tribuna, um dos entregadores destacados para essa tarefa.
Dali a pouco - e nisso consistia o milagre que a A Tribuna realizou - eis que
uma voz se fazia ouvir num raio de ação de 500 metros através dos alto-falantes utilizados pela primeira vez em serviço de longa extensão.
Não se perdia uma palavra, uma sílaba que fosse:
"Os quadros já estão no gramado. A seleção da Bahia vai formar com: De Vecchi -
Pinheiro e Sílvio - Oséas, Roberto e Libânio - Bayma, Mário Seixas, Popó, Mila e Sandoval.
"O Santos alinhará: Athié - Aristides e Amorim Filho - Osvaldo, Júlio e Alfredo -
Siriri, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista".
E foi todo um sucesso - Mal o primeiro estafeta deixava o "Estádio da Graça", a
muitos quilômetros de distância, e rumava em direção à Western, já Francisco Paino estava redigindo um novo despacho telegráfico que era
entregue ao segundo mensageiro. Outro automóvel em disparada pelas ruas da capital baiana, e o telegrama era cabografado, e, em chegando a Santos,
tomava imediatamente o rumo de A Tribuna.
E foi assim esse moto-contínuo pela noite a dentro. E foram 130 minutos de desfile
ininterrupto de informações do jogo, com a mesma precisão, com a mesma riqueza de detalhes, com o mesmo aspecto sensacional que revestem, hoje em
dia, as irradiações dos prélios de futebol.
Com uma diferença apenas: - é que o fato ocorreu há 23 anos passados
(N.E.: em 1929 - o texto foi publicado em 1952),
quando o rádio ainda começava a engatinhar, magro e tímido, pelo chão das ondas hertzianas...
Tal acontecimento, como não podia deixar de ser, causou espanto e determinou aplausos
sem conta, outorgando-se-nos o título de "pioneira no Brasil dos serviços informativos, de longa distância, através de alto-falantes".
E essa denominação veio juntar-se a outra que conferia a este jornal o direito de ter
sido o primeiro jornal, em nosso país, a fazer uma reportagem "falada".
Aqui aparecem os componentes da equipe de A Tribuna, precursora das "reportagens faladas",
no Brasil, e que há 25 anos passados, trabalhando em conjunto, apresentaram um "serviço instantâneo" de informações sobre um jogo de futebol
realizado no Rio de Janeiro, entre cariocas e paulistas. Da esquerda para a direita, falando a um dos nossos atuais redatores, vêem-se Perilo Prado,
Giusfredo Santini, Francisco Paino e Carlos Fonseca, que, em 1929, superavam seu próprio recorde, fazendo "irradiar" em Santos uma partida que se
realizava em Salvador, Bahia
Imagem e legenda publicadas com a matéria
A equipe de 23 de maio de 1929 - É curioso relembrar aqui os nomes e as funções
daqueles que contribuíram para o êxito dos trabalhos informativos do primeiro jogo de futebol totalmente "irradiado", em Santos, em S. Paulo e no
Brasil: - enviado especial, Francisco Paino; Western Telegraph, cuja agência, em Salvador, ficou funcionando extraordinariamente após o seu horário
habitual; Cia. City, que desviou trânsito de bondes e cooperou para a melhor iluminação do trecho onde se postou a multidão; Alcino Rolemberg, que
datilografava os telegramas mais urgentes recebidos via telegráfica, e transmitidos pela agência, aqui, da Western Telegraph; Perilo Prado e Osvaldo
Du Pain, que redigiam, ao corrente, as sincopadas telegráficas; Carlos Fonseca, encarregado do controle geral dos aparelhos de transmissão; e
Giusfredo Santini, que tomou a si a tarefa, das mais árduas, àquela época, de empunhar o microfone durante as duas horas da irradiação.
E para findar... - Curioso, sem dúvida alguma, o depoimento, que ouvimos ontem
do sr. Manoel Villafranca, comerciante no bairro do Marapé, referindo-se ao acontecimento descrito nesta reportagem:
- "Lembro-me bem, muitíssimo bem, da irradiação feita por A Tribuna, naquela
longínqua noite de 1929. E recordo-me, também, de que passei sem dormir até quase ao romper da alva, a pensar como é que um jogo que se estava
efetuando lá longe, longíssimo, na cidade do Salvador, podia ser escutado aqui em Santos, no mesmo instante... E quer saber de uma coisa?... -
durante muito e muito tempo eu olhava para os alto-falantes na certeza de que eles tinham um parentesco muito próximo com o tal de Satanaz..."
Reprodução fotográfica da página em que a A Tribuna, em sua edição de 23 de maio de 1929,
publicava todo o noticiário fornecido ao público, na véspera, através seus alto-falantes. Surgem, nos pequenos clichês, as figuras de Feitiço, Júlio
de Almeida, Araken, Siriri, Evangelista e Athiê. Em baixo, no rodapé, uma vista parcial da multidão que acompanhou o desenrolar da peleja disputada
a 937 milhas marítimas de distância, como se ela estivesse sendo efetuada em Vila Belmiro
Imagem e legenda publicadas com a matéria |