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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [58]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho é a seguir reproduzido, em suas páginas 1.067 a 1.069, referentes ao Estado (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

Mato Grosso

ato Grosso é o mais ocidental dos estados centrais do Brasil, o segundo da federação por sua superfície e o menos desenvolvido de todos. A sua área é de 1.376.487 quilômetros quadrados, segundo a Comissão de 1873.

Embora descoberto há mais de 300 anos, o estado abrange quase exclusivamente florestas virgens, desconhecidas e não exploradas em sua grande maioria.

Com uma extensão cinco vezes maior do que  Itália, e três vezes da da França, não tem senão 160.000 habitantes, embora, com facilidade, possa acomodar 100.000.000.

Os seus recursos são numerosos, mas estão todos ao abandono. Têm sido encontrados, em muitas localidades, ouro, diamantes, outros minerais, mas nenhuma dessas riquezas está, por assim dizer, explorada. As suas florestas abundam em valiosas madeiras, mas ainda aguardam quem deles tire vantagem. Inúmeras frutas produz o seu solo, mas caem de maduras, sem serem aproveitadas. É ainda uma terra em que a natureza mantém o seu domínio, terra que não conhece a mão do homem.

Mato Grosso está entre 7º30' e 24º'10' de latitude Sul, e 7º25' e 22º de longitude Oeste do Rio de Janeiro. É limitado ao Norte pelos estados do Amazonas e Pará; ao Sul, Paraná e repúblicas do Paraguai e Bolívia; a Leste, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná; e ao Oeste, Bolívia e Paraguai.

É em Mato Grosso, circulando Cuiabá, que o sistema orográfico brasileiro tem o seu centro; é daí que partem as ramificações para formar os vales de todos os rios, a Leste dos Andes e ao Sul das Guianas, envolvendo as nascentes do Paraguai e descendo por entre elas e a margem esquerda do Guaporé.

Essas ramificações, elevando-se sempre, vão até às fontes do Mamoré e perto de Chuquisaca perdem-se nos gigantescos Andes. As montanhas raramente são consideráveis, não atingindo a mais de 1.000 metros. Dos rios principais da América do Sul, muitos têm sua origem neste estado, cujo sistema fluvial se divide naturalmente em duas seções: a dos rios do Norte que deságuam no Amazonas e a dos rios do Sul, que desembocam no Paraná e Paraguai, tributários do Prata.

Fauna

Mato Grosso é excessivamente rico tanto pela sua fauna como pela sua flora. São inúmeros os animais das suas matas e os seus rios estão cheios de peixes. Entre os paquidermes, podem ser mencionados: o tapir (tapirus americanus), o maior animal indígena da América do Sul; os caetetus e os javalis (dycotyles labiatus e D); na ordem dos ruminantes, encontram-se vários veados (cervus campestris, cervus palustris, cervus nemorivagus e cervus ruffus); entre os roedores, estão a capivara (hydrochoerus capibara), as pacas (coelegenys fulva e coelegenys subnigra), o caxinguelê (macroxus variabilis), o porco-da-Índia (dasyprocta aguti) e a preá (cavia caboja); entre os animais desdentados, contam-se os tatus de variadas espécies da classe dasypus e as preguiças da classe bradipus; entre outros quadrúpedes, há muitas variedades de macacos, monos, orangotangos e sagüis, bem como várias espécies de gambás (didelphis); entre os carnívoros, citam-se os jaguares pretos e pardos, o gato do mato e a jaguatirica (felix mitus F. Cux.); dos caninos, encontram-se o lobo amarelo, animal mais ou menos feroz, e a raposa do Brasil.

Nas florestas, muitos outros animais existem, preciosos pelas suas peles. De aves há inúmeras variedades, tais como as apreciadas perdizes, as emas, avestruzes, garças, patos, papagaios, cacatuas, frangos d'água, beija-flores, canários, sabiás e muitos outros pássaros cantadores e de brilhantes plumagens. Em seus rios, habitam dezenas de espécies de peixe. Os répteis constam das jibóias, jacarés e vários outros animais, não se podendo esquecer as tartarugas das margens do Araguaia e de diversos afluentes do Amazonas.

Flora e Agricultura

A flora de Mato Grosso é simplesmente admirável e, quando houver em abundância fáceis meios de comunicação, as maravilhosas florestas - de crescimento secular - constituirão uma fonte inesgotável de riqueza.

As madeiras de lei e quase indestrutíveis, esplêndidas para fins de construção, encontram-se em quantidades que nenhuma outra parte do mundo pode oferecer. Entre elas, podem ser citadas as seguintes: anjico, aroeira, peroba, jacarandá preto, sucupira, cedro, louro, angelim, canela de várias espécies, gonçalo alves, cabreúva, taiúva, jacarandá, vermelho, jequitibá, cedro branco, vinhático, jatobá, piúva, araputanga, pau-santo, carvão branco, carvão vermelho e coração-de-negro.

Entre as plantas medicinais citam-se a ipecacuanha, a quina (que na opinião do dr. B. Martins é tão eficaz como a do Peru), o julepo, a baunilha, a copaíba, a genciana, a camomila, e outras de uso farmacológico. Todas essas plantas estão por explorar. Contudo, há outras que já são uma fonte de riqueza para o estado, embora a importância das mesmas possa ainda aumentar enormemente no futuro.

Ao longo das margens dos rios Madeira, Mamoré, Guaporé, Xingu, Tapajós e seus afluentes, por exemplo, tem sido encontrada quantidade de syphonia elastica e hancornia speciosa, de que se extrai a borracha. A exportação monta a mais de 200.000 libras anuais.

O preparo do excelente cacau da theobromma cacau, que é indígena, está igualmente crescendo de importância. A erva-mate dá com abundância nas regiões do Sul do estado, e a exportação, principalmente para a Argentina, monta agora a mais de 5.000.000 de quilos por ano. A cultura da cana-de-açúcar vai, por sua vez, progredindo também, apesar de não ocupar ainda um lugar de destaque no quadro da exportação.

Quanto à produção de cereais, Mato Grosso pode ainda se tornar um dos celeiros do mundo. A variedade de altitudes facilita o cultivo de todas as plantas das zonas temperada e sub-tropical, tais como a uva, o trigo, o café, o fumo, o algodão, o milho, a cana-de-açúcar, o arroz etc.

Quando um dia a corrente imigratória se encaminhar naquela direção, os recém-chegados encontrarão ali todos os elementos capazes de trazer consigo a prosperidade. As terras, nas imediações do Cuiabá e outros rios, são naturalmente fertilizadas pelas enchentes periódicas, e grandes áreas que há 30 anos dão colheitas não mostram diminuição de produtividade.

Nessas terras, o arroz dá 1.000 por 1, quando semeado, e há uma espécie de arroz silvestre, excelente pastagem para gado. A uva dá duas colheitas por ano, e para o cultivo da laranja o estado é muito mais próprio do que a Califórnia, por ser mais longo o período adequado para colheita da fruta. A laranja madura, não sendo apanhada, fica outra vez verde com as chuvas de outubro, para, depois delas, amadurecer de novo. A banana é nativa e abundante.

Para o desenvolvimento das indústrias, duas coisas se fazem necessárias: a afluência de pessoal de trabalho e melhoramento dos meios de transporte; como é natural, aquele deve seguir a este. Não menos conveniente é o estado às indústrias agrícolas, sobretudo na imensa zona entre os rios Paraguai, S. Lourenço, Araguaia e Paraná, repleta de excelentes pastagens, abundantemente regadas por muitos rios, córregos e lagos.

O gado foi introduzido no estado em 1730, vindo de São Paulo, e embora as raças (Zebu, Chim e Caracu) tenham sido introduzidas desde aquele ano, ainda conservam os seus velhos característicos, principalmente os chifres longos e a cabeça de grandes proporções.

A raça Franqueira, agora conhecida por mineira, produz crias muito próprias para o trabalho, que dão, quando abatidas para o consumo, 300 a 350 quilos de carne. As vacas são também boas leiteiras. Ultimamente, foram introduzidos touros Durham com grande resultado.

Mineração

A riqueza mineral do estado está já despertando a atenção do mundo, e muitas companhias anglo-argentinas estão escavando os morros em busca do ouro, nas proximidades de Cuiabá. A maior riqueza mineral do estado é aurífera, e nos leitos dos rios encontram-se diamantes de superior qualidade. A formação geológica do estado ainda não foi propriamente estudada, e as velhas minas, trabalhadas por aventureiros dos tempos coloniais, apenas têm sido superficialmente exploradas.

Entre as jazidas, que os antigos mineiros examinaram, podem mencionar-se as seguintes: a de Araés, à margem do rio do mesmo nome; a de Arinos, a pequena distância da nascente do Sumidouro; as de Brumado, Lavrinhas, S. Vicente, Galera e Ouro Fino, pouco exploradas; a de Cocais, perto da velha cidade de S. José; a de Corumbiara, no velho distrito de S. Francisco Xavier; as de Coxipó Açu e Coxipó Mirim, no município da capital; a do Quilombo, no distrito da Chapada; as de S. Francisco, Areias, Pari, Brumado e Sant'Ana no município de Diamantino; a do Sapateiro, no município do Livramento; as de Cabaçal e Setúbal, no município de S. Luiz de Cáceres; a de Urubu, perto de Pari; e as da Facada e Conceição, próximo de Cuiabá.

Todas essas minas contêm ouro ou diamante em maiores ou menores quantidades. Os diamantes, muito procurados pelos velhos mineiros, principalmente em Diamantina, têm sempre sido encontrados nos terrenos de aluvião e nos leitos do Rio Araguaia e seus tributários e do Alto Paraguai, que são especialmente ricos neste particular.

O ouro em grande parte acha-se disseminado em forma de piritas e oligisto. Outrora era encontrado em jazidas de aluvião e com uma simples lavagem se separava. Agora, porém, várias companhias de mineração têm sido organizadas.

O ferro, sob variadas combinações químicas, tem sido encontrado em grandes quantidades, principalmente em Urucum, Piraputangas, Jacadigo, Albuquerque, S. Jerônimo, e na Serra do Maracaju. O manganês, geralmente na forma de óxido, existe no município de Corumbá. Na opinião do dr. Publio Ribeiro, o depósito de manganês n mina do Urucum, que tem um área de 600 hectares, monta a não menos de 48.000.000 de toneladas. Esta mina está a pequena distância do porto de Corumbá.

Meios de comunicação

Para suas relações com o mundo exterior, Mato Grosso está quase absolutamente dependendo dos serviços de pequenos vapores fluviais, das carreiras mantidas pelo Lloyd Brasileiro e Linhas Mihanovich.

Contudo, para encorajar a exploração das vastas riquezas naturais do estado, garantiu o governo grandes concessões para a construção de uma estrada de ferro do Mato Grosso ao Pará, percorrendo a zona entre os rios Juruena e Arinos, aprazível região em que se encontram valorosos vegetais e minerais, tais como: a borracha, o cacau, ouro, prata, diamantes e ferro; bem assim cogita o governo de melhorar as estradas de rodagem.

Atualmente, os melhores meios de comunicação, de que o estado dispõe, são o Rio Paraguai e seus afluentes, em cujas margens estão situados os centros mais importantes de população. A maior parte do território, nas imediações desses rios, consiste em extensas planícies, periodicamente fertilizadas pelo transbordamento do rio, que hoje é considerado o Nilo do Mato Grosso.

O governo federal terminou a construção da estrada de ferro do Madeira ao Mamoré, com quase 400 quilômetros, percorrendo a fronteira entre Mato Grosso e Bolívia.

Está também em construção uma linha férrea de Bauru a Corumbá, com a qual serão evitadas as cachoeiras que impedem o tráfego dos rios Tocantins e Araguaia. Estão também sendo agora assentadas duas linhas, que reduzirão a três dias a distância entre Mato Grosso e Rio de Janeiro ou Santos: uma, a Estrada de Ferro Sorocabana e Noroeste para Corumbá; a outra, a Estrada de Ferro Norte de Minas e Goiás para Cuiabá. Autorizada se acha do mesmo modo a construção de uma linha entre Cuiabá e Santarém, no estado do Pará.

Centros de população

Chega a ser surpreendente encontrar-se em Mato Groso uma cidade como Cuiabá, que tem 35.000 habitantes. A cidade, que foi fundada em 1719, ocupa uma área de cerca de 4 quilômetros quadrados, a 230 metros acima do nível do mar. O ar é seco e agradável, e o cima não opressivo; são boas as condições sanitárias.

As ruas, em sua maioria, são estreitas, como é comum nas velhas cidades, mas muitas são calçadas. No coração da cidade se acha o Largo do Palácio, parque embelezado pelas suas altivas palmeiras, tendo ao centro uma bela fonte. É ponto favorito de reunião dos habitantes, que ali vão amiúde, para ouvir a banda de música militar.

Há vários edifícios dignos de nota, tais como o Palácio do Governo, de estilo simples, mas elegante; o Palácio do Congresso, o Tesouro, a Casa da Câmara, o Arsenal, o Laboratório Pirotécnico e o Colégio Salesiano. Entre as igrejas, notam-se a Catedral e as de S. Gonçalo, Bom Despacho, Boa Morte e Passos. A cidade é dotada de um bom serviço de bondes, sob a direção da Companhia Progresso Cuiabano.

Corumbá parece destinada a ser a cidade mais importante do estado, embora atualmente tenha pouco mais de um terço da população de Cuiabá. O seu progresso se opera rapidamente e, como ali aportam os vapores do Lloyd Brasileiro e de outras companhias argentinas e uruguaias, tem considerável movimento comercial, sendo o porto principal de Mato Grosso.

Edificada em terreno elevado, à margem ocidental do Rio Paraguai, a cidade é o que mais impressiona, depois da longa e bela viagem, rio acima. Em suas largas ruas belamente arborizadas, ouvem-se quase todas as línguas. Grande desenvolvimento há de ter esta cidade, quando forem exploradas as minas de ferro que se encontram no seu distrito.

Em Ladário, a 6 quilômetros de Corumbá, mantém o governo federal um grande estabelecimento para reparos e construções navais. Aí faz ponto a flotilha do Mato Grosso, composta de pequenos navios. Há boas fortalezas conhecidas pelos nomes de São Francisco, Junqueira, Conde d'Eu, Duque de Caxias e Major Gama.

Mato Grosso é uma pequena cidade histórica, fundada em 1751 com o nome de Vila Bela pelo 1º governador Antonio Rolim de Moura Tavares. Está situada à margem oriental do Rio Guaporé, a 115 léguas a Noroeste de Cuiabá, e tem uma população de 5.000 habitantes.

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